segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Helder Câmara, um Santo brasileiro

                              

        Para os que tiveram a fortuna de conhecê-lo pessoalmente, Dom Helder impressionava pela humildade. Recordo-me de suas visitas ao gabinete de um ministro de estado. A batina poderia ser a de um anônimo sacerdote, assim como a surrada pasta que trazia.  Vinha sempre sozinho, como se na sua modéstia, não carecesse de secretário ou de qualquer aparato eclesial.
        Tampouco dom Helder costumava marcar hora. Chegava com seu jeito discreto e a cruz de madeira, para pedir – e nunca por ele - a atenção da autoridade. Com a simplicidade que constituía a sua própria natureza, vinha e  sentava-se nas salas de espera.

       Tinha sempre o que fazer. Ou lia o breviário, ou fazia anotações. Os demais se dariam conta daquela presença verdadeiramente ilustre, embora não o acompanhasse a soberba de tantos príncipes da igreja. Nunca vi exemplo de maior naturalidade no ser simples e humilde, por mais que conhecido fosse.
       Dom Helder Câmara – ou padre Helder Pessoa Câmara, como gostava de ser chamado – não afetava nem riqueza, nem poder. A cruz de madeira e a vestimenta sem qualquer adereço ou fímbria eclésio-palaciana constituíam apenas o que um modesto cura de campanha portaria.

       Se a afetação pode ser arma de dois gumes, quem o conhecesse jamais sequer imaginaria que existisse qualquer coisa de artificial na sua atitude. Na verdade, ter a ventura de vê-lo já era oportunidade de mergulhar no mistério da santidade.   
      Para quem excelera em todas as suas atividades – de padre a arcebispo – sempre voltado para ajudar o próximo e, em especial, os mais desfavorecidos, e para quem o renome nacional e internacional, clerical e laical, jamais lhe deformaria a personalidade voltada para servir, há de surpreender deveras a derradeira provação que lhe foi imposta.

        Com efeito, após a renúncia canônica, e tornar-se Arcebispo emérito, Dom Helder Câmara assistiu ao desmantelamento de toda a sua obra pastoral pelo sucessor D. José Cardoso Sobrinho, O.C.
        Como toda prova imerecida, muito terá exigido de sua capacidade de obediência e resignação eclesial.  Com isso, sofreram não só os seus devotados auxiliares, mas sobretudo o povo humilde de Olinda e Recife. 

        D. Cardoso Sobrinho golpeou de forma tão incompreensível, quanto sem limites o trabalho espiritual e material que a presença de dom Helder na Sé de Olinda havia desenvolvido.  Todas as missões espirituais e temporais criadas pelo exemplo e a iniciativa desse grande arcebispo foram ou desativadas, ou desencorajadas, com grande prejuízo para todas as comunidades carentes que delas muito dependiam.
        Não é difícil, outrossim, imaginar o golpe assestado contra a religião e o seu recuo, que previsivelmente redundou no afastamento de grande número de fiéis da religião católica.

       Esse apóstolo das gentes, que tanto se empenhara pelo respeito aos direitos humanos, e cujo voto de pobreza se refletia não só na citada modéstia das vestes sacerdotais e na singela cruz de madeira que levava ao peito, também se marcou como apóstolo da paz. Teria sido certamente declarado Prêmio Nobel, se o Comitê de Oslo, que não se curvaria aos herdeiros de Mao, não houvesse cedido à pressão de então regime militar brasileiro.

       Aspecto não de somenos importância – que lhe realça a grandeza da personalidade e a vocação pastoral  - foi a obediência e a humildade demonstradas diante da atitude hostil e tão pouco cristã do sucessor, que envidou, por todos os meios e modos, atingir-lhe a obra pastoral. Até o limite da heroicidade, Dom Helder nunca incentivaria os seus discípulos e antigos subordinados a se indisporem e reagirem contra as medidas adotadas pelo sucessor, malgrado a compreensível revolta e mesmo indignação que o caráter regressivo e intolerante da nova gestão estava fadado a provocar.
       Isto representou, certamente, a prova mais cabal da humildade de Padre Helder Pessoa Câmara, humildade que se fazia cruelmente provar pelo caráter negativista, a beirar os limites da compreensão, e pelo manifesto sentido contrário que perpassava as determinações do novo Arcebispo.

        Dom Helder era homem de paz, e o provou cabalmente ao ser submetido a   tal ingente provação.  Coube-lhe presenciar o desfazimento de sua obra na Sé de Olinda e Recife, o que se procedeu com encarniçamento que costuma golpear não os trabalhos apostólicos e de caridade, mas de bem outro gênero de atividade.
        Depois de seu benemérito empenho como Arcebispo-auxiliar do Rio de Janeiro, onde tanto se prodigou pela população menos favorecida, deixando, ao partir para o Recife uma esteira de benemerência que até hoje se evidencia na Feira da Providência e outras inúmeras obras para as classes menos favorecidas, como poderia ele imaginar que o seu maiúsculo trabalho pelos pobres na Sé de Olinda e Recife terminaria com tanta  incompreensão e por espírito tão pouco imbuído da caridade e da compreensão de Nosso Senhor Jesus Cristo ?

         Dom Helder Câmara em vida foi a personificação da bondade e da obediência eclesial, obediência esta realizada até ponto que semelha difícil não confundir-se com a disposição heroica de cumprir as ordens do Senhor, por mais dificultoso e incompreensível que fosse o exercício para tanto exigido.
         Sacerdotes e religiosos, assim como as comunidades eclesiais e leigas, que tão entusiasticamente acolheram esta grande dádiva do apostolado, que D. Helder personificou com humildade e a infinita capacidade de fazer o bem à sua volta, receberiam com jubilosa gratificação e não menor gratidão que a causa deste Servo de Deus mereça a necessária atenção para que se lhe faça justiça.

         O processo de beatificação de dom Helder Pessoa Câmara faria justiça a uma personalidade que foi um dom de Deus para quem teve o privilégio de conhecê-lo ainda que de forma perfunctória, o que dizer então do enorme rebanho de fiéis, no Brasil e pelo mundo afora, que tiveram o benefício de seu carisma e empenho ?

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