Mandela, mesmo depois de morto, pôde dar uma ajuda à multidão de presidentes, dignitários e insignes mediocridades que acorreu ao seu funeral.
Não importa
que a autoridade formalmente encarregada do programa chegue ao estádio de
Johanesburgo sob a sincera e uníssona vaia que ele, Jacob Zuma faz muito por
merecer. Desde que por humanas contingências, Nelson Mandela se afastou do
poder, o povo da União Sul-Africana tem verificado a abissal distância entre os
anões sucessores e quem conduzira antes a nau, na árdua transição entre o
domínio da minoria e do apartheid para
o governo de todos, sob a égide do perdão e da justiça.
A popularidade
de Madiba, como se verifica na alegria onipresente dos sul-africanos – e não é
pequena realização o tornar-se símbolo e aglutinador de toda a população – se transmutou
em prerrogativa catalizadora de todo o povo.
A paz e o
perdão foram as armas de Mandela. O cárcere o elevou às alturas e ao contrário
das lições dos Bourbon, ele tudo esqueceu e tudo perdoou, na sua mágica fórmula
de soldar o que antes parte da minoria branca se empenhara em cindir, pelas
armas de injustiça e prepotência.
A radicalidade
do perdão, aliada à competência política, e ao senso de oportunidade,
transformaram Mandela de esperança em realidade. Na crônica do Prêmio Nobel da
Paz, nunca ninguém fez tanto por merecê-lo. Se no elenco de Oslo as ilustres
insignificâncias estarão sempre presentes, não temo o exagero ao afirmar que se
há heróis nessa lista, como o Dalai Lama, barrado da cerimônia pela
subserviência de Zuma, e Liu Xiaobo,
a padecer em masmorra chinesa a audácia de propor tímido constitucionalismo aos
herdeiros de Mao Zedong, tampouco tenho dúvidas em clamar que nenhum estadista
mais se confunde com a Paz do que Nelson Mandela.
E aqueles como
Madiba que trazem como segunda natureza a condição de estadista (no sentido de
antanho e não na barateada apelação moderna) possuem o condão de induzirem
imitações suscetíveis talvez de gerar bons frutos.
A mídia – que segue
como um cachorrinho os poderosos – nos mostrou a risonha companhia de Obama, da
loura Primeira Ministra da Dinamarca e do solícito acompanhante David Cameron, do
Reino Unido. Ao alegre grupinho se contrapunha o jeito carrancudo de Michele
Obama, e o contraste entre o perene que os congregara, e o picante caráter transitório
que também se insinua no interesse das gentes.
Sem embargo, o
Presidente Barack Obama soube com a provada eloquência discursar acerca de Mandela e sua mensagem de
paz e democracia. Antes, para espanto de muitos, cumprimentara, por primeira,
vez a um surpreso Raul Castro, para mostrar a aplicação da lição de Mandela.
Entrementes, a Presidenta resolveu falar em português.
Aferrar-se ao idioma pátrio em todas as circunstâncias é condenar-se a, na
prática, silenciar o pensamento. Aos monoglotas não resta outro remédio e,
espertamente, cuidam de transformá-lo em testemunho de patriotismo. Na
oportunidade, sabendo falar inglês, nossa Presidente perdeu boa oportunidade de
ter, além da presença brasileira, alguma relevância na cerimônia, para a
assistência de milhares de sul-africanos. Afinal, o Brasil é país-irmão da
União Sul-Africana, e através da Presidente deve trazer mensagem inteligível
sobre a importância para nós de Mandela como líder de todas as gentes.
(Fonte: O
Globo, Folha de S. Paulo)
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