sábado, 17 de agosto de 2013

Pif Paf (VII)

                                               
Jacques Vergès

        O advogado Jacques Vergès, que morreu aos 88 anos de ataque cardíaco, morava em um hotel[1] parisiense, em que residira Voltaire. Dado o caráter polêmico das causas defendidas pelo autor de ‘Candide’, o obituarista sucumbiu à tentação de comparar o advogado com o escritor do século XVIII.
        Vergès – que fumava, nos tempos que correm, enormes charutos – como advogado,  pelos clientes que assumia, terá alguma dificuldade – se o dito aplicado aos causídicos procede – de bater à porta de São Pedro.
         Para que se tenha idéia de quem defendeu, eis lista sumária: Klaus Barbie, o criminoso de guerra nazista, também conhecido pela alcunha de ‘Açougueiro de Lyon”; o terrorista Carlos o Chacal; e o chefe de estado do Cambódia no tempo do Khmer Vermelho, Khieu Samphan. Vergès teria, igualmente, tentado defender Saddam Hussein e Slobodan Milosevich.
        Vergès despontou para a notoriedade com as suas defesas de argelinos acusados de atentados à bomba, nos anos cinquenta, durante a guerra de liberação. Não contestava a veracidade das provas apresentadas pelos promotores, mas lhes contrapunha a circunstância de os acusados serem combatentes em guerra justa de liberação.
        No julgamento de Klaus Barbie, em 1987, Vergès ignorou as acusações e, ao invés, atacou Israel, França e outros países por ‘crimes contra a Humanidade’, que a seu ver eram mais sérios dos que atribuídos a seu cliente da vez. Na época, foi estigmatizado por trivializar o genocídio na sua defesa desse monstro. Jacques Vergès e seu irmão gêmeo Paul nasceram a 5 de março de 1925, no Sião (hoje Tailândia) de mãe indochinesa (morta em 1928) e de pai francês, o diplomata Raymond Vergès, que os criou na Ilha da Reunião, no oceano Índico, em departamento que até hoje pertence à França.

 
Violência no Egito  

 
         A resistência da Fraternidade Muçulmana contra o golpe militar do general el-Sisi terá surpreendido  aqueles que a princípio festejaram ruidosamente a queda do presidente Mohamed Morsi. Depois de sua longa estada na clandestinidade, a associação dos Irmãos Islâmicos está mostrando uma articulação e determinação que decerto não era esperada pelo Exército.
         A derrubada de Morsi fora causada pela sua incompetência administrativa e o fato de que os egípcios não-inscritos na Fraternidade não se sentiam representados pelo governo. Havia a percepção de que o presidente tinha presentes os interesses da Fraternidade Muçulmana e não os da população em geral.
          Diante da inesperada firmeza dos irmãos muçulmanos – que continuam a protestar nas ruas, a despeito dos massacres diários (o número de mortos dentre eles ascende a mais de seiscentos) – esse dado, que não terá sido computado por el-Sisi, pode constituir fator que venha a representar uma enorme pedra no caminho das ambições castrenses.
          Os aliados liberais do golpe poderão seguir o exemplo do ex-chefe da AIEA, El-Baradej, que renunciou prontamente ao posto secundário que lhe fora destinado (diante do veto salafista a que encabeçasse o gabinete interino).
          O potencial isolamento do Exército – se de algo servem as censuras dos Estados Unidos (que ainda evitam, por considerações táticas, de dar  nome apropriado ao movimento do general el-Sisi) e da União Europeia – não excluirá um possível repensamento do comandante das forças armadas.
           Por enquanto, a Irmandade parte para as manifestações – por letais que sejam as suas consequências – mas institui um virtual toque de recolher, ao recomendar a seus membros que as evitem durante a noite.
           Ainda não há qualquer indício de parte do alto comando militar de uma negociação para valer. Por sua vez, a Fraternidade ainda não empolgou a chamada ‘saída argelina’, que precipitou naquele país magrebino um longo período revolucionário (com muito terrorismo, inúmeros estrangeiros e argelinos sacrificados, para findar como começara, com o exército mantendo o controle do país).
            Dada a sua longa permanência na clandestinidade, os Irmãos Muçulmanos têm sobejo conhecimento das implicações envolvidas, dos sacrifícios e das perspectivas de resistência armada contra a instituição que mantém a suserania do país desde a queda e abdicação do Rei Faruk, a 26 de julho de l952.

 

( Fontes:  International Herald Tribune;  Folha de S. Paulo )   



[1] O hotel particulier não deve ser confundido com hotel, na acepção da língua portuguesa. A palavra em francês designa uma morada que não costuma ser modesta.

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