quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Obama: Discurso do Estado da União

                            

        Se alguém ainda tivesse dúvidas sobre o reenergizado Barack Obama, após a vitória nos comícios de seis de novembro p.p., a assistência de seu discurso sobre o Estado da União de terça-feira, doze de fevereiro decerto as dissiparia.
        Se a reunião na grande sala da Câmara de Deputados mostra ainda como anfitrião, ao lado do vice  Joe Biden, o Speaker John Boehner, e a permanência do domínio republicano sobre uma das Casas do Congresso –  consequência da tunda de 2010 e do redesenho de muitos distritos eleitorais, de modo a valorizar o sufrágio republicano -  2013 se inicia com a iniciativa política em mãos do Presidente, enquanto  o Grand Old Party se vè presa de conflito interno e da confusão consequente.
       A tônica do discurso a deu a ênfase no papel do Governo. Sob a premissa de que ‘redução do déficit’ – o mantra do GOP – ‘não é plano de Governo’, o presidente desenvolveu o argumento que a solução está não em ‘encolher o Estado’ mas adotar agenda ativista, posto que modesta, de lidar com a persistente desigualdade, e as forças da economia globalizada e tangida pela tecnologia.
      No entanto, a proposta reenergização estatal se desenvolveria em parâmetros atentos às limitações de quatro anos de déficits acima de um trilhão de dólares. Dessarte, a busca de apoio para propostas de inversões em educação, energia e obras públicas, a par do incentivo à construção de fábricas nos Estados Unidos acontece dentro do país e não no exterior.
     É um Estado redimensionado: “o que proponho não aumentará o déficit em um só centavo”.  Por isso, não haverá um outro ‘plano de estímulo’ (malgrado a enorme, posto que ainda mal reconhecida contribuição que tal plano deu para a economia sair da Grande Recessão), nem missão a Marte, nem plano ambicioso para pôr ordem após a crise no mercado residencial, provocada pelas hipotecas sub prime.  
      A sua menção da proposta de reforma imigratória colheu aplausos não só dos democratas, mas também dos republicanos, sublinhando a sua necessidade de atrelar-se ao presidente democrata neste ponto, eis que o GOP, goste ou não da companhia, carece de superar as condições que foram decisivas para a derrota de Mitt Romney.
       Tal caráter reflexo reponta na indicação republicana do jovem Senador Marco Rubio, da Florida, para responder, conforme a praxe estabelecida, à alocução presidencial. No entanto, a desunião na direita é traída por uma ‘segunda’ resposta, de Rand Paul, da corrente Tea Party, eivada do reacionarismo que constitui o atual traço marcante das hostes republicanas.
       A maior ousadia de um Chefe de Governo  que, politicamente, tem o seu horizonte demarcado pelos finais quatro anos do último mandato presidencial o levaria a uma redefinição do liberalismo. De acordo com Michael Tomasky, pensador liberal-progressista de vanguarda, “Na sua maneira algo incremental, penso que Obama está redefinindo o liberalismo e deslocando o centro da política americana com um viés de esquerda, que a distingue de sua posição desde o tempo de Ronald Reagan”. Esse presidente republicano – que dissera ser ‘o governo  o problema’  - influencia até hoje e muito o pensamento da direita.
       O maior arrojo de Obama se evidencia no recurso à legislação por decreto para tratar do desafio do aquecimento global, o que sinaliza diferença relevante no que respeita à anterior inação em termos de questões ambientais.
       Merece atenção a proposta de elevar o salário mínimo em cerca de 20%, dos atuais US$ 7.25 a hora para US$ 9.00.  A defasagem no pagamento dos operários  motivou o fato que dezenove estados já tenham mínimo acima do patamar federal. Essa medida contribuirá para corrigir tanto as disparidades existentes, quanto, em parte, a diferença negativa acumulada do operário americano em relação a outras ramos de atividade, e notadamente o de serviços.
        Por fim, o desafio de Obama inclui a adoção de medidas significativas em matéria de controle do armamentismo privado, que estaria no ethos americano desde a segunda emenda à Constituição. Resta determinar se a administração logrará providências efetivas no Congresso, malgrado a influência da NRA (National Rifle Association), que a despeito dos massacres tem até hoje, contra vento e maré, prevalecido através da intimidação das bancadas.
        Para que a reforma de Obama – decorrente da última matança de inocentes, em Newtown, em Connecticut -  vingue  e logre surtir efeito, ela carece de proibir a venda de armas semi-automáticas, além de determinar que o acesso às armas passe por requisitos rigorosos, para evitar-se a venda a desequilibrados ou pessoas com passado questionável, no que concerne à utilização de armas.
       Dado o enraizamento do hábito de ter armas em casas – em muitos casos, muitas armas – tal empresa tem sido repetidamente neutralizada até hoje. O que seria uma decisão óbvia e sensata, passa a ser acoimada como qualquer coisa de não-americano, e por conseguinte, suspeita. Se Obama conseguir reverter tal hábito – de que se locupletam a NRA e a indústria armamentista – terá marcado o próprio nome em mais um terreno tabu da sociedade de Tio Sam.

 

( Fonte:  International Herald Tribune )

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