terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O GOP tem medo do Povo ?

                                       

       O  Partido  Republicano,  o Grand Old Party,  sempre foi tradicionalmente o representante do conservadorismo. No passado, contudo, o partido de Lincoln não refletia apenas a direita, os brancos e protestantes, e as chamadas elites dominantes. Havia espaço em suas fileiras para os moderados, que chegaram a constituir corrente importante dentro da agremiação, com maior força na Nova Inglaterra, com líderes como Nelson Rockefeller e John Lindsay, que, se não empolgaram a presidência, exerceram no seu tempo bastante influência.
     O próprio Lindsay, ao conseguir reeleger-se prefeito em New York pela legenda do Partido Liberal, já mostraria a crescente resistência da militância republicana ao progressivismo dentro do GOP.  Com efeito, Lindsay perdera a nomination partidária na luta pela reeleição para um candidato mais do gosto conservador. E em 1971, ao mudar de partido – Lindsay deixou o GOP e registrou-se como democrata – de uma certa maneira, a corrente republicana moderada e progressista entraria em lenta decadência, com o avanço da direita conservadora.
      Naquela época o Partido Republicano teve de afastar a direita radical, como a John Birch Society. Por outro lado, com o divórcio do Sul profundo do Partido Democrata – por força da Presidência de Lyndon Johnson com os direitos civis e da política de integração para os afro-americanos – as maiorias sulistas, ligadas à antiga Confederação derrotada pelo Presidente Lincoln e o Norte, trocaram a aliança, ao se bandearem para o GOP.
      A corrente evangélica, ao identificar-se majoritariamente com os republicanos, completou, por assim dizer, o perfil militante, conservador, e estreitamente relacionado com os extratos demográficos da ur-América.
      Diante da avalanche de Barack Obama em 2008, a reação republicana, associada a plutocratas como os petroleiros irmãos Koch, assumiu características em que o obscurantismo (criacionismo, anti-ambientalismo, rejeição de minorias), se conjuga com obstinadas falsidades (o movimento dos ‘birthers’, que nega seja Obama um americano nato). Toda a intolerância e a raiva pequeno-burguesa correria nas veias do chamado Tea Party, que se reclamara do levante dos colonos no porto de Boston contra os desmandos tributários da Inglaterra imperial.
     Se os traços distintivos do atual GOP, que se identifica com a classe abastada e a alegada América profunda, o predispuseram para tentar absorver a facção do Tea Party, como uma ala na extrema direita da própria direita, o caráter oportunista e pequeno-burguês desse movimento o coloca, mutatis mutandis, dentre aqueles associados radicais da ultra-direita de que se servira através dos tempos o partido Republicano, para depois se ver constrangido a expeli-los  por somarem cada vez menos, transformando-se em autêntico contrapeso.  
      Dessarte, o descarado oportunismo do GOP, julgando poder instrumentalizar uma grosseira caricatura sua (no caso o Tea Party), se ainda persiste no cenário político americano, semelha claro que, após o êxito nas eleições intermediárias de 2010, com a sua onda de direita do shellacking (tunda), que castigou a inexperiência executiva de Obama[1], a reação democrática será longo processo, mas já bem encetado com a afirmativa vitória de seis de novembro de 2012, quando a profecia-mantra do líder da minoria no Senado, Mitch McConnell não se concretizou, com a reeleição do Presidente.
       O  Partido Republicano, no entanto, tem dado, diante do desafio de tentar empolgar o poder, uma resposta que se tende a dar-lhe rendimentos no curto prazo, deverá ser autodestrutiva em prazo médio.
        Muitos dos recursos eleitorais de que se vale o GOP são de legalidade questionável, além de trazerem dentro de si o germen da respectiva nulidade.
        Nas  últimas eleições, em estados com assembleias de maioria republicana, houve diversos expedientes tendentes a dificultar e/ou desencorajar o sufrágio de camadas demográficas identificadas com os democratas (afro-americanos, latinos, pobres). Dentre esses truques, está o requisito de apresentação de documento de identificação com foto, a complexidade intencional do processo de votação – com as longas filas que provoca e a cansativa demora ocasionada – como se viu na Flórida e no Ohio. Além disso, a campanha de Obama – sobretudo em estados swing (indefinidos)- manteve um plantão cívico para lidar com especiosas intervenções para negar a validade do voto das minorias não-favorecidas.  A estratégia do preconceito e da negação do temido sufrágio das camadas reprimidas, na verdade, não inova. Como no Sul da antiga Confederação, os supostos testes de conhecimento (literacy tests) que visavam denegar o voto aos negros.  Hoje o preconceito continua atuante, posto que com outras vestimentas. O objetivo precípuo, sem embargo, não muda: adulterar o processo eleitoral, ao dificultar seja por restrições ao voto antecipado, seja por incômodos e ulteriores obstáculos, o sufrágio das minorias que, por inúmeras razões, desejam que o respectivo direito seja respeitado, contribuindo para tornar a votação mais justa e abrangente.
      Os empecilhos acima-referidos, malgrado o seu caráter iniquo e malévolo, constituem, na verdade, a face relativamente light da estratégia do GOP, no que concerne aos respectivos esforços no campo aético de ganhar as eleições nos diversos níveis do governo estadunidense.         
       São muito mais preocupantes outras tendências e projetos do Partido Republicano, no terreno da subversão do resultado eleitoral. Se esses vetores são decerto ainda mais condenáveis, o grau há de variar entre aqueles que são ilegais, e outros que visam a deformar o resultado da eleição, ainda que respeitem pro-forma a legalidade.
       Quanto ao processo ilegal, a atual Câmara de Representantes tem representado para os observadores o que configura um falso enigma. A sua maioria republicana – ainda que emagrecida na última eleição – corresponde a um intenso processo de redesenhamento de circunscrições eleitorais, feito por assembleias estaduais de maioria do GOP.  Os distritos foram mudados de duas formas: aqueles urbanos, de maioria democrata, concentrados para que os representantes eleitos fossem em menor número; outros distritos, de bairros abastados, foram redistribuídos de modo a garantir as respectivas maiorias republicanas.
        Como prova de que os sufrágios, no âmbito estadual e distrital, não têm o mesmo peso, diferem os coeficientes da votação geral em cada estado e por distrito. O gerrymandering – ou seja os pesos diferentes do voto – fica patente no cotejo entre o valor do sufrágio em todo o Estado (v.g., nas eleições para presidente e governador) e naquele dos distritos eleitorais para cada deputado, em que o percentual do GOP é superior àquele do voto estadual.
        Não é fácil acabar com essa fraude eleitoral, mas se tornará ainda mais difícil o processo se a grande imprensa referir-se a essas estranhas maiorias na Casa de Representantes como consequências eventuais (ou até mesmo acidentais) de um mecanismo de redistritamento que não tenha um escopo precípuo. Não são nugatórias as consequências do gerrymandering. Dentro do anel rodoviário de Washington – o chamado beltway – não é de somenos a persistência do gridlock (o impasse institucional), que é alimentado pela Câmara de Representantes de maioria republicana.
         Por outro lado, dentro dos processos legais – mas de resultados duvidosos – se insere o novel truque do Grand Old Party de tentar resolver a sua menor votação no corpo eleitoral americano – o que se traduz, v.g., pela derrota de novembro do seu candidato Mitt Romney à  presidência – através de artificialismos e de truques o cômputo da votação nos Estados Unidos.
          Como se sabe, o voto é indireto na União Americana. Cada estado tem um certo número de votos (que correspondem a eleitores indiretos) e que refletem o seu volume demográfico. Assim, no cômputo final dessa votação indireta, terão mais peso os estados maiores como a California, o Texas e New York. Até o presente, e com a única exceção do Estado do Maine, o candidato que tiver a maioria no estado, leva todos os delegados desse Estado para a votação indireta no colégio eleitoral.
          Empenhados em resolver o problema de conquistar o poder, os republicanos voltam a recorrer a meios artificiosos e contábeis para tentar voltar à Casa Branca. Se não o conseguem pelos meios legais, o jeito será alterar tais meios, para que a vitória de seu candidato seja possível  (conquanto a legitimidade tenda a sofrer, eis que como se verá, crescerá a possibilidade de que o candidato eleito não seja aquele que haja colhido o maior número na totalidade do corpo eleitoral).
           A notícia ainda sai sem maior relevo, mas merece ser considerada com muita atenção, porque as intenções dos republicanos não são das melhores.
           Assim, o presidente do Senado da Pennsilvania, Dominic Pelaggi, introduziu formalmente projeto de lei para que os votos eleitorais sejam distribuídos proporcionalmente. A vitória de um candidato a presidente no colégio da Pennsilvania não irá assegurar-lhe a totalidade dos sufrágios do estado – que, assim, deixa de ter relevância com estado determinante na eleição – mas que garante que os votos sejam parcelados por distrito eleitoral.  No entender dos especialistas, esse truque contábil ajudaria que o candidato do GOP tivesse mais votos no cômputo fragmentado. Esse expediente – que segundo a Constituição e se a Corte Suprema estiver concorde é da estrita competência estadual – embaralharia as perspectivas futuras e tornaria menos difícil o triunfo do GOP.
             Se confirmado esse tétrico cenário – e se imitado por outros estados com maiorias de representantes do Partido Republicano  - as eleições presidenciais dependeriam de uma estranha contabilidade. Como é gritante o projeto de fraudar legalmente as eleições, o seu próprio êxito tenderia a inviabilizá-lo, com o ulterior recurso à eleição universal, não mais determinada pela votação indireta dos Estados. 
            Entretanto, o processo de emenda constitucional nos Estados Unidos – o que é uma de suas qualidades – não tem a facilidade que caracteriza as reformas no Brasil. Levaria bastante tempo – até mesmo décadas – para afastar de cena essa prospectiva deturpação de um procedimento que tem garantido resultados democráticos até a data presente, quiçá com uma única exceção, em que na prática o grande eleitor do Presidente dos Estados Unidos tenha sido a Suprema Corte.
 

( Fontes subsidiárias:  International Herald Tribune,  TPMDC )



[1] O livro de Ron Suskind, Homens de Confiança (Confidence Men) retrata muito bem tal período, em que a inexperiência executiva de Obama fez perder ao Partido Democrata a Casa de Representantes.

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