domingo, 24 de fevereiro de 2013

Colcha de Retalhos A.8

                                           

Eleição italiana

          Estará datada a máxima do político mineiro Magalhães Pinto, que dizia “eleição e mineração só depois da apuração”? Apesar do indubitável progresso das predições dos institutos de pesquisa, as urnas ainda reservam alguns mistérios.
          No entanto, o espaço para as eventuais surpresas, nos países mais adiantados, se não desaparece, encolheu bastante. A boca de urna costuma delinear um quadro assaz aproximado da realidade do sentir popular.
          Berlusconi, esse antifenômeno itálico, terá sido esvaziado demasiado depressa, para alguém que dominara a política por décadas. O seu segredo talvez esteja em refletir muitos traços do ethos nacional, a começar pela ojeriza do cidadão comum em pagar impostos. A par disso, as suas estroinices e problemas com os juízes terão afastado partidários, mas persiste a sua capacidade de imantar a direita (somada aos assumidos neofascistas e até mesmo a separatistas do Norte).
         Bersani, da liga das esquerdas,com certa liderança nos sufrágios, tem de responder pela inépcia de antigos chefes da respectiva coligação, que, ou perderam a ocasião de neutralizar a Berlusconi, ou encabeçaram frágeis maiorias, que os expunham às chantagens da extrema esquerda ou às traições sistêmicas de ‘aliados’ pouco confiáveis.  
         Monti, dentro da ótica de uma administração técnica, logrou cumprir a respectiva tarefa. O seu problema está em que o seu apoliticismo é faca de dois gumes, por haver desperdiçado muitas oportunidades de faturar sobre uma popularidade arduamente conquistada. As reviravoltas confundem o eleitor, e contribuem para enfraquecer o tecnocrata. A sua esperança é acessória, na medida em que estaria mais em compor  contingente com suficiencia para ajudar a formar uma maioria.
         Beppo Grillo é o voto de protesto que, de uma forma ou outra, costuma aparecer nas eleições italianas. Desta feita, dá a impressão de haver crescido bastante. De qualquer forma, ao tirar sufrágios de Berlusconi, Beppo Grillo pode estar dando um aporte substancial, seja para inviabilizar a formação das sólitas maiorias do comendador, seja para facilitar a aglutinação de uma coalizão das esquerdas responsáveis.
 

 
De volta a república sindical ?

           O Governo Dilma Rousseff parecia imbuído da resolução de quebrar o gargalo do poder sindical nos portos brasileiros através da MP 595, que tramita no Congresso, para tornar menos paquidérmico o atual modelo portuário. Abrindo licitações para esse setor, e o libertando dos altos custos do modelo estatal sob controle sindical, a iniciativa assustou os portuários.
           A proclamada greve dos portuários – liderados pela CUT e a Força Sindical – a despeito de ilegal (pela decisão do Tribunal Superior do Trabalho), levou a suspensão do trabalho por uma manhã inteira, até que o governo petista cedesse, aceitando rever vários pontos da aludida medida provisória.
          Assim, o ministro Leônidas Cristino (da Secretaria dos Portos) declarou: “a gente tem que ter humildade de dizer que precisa conversar, abrir o  leque de negociação para que tenha um consenso”.
           Com esse tipo de postura, e a linguagem de Paulinho da Força Sindical, as perspectivas de que a dita reforma venha natimorta, são fortes. Assim, para os sindicalistas o OGMO (órgão gestor da mão de obra) concentrará todas as contratações, tanto para portos públicos, quanto privados. Considerado inegociável pelo referido Paulinho, esse Ogmo inova às avessas, eis que torna público o que deveria ser privado.
          Se Dilma ceder no capítulo, a escrita na parede para o poder sindical – com a sua defesa de vantagens corporativas em detrimento do interesse nacional – ficará bastante clara. A MP  595 já era, e tudo fica como dantes no quartel de Abrantes.

 
 A perseguição judicial dos mortos na Rússia

 
           Na semana passada, Sergei L. Magnitsky receberia notificação judicial de que o Estado russo está abrindo procedimento fiscal a respeito de alegadas evasões fiscais por ele praticadas.
           Não se pode dizer que a ordem instaurada pelo Presidente Vladimir V. Putin esteja inovando, porque nessa prática foram useiras e vezeiras as antigas tiranias, mas de todo modo ela provoca alguma espécie pela circunstância de que o réu Magnitsky faleceu em 2009.
           Acresce notar que Sergei Magnitsky foi uma vítima das cadeias russas, no que teve predecessores ilustres, como Fiodor Dostoievsky, que escreveu  Recordações da Casa dos Mortos, referentes aos anos em que esteve detido pelo Estado tzarista na Sibéria.
           Dostoievsky, no entanto, teve mais sorte do que Magnitsky. Se o regime era tão brutal quanto, ele pelo menos sobreviveu ao cativeiro e presenteou a Humanidade com mais obras literárias. Magnitsky, por sua vez, teve a morte apressada pela falta de qualquer atendimento médico digno desse nome.
           No ano passado, a administração Obama proibiu a entrada nos Estados Unidos de todas as pessoas acusadas de envolvimento no assassínio (por denegação de assistência médica) de Sergei Magnitsky,  ou de participação em abusos aos direitos humanos.
          Por estranha reforma no direito penal da Federação Russa, agora nem os mortos estão livres da perseguição da Justiça.  Os parentes da vítima do serviço carcerário russo procuraram bloquear esse simulacro de ação judicial, por ser inumano e politicamente motivado. 
           Para evitar que Magnitsky fique sem defesa – ou melhor, que o caso em tela não seja acoimado de nulo pela falta de contraditório, a corte Tverskoi designou um defensor público para ‘defender’ o falecido sr. Magnitsky.  
           Tudo nisso é pro-forma, excluído o ridículo e a sufocante extensão do poder – agora até sobre os mortos – do Presidente Vladimir Putin.                      

 
Na China, o passaporte é uma arma

          Os chineses, sobretudo os da etnia Han, não costumam ter problemas na obtenção de passaporte. Como noticia o New York Times, em 2012, as estatísticas registram 83 milhões de viagens para o exterior, 20% mais do que em 2011, e cinco vezes mais do que na década precedente.
          Ótimo, não é ?  A segunda potência econômica do planeta não mais dificultaria os deslocamentos de seus cidadãos ?  Pelos dados recolhidos na reportagem, a resposta pode ser um otimista sim, desde que acompanhado de reservas assaz manifestas para serem caladas.
          O chinês pode viajar, desde que não integre alguma das minorias que compõem a República Popular da China, sob a esmagadora maioria da etnia Han. Se o interessado em deslocar-se para o exterior for tibetano, uighur, mongol, ou porventura outra minoria submersa no mar Han, ou então mantiver opiniões pouco consentâneas com o PCC, as coisas tenderão a complicar-se.
          Em outras palavras, as possibilidades de que venha a obter o  mágico documento que lhe permitiria viajar para o exterior tendem a aproximar-se das práticas vigentes por países como Cuba, que se não tem a importância do gigante de Beijing, sóem no entanto aplicar regras ainda mais estritas no que concerne aos supostos direitos de seus cidadãos de valer-se de uma prerrogativa tão comum nas democracias.
          Não é consolo, mas vige a igualdade na falta de direitos também para os chineses que, vivendo no exterior, hajam por algum insondável motivo caído na lista negra da burocracia chinesa de segurança. Assim, um chinês que viva no estrangeiro e deseje visitar parentes ou amigos no Império do Meio, se estiver no longo elenco dos indesejáveis, a sua viagem para um aeroporto chinês (até mesmo em Hongkong) conduzira inexoravelmente a um outro avião que o devolva para onde veio.
         Como se vê, o passaporte não é um anódimo instrumento turístico-burocrático para o funcionário chinês encarregado do guichê dos viajantes. Para ele, esse documento de viagem é uma arma da RPC para o controle das minorias e dos dissidentes (aqueles que algum dia expressaram alguma opinião não estereotipada e inconforme com os padrões do PCC) !

 

( Fontes:  O Globo,  International Herald Tribune )

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