sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Receita de Desastre

A cena pode ser de monotonia exasperante, dessas de imitador atual de filmes de Antonioni. No discurso, um quadro róseo, promissor; na práxis, as imagens de um suposto passado, que continua demasiado presente.
Não é à toa que já no tempo do Império, no século XIX, se cunhara a expressão ‘para inglês ver’, que era a homenagem da hipocrisia de então à potência hegemônica da época.
Se escutarmos o que dizem o Presidente Lula e a sua pretensa herdeira Dilma Rousseff, o horizonte se desanuvia, se preserva a floresta, e a nossa constrangedora contribuição para o efeito estufa é enfim controlada. São promessas, é verdade, e nós que nos acreditamos o grande país do amanhã, teremos decerto fundados títulos para discorrer acerca do futuro.
Pois pelo visto e dado o enfoque privilegiado por nossas autoridades, tais anúncios, feitos com endereço certo, possuirão um duplo benefício: alem de afastar as molestas impressões causadas pelo hodierno desmatamento e pelo incremento das emissões de gás carbônico, ocupam largas, generosas manchetes com as projetadas realidades do amanhã.
Que importam, dirão, se tais supostas realidades sejam em verdade fantasias do Barão de Munchhausen ? São, no fundo, escapismos, ditos às vezes até com sinceridade –pois quem as diz pode inclusive pensar que lá no futuro as coisas de algum modo se resolverão - mas que, se pesadas com seriedade, apenas traduzem soluções para embaraços do presente.
É outro triste vezo nacional: jogar para a frente, com bombásticas garantias, as ameaças que já se delineiam e não mais em longínquos horizontes para quem alie o bom entendimento à boa fé.
Entre os desastres anunciados, repetem-se as más notícias com melancólica regularidade. Assim, é a vez da ONG Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) informar que voltou a crescer a devastação na Amazônia: 194 km2 foram destruídos, com aumento de 90% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os campeões do desmate foram: Pará (45%), Mato Grosso (22%) e Rondônia (13%).
Segundo o pesquisador Adalberto Veríssimo, esse ‘crescimento’ da destruição se deve ao reaquecimento da economia e à proximidade do ano eleitoral.
Cabe apenas a pergunta, que é, infelizmente, retórica. Por que o governo federal, que dispõe do Ibama e da rede do Inpe em termos de cobertura de satélites, não fiscaliza e não passa das vãs palavras a ações concretas no combate a essas táticas boçais e retrógradas das queimadas e das derrubadas ?
No plano da matriz energética, a aprendiz de ambientalista – guindada à chefia da delegação em Copenhague – como explicará naquele foro o conjuntural embaraço de que o Brasil estará simultaneamente realizando ao ensejo da dita Conferência leilão de energia para 2015, em que devem sair vencedoras – consoante refere a coluna de Míriam Leitão – três usinas a carvão importado, três usinas a carvão nacional e uma a gás natural liquefeito ?
Pois a escolha do Brasil – e nisso o atual governo não se distingue do tucano de FHC - não poderia ter sido mais inadequada, epimeteica e, porque não dizer, burra. O setor de Minas e Energia, sob a direção de Dilma Rousseff, agiu como se as soluções do passado continuassem válidas. A opção por matrizes sujas e não-renováveis evidencia uma grande miopia que não é só ecológica, mas que tem muito a ver com a atualização de novas matrizes energéticas. Dessarte, em termos de energia nova, o governo Lula concentrou 63% em termelétricas e 37% em hidrelétricas. As energias eólica e solar, modalidades de ponta da nova tecnologia, pecam pela ausência.
A mesmice também se reflete na preferência das fontes térmicas: óleo combustível, 45%, gás natural, 28%, carvão mineral 17%, óleo diesel 5%.
Como se verifica, por conseguinte, nas duas faces do ambientalismo – seja no eventual combate aos desmatadores, seja na construção de matriz energética limpa – assistimos à idêntica falta de capacidade de enfrentar este magno desafio.
Nas matrizes sujas, o governo calca o exemplo do passado. No outro front, entrementes, permite, impassível, entre a conivência e a desídia, que a coalizão de desmatadores e multinacionais continuem na destruição da última grande floresta tropical remanescente no mundo.

( Fonte: O Globo )

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