domingo, 22 de novembro de 2009

Continua a Censura

Enquanto se aguarda que o Ministro Cezar Peluso conheça do recurso de reclamação do Estado de São Paulo e conceda a solicitada liminar suspendendo a censura judicial àquele jornal no que tange às reportagens investigativas da Operação Boi Barrica da Polícia Federal contra Fernando Sarney, esta forma de censura continua a manifestar-se também no interior do país.
Como se verá do relato abaixo, qualquer magistrado com um mínimo de responsabilidade democrática há de forçosamente convir que o momento está mais do que maduro para a formulação pelo Supremo Tribunal Federal de súmula vinculante para varrer os incontáveis abusos de autoridade, e a consequente imposição de ilegais e inconstitucionais mordaças contra jornalistas e meios de comunicação, a pedido as mais das vezes dos chamados fichas-sujas, isto é, políticos que são objeto de uma ou mais ações judiciais por danos contra o Erário público e outros crimes.

No Mato Grosso.

No dia dez de novembro corrente o juiz Pedro Sakamoto, da 13ª Vara Cível, atendeu a pedido de liminar do deputado José Geraldo Riva (PP), presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, que se disse vítima de dano moral. O juiz Sakamoto proibiu os blogueiros Adriana Vandoni e Enock Cavalcanti, responsáveis pelos blogs Prosa e Política, e Página do E, de “emitir opiniões pessoais pelas quais atribuuam (ao deputado) a prática de crime sem que haja decisão judicial com trânsito em julgado que confirme a acusação.” O juiz Sakamoto também determinou que os dois textos sobre o deputado sejam retirados do blog Página do E.
Assinale-se que o Deputado Riva é alvo de 92 ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, nas quais é acusado de desviar cerca de R$450 milhões da Assembleia.
Não param aí as decisões do juiz Sakamoto, de proteção à suposta vítima de damos morais deputado Riva. O aludido juiz proibiu a Ademar Adams, diretor da Moral, que se manifeste sobre alegados atos de corrupção que envolvem o presidente da Assembleia. Atingidos igualmente pela mordaça judicial o jornalista Antonio Cavalcanti e o advogado Vilson Neri, integrantes do Movimento de Combate contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).
Adams pretende divulgar na semana entrante carta aberta ao juiz Sakamoto, na qual afirma que o Estado não pode interferir na opinião de um jornalista. Segundo afiança, o deputado Riva o processou para atingir a ONG de que se faz parte – o MCCE, um dos promotores da campanha Ficha Limpa, que, como se sabe, pretende impedir políticos processados por corrupção de participar das eleições.
Por outro lado, os dois blogueiros acima citados – Adriana Vandoni e Enock Cavalcanti – vão recorrer também nesta semana ao Tribunal de Justiça do Estado, com o intúito de derrubar a censura imposta no passado dia dez pelo juíz Pedro Sakamoto.

E no Amapá.

Foi aprovada, a dezenove de novembro, por jornalistas e blogueiros, ao ensejo de Conferência Estadual de Comunicação, moção de repúdio contra o Presidente do Senado, José Sarney, a quem increpam de cercear a liberdade de expressão ao mover mais de cem ações durante a campanha eleitoral de 2006. Dentre os atingidos pelas ditas ações, está a jornalista Alcinéia Cavalcanti, que deve mais de R$2 milhões em multas contra o blog que mantinha, aplicadas pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Alcinéia teve que tirar o blog do ar, por que não tem a menor condição de pagar tal valor de multa, consoante declarou (ela responde a vinte processos).
Por sua vez, o jornalista Antonio Correa Neto – que responde a dezessete processos – declara que parou de contar quanto devia depois de passar de R$ l milhão. “O que mais me surpreende”, segundo assevera, “é que ninguém pediu direito de resposta, simplesmente a multa foi aplicada.”
Apesar de useiro e vezeiro de recorrer a processos contra jornalistas de oposição,com claros propósitos de intimidação, segundo o que afirma Chico Mendonça, seu assessor de imprensa, “as ações não foram patrocinadas pelo senador, mas pelo advogado da coligação que o elegeu, Fernando Aquino”. Infelizmento o dr. Aquino não estava disponível para fornecer maiores esclarecimentos...

Entrementes, no gabinete do Deputado Michel Temer...

Como o projeto de lei de iniciativa popular que veta a candidatura dos políticos com condenação na Justiça – entregue há quase dois meses, de forma pública, por comissão do MCCE (Movimento de Combate contra a Corrupção Eleitoral) ao próprio Presidente da Câmara –
continua a dormir em alguma envergonhada gaveta da Câmara baixa, o Deputado Michel Temer recebeu membros do referido MCCE – com o Secretário-Geral da CNBB, Dom Dimas Lara, à frente.
O MCCE está preocupado com a paralísia na tramitação da proposta (com um milhão e trezentas mil firmas). Por causa disso, acreditam que há desconhecimento acerca do teor do projeto, e daí a resistência de parte de deputados.
Como é seu feitio, o deputado Michel Temer – que, ao ensejo da entrega da proposta não se furtara a indicar pontos em que entrevia ‘dificuldades’ – recebeu com sorrisos obsequiosos a D. Dimas, da CNBB, e seus acompanhantes. Ponderou, a respeito, ‘o acúmulo da pauta da Câmara’ e aduziu que ‘irá conversar com os líderes’.
As resistências contra o projeto se explicam mui facilmente a partir do grande número de deputados (e senadores) que são objeto justamente de ações judiciais. Ora, o projeto de iniciativa popular propõe que não se conceda registro de candidatura a políticos que tenham sido condenados em primeira instância, por crimes graves, v.g., contra a vida e a administração e patrimônio públicos.
A má-vontade de todos os partidos é um espelho às avessas da diferença nos critérios de priorização ética entre a sociedade civil e os seus mandatários. Diante das declarações evasivas e até mesmo negativas de Suas Excelências, cresce, por entre os modos melífluos e atenciosos do Presidente Temer, a certeza de que será indispensável campanha de informação junto à opinião pública muito mais enfática e politicamente empenhada, de parte do MCCE (e de órgãos de comunicação).
A resistência corporativa do Congresso só será vencida se ficar claro o preço político que deputados e senadores eventualmente pagarão de uma sociedade revoltada com os indizíveis parâmetros morais e éticos que alardeia, na sua empáfia alienada, a grande, esmagadora maioria ora presente na Câmara e Senado Federal.

( Fontes: O Estado de São Paulo e O Globo )

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