quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Lula e a decisão do caso Battisti

Mais do que a imagem do Brasil como país soberano, na decisão do destino de Cesare Battisti está em jogo qual é efetivamente a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu governo no concerto das Nações.
A soberania brasileira não é conceito para frases retóricas, nem, como certos remédios nas farmácias, instrumento que deva ser usado em pouquíssimas vezes. Em outras palavras, a soberania é característica inerente à nação brasileira, e carece de ser defendida e salvaguardada sempre que necessário, levados em conta unicamente os nossos interesses. Soberania, se é conceito relacional – pois só se explicita em mundo plural - apenas admite limitações autoimpostas e de validade geral (v.g., a exterritorialidade das missões diplomáticas), mas como projeção será sempre una, não admitindo variações segundo as eventuais contrapartes. Como outros atributos e características essenciais, não admite mutações oportunistas consoante situações eventuais: um país ou é soberano, ou não é.
Está em baila o que será feito da sorte de Cesare Battisti, que no passado participou das Brigadas Vermelhas e que, julgado in absentia foi condenado como criminoso comum, por suposta participação em quatro homicídios. Refugiou-se de início na França, nos albores do primeiro setenato do Presidente François Mitterrand. Ali permaneceu em sossego, sem que o Presidente francês fosse acoimado de responsabilidade de homiziar perigoso terrorista, reclamado pelos tribunais e prisões italianas. Nem uma só palavra.
A dúplice razão semelha símples. Mitterrand tinha o costume – que se liga à tradição francesa – de conceder abrigo aos perseguidos por questões políticas, e por isso não daria tento às increpações de que se serve a direita para prejulgar e justificar as próprias exigências (e.g., criminoso comum, terrorista, etc.).
Após passagem pelo México e o retorno à França, já no final do segundo setenato de Mitterrand, Cesare Battisti decide tentar a sorte no Brasil, devido aos novos ventos na França, na presidência de Jacques Chirac.
No Brasil, depois da detenção de Battisti e a posterior concessão pelo Ministro Tarso Genro, do status de refugiado, arguiu-se no Supremo a decisão do Ministro da Justiça. A Itália de Sílvio Berlusconi manifestara o próprio desagrado com a negativa da extradição de forma acintosa e desrespeitosa ao Brasil. Até o Presidente da República Giorgio Napolitano, que é de esquerda, não se pejou de expressar o respectivo assombro (stupore) com a decisão brasileira. Tratou, outrossim, de frisar o seu desapreço ao destinatário, divulgando o teor da carta antes que o Presidente Lula pudesse dela tomar ciência. A extradição de Battisti virou traço de união da direita que apoia a Berlusconi; as maneiras de exprimir tal opinião amiúde deixaram de revestir respeito pela soberania do Brasil. Sería como se fôssemos apodados de nação pouco séria, um país de là-bas[1].
Nesse contexto, há de ter provocado espécie que a Itália se tenha constituído parte no julgamento pelo Supremo do caso Battisti. Ontem, após duas sessões, o STF emitiu a sua sentença.Cinco juízes (Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Ayres Britto, Cesare Peluso (relator) e, por último, Gilmar Mendes) votaram pela extradição; quatro juízes (Eros Grau, Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa), pela permanência de Battisti no Brasil.
Estava, igualmente, em baila, se a decisão do Supremo era determinativa, (i.e., obrigatória) ou opcional (i.e., deixava ao Presidente da República o alvitre de decidir por extradição ou permanência). A despeito dos esforços do ministro Gilmar Mendes, aos quatro juízes contrários à extradição agregou-se o ministro Ayres Britto, dando maioria à posição de deixar ao arbítrio presidencial a decisão de extraditar ou não Cesare Battisti.
Já se especula na imprensa que o presidente Lula determinou à Advocacia-Geral da União que encontre apoio jurídico para a permanência de Battisti no Brasil, o que viria ao encontro da posição manifestada pelo Ministro Tarso Genro. Pelo que consta, Lula estaria cheio de dedos e preocupações em não mortificar o governo italiano, a ponto de pairar como possibilidade real a eventualidade de que, se não encontrada nova fundamentação jurídica a favor do refugiado italiano,este seja extraditado para a Itália, a fim de lá cumprir pena de prisão perpétua.
Que em seu arroubo legalista, Lula não se faça ilusões. Se a peça a sofrer as eventuais consequências de sua decisão seja aparentemente Cesare Battisti, na verdade é a respectiva pessoa e grandeza como Primeiro Magistrado da Nação Brasileira que está em jogo. Ou mostrará que é homem coerente com as próprias ideias e estatura no concerto internacional, ou a montanha há de parir um rato solícito e subserviente, evidenciando pobre concepção da soberania nacional, no pressuroso zelo de atender às pretensões deste fanfarrão da cena mundial, o Presidente do Conselho Silvio Berlusconi.
[1] expressão de menosprezo, antes reservada às longínquas colônias.

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