domingo, 15 de novembro de 2009

Obama e o Estado de Segurança Nacional

A eleição de Barack Obama em 2008, que motivou participação tão grande do eleitorado americano, correspondeu a movimento popular caracterizado pela renovação das práticas vigentes. No difuso mandato colhido pelo Senador por Illinois havia mais do que simples reação contra o seu antecessor George Walter Bush, a guerra do Iraque, e a política de segurança representada por Bush, o vice Dick Cheney e todo o grupo dos neo-conservadores. Havia igualmente um voto contra o que Washington e o seu estamento representam.
Perpassava o sufrágio em favor de Obama – e a vasta coalizão de que se originou – ampla, larga vontade em prol da mudança. Se ventos liberalizantes e anti-Bush prevaleciam, a multiplicidade dos segmentos participantes nessa vasta corrente trazia sincero mas pouco articulado desígnio, que nascia mais da insatisfação com o statu quo, do que agregava diretivas específicas. Em verdade, dadas as dimensões da aliança formada na terça-feira, 4 de novembro, não semelha factível se exigir mais da motivação da maioria que então sufragou o candidato democrata.
Barack Obama, na tradição de Abraham Lincoln, tem grande apreço pela palavra. A exemplo de Bill Clinton na Convenção de 1988[1], foi através de discurso na Convenção democrata de 2004, que o até então inconspícuo político se lançou no cenário nacional.
O seu discurso de posse, na escadaria do Capitólio, ouvido no Mall por multidão de dois milhões, soube resumir, em frases lapidares, o querer mudar da ampla maioria que o apoiava. A sua mensagem repercutiu em vários continentes, com os seus propósitos de diálogo e de abertura, de retomada de entendimentos, de luta pela justiça e de empresa contra a corrupção.
Ouvidos atentos e abertos saudaram com entusiasmo e esperança tanto na alocução da posse, quanto no celebrado discurso do Cairo, quando se dirigiu ao público árabe e muçulmano. Não há desmerecer valor e peso dessas orações, que se pautaram por soar e tocar em pontos e questões objeto de longa incompreensão e, mesmo, causa de fundas discordâncias.
Sem embargo, a palavra terá sempre a natureza da proclamação, de orador ou arauto. Pode preparar os ânimos e principiar a varrer expectativas e disposições contrárias. Por suas inerentes características de anúncio e da implícita promessa que carregam, o seu valor só tende a firmar-se e a confirmar-se se atos concretos, se políticas estruturadas a corroborarem e a concretizarem, transformando para os seus públicos a realidade anterior e respectiva práxis, que foram a origem seja de latente desconfiança, seja de efetivo antagonismo.
A matéria a ser analisada é bastante vasta. Garry Wills em artigo para The New York ReviewO Gigante Embaraçado’ intenta resumir a agenda do candidato, com a sua promessa de mudança (change), e em que atos e situações ela deveria ocorrer.
Os atos ilegais precisam acabar: tortura, detenção indefinida, negativa de habeas corpus e de representação por advogados, cancelamento unilateral de tratados, desrespeito (defiance) do Congresso e da Constituição, anulação de leis por declarações assinadas. Tampouco devem ser exercidos os poderes arrogados pelo Presidente por meio da teoria do executivo unitário.E não devem ser confirmados juízes que estão dispostos a outorgar ao Presidente qualquer poder que reivindique.
No entanto, não se afigura fácil opor-se à força inercial desses poderes, muitos dos quais não foram criados pela Administração de Bush júnior. Desde a Segunda Guerra Mundial há uma contínua transferência de poderes para o Executivo. São sessenta e oito anos (1941-2009) de poderes emergenciais de guerra: o monopólio no uso do armamento nuclear, a rede mundial de bases militares para manter o alerta nuclear e a supremacia, as agências secretas de inteligência, todo o estado nacional de segurança, os sistemas de confidencialização (classification) e de acesso (clearance), a expansão do sigilo estatal, as restrições (withholding) de provas e informações,a emergência permanente que fundiu a Segunda Guerra Mundial na Guerra fria e a guerra fria na ‘guerra contra o terror’. Tudo isso compõe vasta e intrincada estrutura que não será de fácil desmantelamento.
Em artigo a ser elaborado a seguir, se intentará condensar as experiências na prática da nova Administração com esta realidade da evolução da superpotência estadunidense.
Também se tratará do perfil do 44º Presidente, como se está delineando no conhecido processo através de tentativas e erros (trial and error).
Em meio a um ambiente político onde não semelha mais haver espaço para o bipartidarismo de antanho, em que o Partido Republicano se enrijece em núcleo de direita conservadora e evangélica, e antiga ala moderada se afigura a caminho da extinção, qualquer intento presidencial de formar largas convergências baseadas no interesse nacional tendem a chocar-se contra núcleos e facções da ultra-direita, movidos por forças que trabalham mais com a emoção do que com a razão. Nas hostes do G.O.P. se verifica um processo de radicalização intenso, tanto nos meios de comunicação que as apoiam (v.g., a Fox), quantos nos novos líderes (v.g. Senador De Mint, da Carolina do Sul) e os condutores dos grupos de ‘Tea Party’, que recordam a ultra-direita da segunda metade do século XX, com a Birch Society e similares.
Em um cenário como este, em que a política parece vetor de confrontação e destruição do antigo adversário, hoje inimigo, se tornará sempre mais difícil uma política, como a de Obama, que privilegia o diálogo e o intento de composição.
[1] A Convenção designou a Michael Dukakis como candidato democrata.

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