quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A Terra da Fartura

Os italianos, que se assemelham aos brasileiros em tantos aspectos, tem uma expressão bastante vívida: terra della cuccagna. Segundo o dicionário Zingarelli, Cuccagna é um país de fábula, onde se encontra toda espécie de delícias.
Lendo hoje os jornais, creio que alguns de meus compatriotas acreditam – ou fingem acreditar, o que dá no mesmo – que vivem em uma terra onde tudo lhes é permitido.
Por exemplo, os senhores magistrados, no que é considerada vitória pessoal do atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, terão aumento de cerca de 9%, votado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Embora comemore, o Ministro Marco Aurélio Mello acha, no entanto, o valor baixo.
Que valor, por obséquio ? Agora os Ministros do STF ganham apenas R$24.500 e passarão a ganhar em fevereiro de 2010 (o incremento será em duas etapas) R$26.723,13 !
Não importa que a disposição constitucional que hierarquiza as remunerações no Governo – o salário do Presidente da República deveria ser o mais alto – continue a não ser respeitada. No entendimento da CCJ, a generosa União deve estipendiar bem os seus juízes. Assim, os Ministros dos Tribunais Superiores passarão a receber R$ 25. 386,97, os juízes dos tribunais regionais, R$24.117,62, os de primeira instância, R$ 22.911,73 e os substitutos, R$21.766,14.
Lá nas alturas de Brasília, a reivindicação não pára por aí. Para simbolizar o irrealismo e a desconexão com a realidade nacional, os senhores senadores julgam chegado o momento de pedir mais.
E a crise do Senado ? Ela pertence a todos os Pais da Pátria, ou é do seu Presidente, José Sarney ? Dentre eles há de reinar a impressão de que o pior já passou, todos foram perdoados, e os atos secretos – pelo menos alguns deles – acenam reingressar pela porta dos fundos.
Nada há mais ilustrativo da total alienação desse aglomerado de favorecidos que o primeiro a protestar seja o Senador Wellington Salgado (PMDB-MG). Este senhor ocupa uma cadeira da Câmara Alta não por vontade do eleitor – não recebeu um voto sequer – e sim pela suplência devida ao Ministro Hélio Costa.
E, nesse sentido, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) o apoiou vivamente, sugerindo a imediata equiparação salarial dos integrantes do Executivo, Legislativo e Judiciário.
O problema com a visão de Jucá é que, para corrigir um desacerto – a circunstância de um juiz ganhar mais do que o Presidente da República – vamos provocar um trem-de-alegria muito maior, com aumentos em cascata em todos os poderes.
Não ignoramos que o Governo Lula tem causado marcado incremento nos gastos correntes do orçamento. Tais aumentos são determinados não por necessidades gritantes e que estejam no interesse da Nação, como seria o reajuste para os professores, cuja pauperização não se reflete apenas sobre eles, mas também na qualidade do ensino.
Não, para a Administração Lula a terra da Cuccagna vale para os correligionários que passaram a engordar as folhas salariais do Governo Federal, em consonância com a inchação de ministérios – e das respectivas estruturas hierárquicas – sobrecarregando o orçamento com pouco flexiveis novos encargos. Os professores devem continuar a perceber remunerações que fariam sorrir a ascensorista do Congresso Nacional.
Haveria acaso esperança de que o Coordenador-Geral da Nação – quando regressar da presente viagem ao exterior – se disponha a conter o afã dos altos funcionários por gordos salários ? Nem pensar!... Tampouco pensará em controlar a onda de greves por aumentos salariais, que se repete a cada ano nos Correios e agora nos Bancos.
Às vezes, se tem a impressão de que toda essa farra de greves nos vem de um país que se notabilizou pela alta e prolongada inflação. Não importa que o real não se desvalorize a cada mês, como ocorria com os seus antepassados, o cruzado e o cruzeiro. Que, fora do tempo, se continue a reivindicar, e por que não começar logo pela greve ? Elas incomodam a coletividade que trabalha, mas que importância têm ?
Por mais de vinte anos, o Congresso se abstém de regulamentar a greve no serviço público, sobretudo no que concerne às atividades essenciais, mas que importância isso tem ?
Estamos no país da Cuccagna e o seu presidente há de dar o exemplo...

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