sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Lula e o julgamento de Cesare Battisti

Mais uma página está sendo escrita na crônica brasileira do tratamento dispensado a Cesare Battisti. Na quarta-feira, o Supremo iniciou a apreciação do caso em sessão que não vai decerto abrilhantar a história de nossa mais alta Corte de Justiça.
O Relator Ministro Cezar Peluso considerou Battisti criminoso comum e, destarte, dispôs do direito do réu a um eventual asilo. Seguindo nessa linha, afastou qualquer hipótese de que o inculpado possa ser perseguido, sendo a Itália de hoje república democrática, que respeita os direitos humanos. Para Peluso, os crimes de Battisti não foram motivados por ideologia política, mas por crueldade e vingança. A despeito de os supostos crimes terem sido praticados na década de setenta, afirmou que só prescreveriam em 2013. Ao cabo, como alegada prova de clemência, recomendou que ao invés da pena perpétua, a prisão de Battisti se estenda por apenas trinta anos.
Para completar o itálico ardor, Peluso aduziu que o Presidente Lula não tem poderes para se recusar a cumprir a determinação do STF.
Assertivas tão peremptórias hão de surpreender se antes prevalecia no colegiado o entendimento de que a questão a ser tratada era complexa, e até o presente havia jurisprudência no Supremo de não conhecer da atribuição do refúgio, reputada da alçada do Poder Executivo.
O Ministro Eros Grau discordou do relator. O viés que Cesare Peluso imprimira no julgamento irritou Grau a ponto de fazê-lo deixar o recinto, após manifestar que não há irregularidade na decisão do Ministro da Justiça (ao conceder o refúgio). Para Eros, o processo de extradição deveria ser arquivado e o italiano, libertado.
Por sua vez, Joaquim Barbosa foi mais além: a decisão do Executivo é soberana, e por isso não pode ser submetida ao STF: Concessão de refúgio é assunto político. A Ministra Carmen Lúcia concordou com esses votos.
Infelizmente, acompanharam o relator, favorecendo a extradição, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Brito e Ellen Gracie.
O Ministro Marco Aurélio Mello pediu vista do processo. Anteriormente, votara em favor da adoção do refúgio pelo Ministro Tarso Genro: Marco Aurélio considerou que o Ministro da Justiça estava exercendo a função de auxiliar do Presidente da República, o que é um ato político no bom sentido. Segundo indicou o Ministro Marco Aurélio, votará com aqueles contrários à extradição.
Não obstante, o resultado da votação deverá ser de 5x4 em favor da extradição, eis que o atual presidente do STF, Gilmar Mendes, já referiu que acompanhará o voto do relator.

Considerações.

O Ministro Tarso Genro, da Justiça, a respeito da votação em curso, afirmou: “ Se for declarada a inconstitucionalidade do artigo (33 do Estatuto dos Refugiados), fica extinto no Brasil o direito de refúgio, que é prerrogativa do Executivo. (...) Este artigo transforma o asilo em uma questão pertinente ao Executivo, com juízo político do Executivo. Tem questões que são do Judiciário, indevassáveis, e outras do Legislativo também. Cada poder tem suas prerrogativas e características.”
É interessante assinalar que o parecer do relator, Ministro Cezar Peluso, tem muitos aspectos inquietantes. Em um vezo próprio dos ambientes ditatoriais, rebaixa o réu a criminoso comum, não lhe reconhecendo qualquer motivação política. Assevera que no processo na Itália foram respeitados os direitos de Battisti. Terão sido mesmo ? O fato de haver sido julgado in absentia se choca com tal interpretação. Além disso, o Ministro Peluso carrega nas tintas : ao invés do móvel político, ele vê crueldade e vingança. Tampouco entrevê ambiente conducente à perseguição política do acusado...
Se na Itália de Berlusconi não há ambiente hostil a Cesare Battisti, não é o que parece com toda a pressão exercida sobre as autoridades brasileiras, que chegaram à descortesia do Presidente Giorgio Napoletano de divulgar o teor de sua carta ao Presidente Lula antes que este pudesse dela tomar conhecimento.
A decisão do Supremo – que se concretizará provavelmente em duas semanas – recoloca a questão na mesa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de tolerar as inaceitáveis interferências do fanfarrão Berlusconi como se o Brasil fosse uma Ruritânia qualquer, o Presidente não pode mais esconder-se atrás das togas do STF.
Ele não é mediador nem juiz de conciliação. Em outros tempos, o presidente Harry Truman tinha sobre a sua mesa no gabinete oval os seguintes dizeres: the buck stops here. A tradução livre seria: aqui se resolvem os problemas.
Como se verificou pelos diversos protestos e manifestações provocados pelo julgamento de Battisti – “Ele corre risco de vida,se for extraditado. Todo o processo dele foi manipulado. Querem levar o Cesare como um troféu num momento em que o Berlusconi está sem moral nenhuma” ( professora Célia Zanetti ) – há muita revolta pelo tratamento injusto e tão pouco brasileiro que lhe está sendo ministrado.
Lula terá a hombridade de enfrentar o desafio e conceder asilo a um perseguido político ? Agirá como o Presidente Mitterrand, que o acolheu na França – e a quem os políticos italianos nada ousaram tugir nem mugir – ou optará por diverso modelo, como v.g. o do seu antecessor, o General João Figueiredo, que aliás mandara prender o dirigente sindical Lula da Silva ?

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