Já foi oportunamente
lembrada alhures a posição do Tribunal Superior Eleitoral em momento importante
para a democracia brasileira. O regime militar reivindicava que o voto no
colégio eleitoral - que designaria o primeiro presidente civil desde a
derrubada de João Goulart em abril de 1964 – formado pelos parlamentares de
Senado e Câmara estivesse jungido pela fidelidade
partidária. Nessas condições, o sufrágio seria mera formalidade, porque o
Partido Democrático e Social (PDS)
dispunha de número suficiente para eleger, por votação indireta, o sucessor do
general João Figueiredo.
Para sua
honra, o TSE de então mostrou discernimento, ao abrir a votação para Presidente
da República. Se a transição, à
brasileira, se faria com o jeitinho do voto
indireto, não se agregariam mais penduricalhos a esta assembleia ad hoc. O sufrágio seria livre, sem
condicionamentos nem restrições com o velho ranço do regime discricionário. E por isso foi eleito Tancredo Neves. Se infelizmente não se empossou na Presidência, a decisão não foi nem verde-oliva, nem do TSE. Foi das Parcas. A instância competente se limitou a abrir o voto, sem impedimentos que o desvirtuariam.
Marina e a sua Rede de Sustentabilidade está sendo criticada na imprensa e fora dela por motivos acessórios, que pouco têm a ver com o que está em jogo.
É notório – e vergonhoso – o número de partidos reconhecidos na democracia brasileira. Se tal se deva em grande parte ao desvirtuamento provocado pela não-aceitação pelo Supremo de qualquer cláusula de exclusão de partido – sob o pretexto da abertura democrática incondicional da Constituição Cidadã – grita aos céus a legitimidade da Rede de Marina, diante do pálido cotejo com os dois outros partidos (Solidariedade e Pros) já aprovados pelo TSE.
Pergunto-me se o parecer do vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, será o prego faltante para o féretro da licença para a Rede, que continuaria “sem condições de ser atendido”.
Não computadas as assinaturas que foram rejeitadas sem justificação pelos cartórios eleitorais, a legenda de Marina entregou ‘apenas’ 442,5 mil assinaturas validadas pelos cartórios eleitorais.
No parecer, o procurador Aragão afirma ter “certo pesar” em recomendar a rejeição de uma legenda a princípio “marcada pela lisura”. Nesse contexto, frisa que o processo não contém qualquer indício de fraude, tendo sido procedimento, pelo que se constata dos autos, marcado pela lisura”. Não obstante e “ao contrário de outros recentemente apresentados a essa corte” (indireta menção à suspeita de fraude pelo Pros e o Solidariedade)...
A Rede difere da grande maioria das legendas de aluguel que caracterizam a maior parte dos 32 partidos. Os seus ‘companheiros’ Solidariedade (do Paulinho da Força) e o PROS podem ter a chancela do TSE, mas não têm votos. Enquanto este último já nasce governista e acolhe a família Gomes, o Solidariedade entra noutro esquema, que tampouco diz respeito a candidatos com apoio popular.
As críticas dirigidas à Rede pecam pela pobreza dos próprios argumentos. Em nenhum momento se preocupam com a essência do sufrágio e o que está realmente em jogo. São tão pequenos e mesmo mesquinhos, que não suportam um exame mais aprofundado.
O que eu espero deste julgamento do TSE sobre a postulação de Marina é que demonstre a mesma abertura e a mesma grandeza que os seus longínquos antecessores do TSE – então num período de lusco-fusco, em que se saía de uma ditadura de mais de vinte anos – demonstraram ao não se deixar iludir pelas lantejoulas armadas pelo PDS, abrindo as cancelas da democracia. Se evidenciarem similar grandeza na vindoura votação, Marina Silva não tem nada a temer.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
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