Será que a direção e a equipagem do navio Arctic Sunrise, da Greenpeace, empenhada em ação demonstrativa contra a Rússia, tinha plena consciência dos riscos políticos envolvidos ? A exploração petrolífera no Ártico – que atualmente é um dos cenários mais flagrantes dos múltiplos efeitos da elevação da temperatura média da Terra – representa ameaça ponderável para a frágil ecologia daquela região.
A truculenta reação russa – e não me reporto à tentativa de abordagem da plataforma de petróleo da companhia – mas sim à apreensão do navio, rebocado até o porto de Murmansk, com a tripulação detida e submetida a interrogatório. O comandante do navio é um americano, Peter Willcox, e estavam no ‘Arctic Sunrise’ cidadãos de dezessete outros países. A brasileira Ana Paula Maciel, bióloga de 31 anos, acha-se entre os prisioneiros. A sua foto, encerrada em uma espécie de jaula, ao ser procedido o rito de instrução judicial, recorda instantâneos similares, tomados pela imprensa, de três jovens russas do Pussy Riot, presas por terem realizado uma espécie de show – com duração de menos de um minuto - na catedral moscovita de Cristo Rei.
Hoje duas delas – Nadezhda Tolonnikova e Maria Alekhina - apodrecem em colônias penais, submetidas a condições de crua dureza que relembram os terríveis Gulags, que nos foram descritos por Aleksandr Solzhenitsyn, em diversos livros, a começar pela obra Um dia na vida de Ivan Denisovich, cuja publicação foi autorizada por Nikita Krushev.
As condições de detenção na Rússia não mudaram muito desde o século XIX, quando coube a Fiodor Dostoievski a dúbia distinção de ser mandado para uma casa dos mortos na Sibéria. No período comunista, se houve alterações, o foram para pior, como está o arquipélago prisional do camarada Stalin para demonstrar a todos aqueles que por diversos motivos (inclusive a paranoia do grande líder) foram para lá mandados a fim de serem despojados das remanescentes ilusões acerca do paraíso socialista.
O atual regime, presidido por Vladimir Putin, é violenta corruptocracia. Como mostrei em blog recente, valendo-me do testemunho de Masha Gessen, as chamadas colônias penais da Federação Russa podem ser ainda piores do que as cadeias brasileiras.
Pode ser que a circunstância de o apresado Arctic Sunrise reunir nacionais de dezessete países venha a convencer o arbitrário governo de gospodin Putin a encaminhar uma solução diplomática para a questão, dada a potencialidade de enorme desgaste para o Kremlin se resolver trancafiar os idealistas da Greenpeace nas masmorras russas, como se fossem terroristas da al-shabab. No entanto, Putin cinicamente comparou a imagem do ‘ataque’ de uma equipe da tripulação do barco da Greenpeace com o recente magnicídio terrorista ao mall de Nairobi, capital do Quênia, como se houvesse qualquer parâmetro de cotejo entre os dois atos.
Por isso, a diplomacia brasileira e a própria Presidente Dilma devem arregaçar as mangas, para criar condições para que a bióloga Ana Paula, caída nas malhas da justiça russa, de resto um dócil instrumento nas mãos do Presidente Putin, possa ser rapidamente liberada do inferno carcerário em que se encontra. Nesse sentido, para alguma coisa devem servir a tal propósito as reuniões do BRIC, por mais hiper-estrutural que se afigure o acrônimo.
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