sábado, 5 de outubro de 2013

A Fraqueza do Speaker Boehner

                               

         Pode ser jogo de cena, mas o Speaker republicano John Boehner (OH) pensa transformar a própria fraqueza política – em que é refém da facção ultradireitista do Tea Party – em posição de força!
         Boehner, um veterano político do velho GOP já assistiu a filmes parecidos, como no fechamento do governo forçado pelo então speaker Newt Gingrich (que tinha sido catapultado para a maioria pelo seu Contrato com a América). Foi há dezessete anos atrás, mas o atual presidente da Câmara tem invernos suficientes no lombo para recordar-se – e vividamente – de o que então ocorrera. Newt pensara pôr Bill Clinton, o presidente democrata, em situação de inferioridade, para extrair-lhe concessões.
         Não contou com a habilidade de 42º Presidente, que virou o jogo, mostrando incidentalmente a quem cabia a responsabilidade pelo shutdown do Estado. As consequências da estabanada iniciativa do Speaker Newt Gingrich foram, aliás, tão negativas, que, para reincidirem em outra loucura do gênero, os republicanos esperaram mais de três lustros.
        Boehner pode não ser um gênio político, mas, como outros personagens, possui experiência bastante para intuir que nada de bom tem a esperar dessa crise artificial, provocada pela irresponsabilidade da facção ultradireitista do Tea Party, que controla a maioria do GOP na Câmara de Representantes.
       Em dois blogs recentíssimos me ocupei da falta de representatividade da Câmara, que resultou da eleição intermediária de 2010 (a famigerada tunda aplicada no inexperiente Obama), e do consequente domínio – que, devido ao gerrymandering das circunscrições eleitorais, em estados com maioria republicana, permitiu a sobrevivência do mando na Câmara das forças da ultradireita.
       Essa contradição com a realidade política americana – como demonstra o importante artigo de Elizabeth Drew na New York Review – está na base de situação anômala, caracterizada pelo gridlock (paralisia) nas instituições legislativas, e pelo obsessivo maniqueísmo da Câmara. Não é à toa, de resto, que tais energúmenos tenham até aceitado o apodo de lemingues, como se a corrida suicida desses animaizinhos fosse exemplo a ser seguido.
       O Speaker teria meios para contornar as desastrosas consequências do fechamento da máquina pública, já em pleno vigor. Ao contrário de outros funcionários do Estado, os deputados (e senadores) continuam a ser pagos pelo Erário, o que coloca Boehner & Cia. em posição delicada – com que justificativa moral retiram o estipêndio dos demais empregados estatais, enquanto mantêm o seu ? Por outro lado, o discurso contra o Obamacare não convence, por se tratar de lei devidamente aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente. Com que justificativa ética a Câmara de Representantes torna todo o funcionamento estatal refém de uma exigência abstrusa – i.e., impedir a entrada em vigor efetivo da Lei para a Reforma Sanitária Custeável (ACA), que tem por escopo estender a proteção médica a mais de dez milhões de americanos, hoje despojados dessa assistência?
         Sem embargo, o Speaker Boehner, a despeito de sua alegada moderação política, na prática tem sido um joguete nas mãos da facção do Tea Party. Tal característica, de resto, justificaria a imagem referida pela imprensa de que o chefe da Câmara estaria sendo agitado pela cauda de sua bancada radical. Embora Boehner disponha de meios para contra-arrestar as maquinações ruinosas do Tea Party, ele não ousaria contrariá-las, porque tem muito apreço pela própria cadeira de Speaker e às suas prerrogativas.
        Dessarte, o que aconteceu há pouco faria parte do jogo de cena de um Speaker enfraquecido, que não ignora estar cortejando o desastre, e que busca ganhar tempo, conquanto deva saber que o relógio não corre exatamente a seu favor.
       Nesse sentido, Boehner deixou transpirar há pouco que estava determinado a não permitir que se verificasse um calote (default) na questão da elevação do teto da dívida fiscal (o Tesouro ficará sem meios para honrar compromissos por volta de meados deste mês de outubro). Na verdade, ao fechamento do Estado que - por não renovar o orçamento - o GOP já causou, se agregará ocorrência mais séria, consubstanciada na ulterior negativa republicana de autorizar a elevação do teto da dívida fiscal.
        O Presidente Obama havia advertido os líderes republicanos que, se não houvesse ação do Congresso na matéria, “todo o mundo[1] terá problemas”.  Alertado, o Speaker disse a colegas representantes, a portas fechadas, que estava determinado a impedir o calote pelos Estados Unidos. Para tanto, se dispunha a pôr em votação disposição legislativa suscetível de colher o apoio tanto da bancada democrata na Câmara, quanto dos republicanos moderados.
        Como biruta de aeroporto, o Speaker parece estar mais afeito aos ventos na assembleia a que preside. Por isso, a firmeza da véspera desaparece do visor no dia seguinte, quiçá por advertências da facção radical quanto às possíveis consequências pessoais de uma iniciativa do gênero.
        Não é decerto invejável a disjuntiva com que se defronta John A. Boehner. O experiente parlamentar está montado em maioria dissociada das grandes correntes do mundo político americano. Ou continua joguete dos radicais, e sofre inevitável desmoralização, ou se dispõe a contrariá-los, com o risco de perder o cargo.

 

(Fontes: O Globo, International Herald Tribune)



[1] Na frase de Obama, não subsiste dúvida de que o mundo a que se reporta abrange a todos os países (world), e não apenas à coletividade estadunidense.

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