A provável data-limite para o
calote artificial na dívida pública americana, segundo informações do Tesouro,
deve situar-se na quinta-feira, dezessete de outubro.
Para quem
ainda não esteja inteirado da mecânica dessa data, é o caso de resumir. Quando
o caixa da superpotência estiver zerada de créditos, eis que chegou ao limite
autorizado da dívida fiscal, o que antes implicaria em providência burocrática,
com a aprovação automática pelo Congresso da elevação do teto da dívida, agora
patina com a virtual paralisação política de Câmara e Senado. A causa original do litígio se deve à paralisia política (gridlock) da instância legislativa, motivada pela sua divisão entre democratas, com maioria no Senado, e republicanos, com o controle da Câmara de Representantes.
Dado o clima prevalente nas relações entre os dois partidos, o que nunca tinha sido opção em legislaturas do passado – porque prevalecia o entendimento de que o interesse pátrio sobrelevava às diferenças partidárias – com a interveniência de um ânimo belicoso e confrontacionista, sobretudo de parte do GOP (como se de outro lado do hemiciclo não estivessem adversários, mas sim inimigos) as saudáveis práticas do bipartidarismo se evaporaram junto com o virtual desaparecimento da ala ‘moderada’ no Partido Republicano.
Se desde a influência crescente das correntes evangélicas sobre o GOP esmaecera a consciência de que os deputados e senadores, acima das quizílias sectárias, deveriam ter presente o interesse nacional, esta atitude se tornou prática olvidada, com o surgimento da facção do Tea Party, com uma postura confrontacionista e mesmo maniqueísta de extrema direita americana.
Como referi em dois blogs recentes, fundados em artigo de Elizabeth Drew sobre a Câmara Baixa e a sua irrepresentatividade nacional, dado o seu viés de direita, alimentado sobretudo pelo velho artifício do gerrymander (o redesenho das circunscrições eleitorais de modo a favorecer um partido político, no caso o GOP, em função das condições favoráveis proporcionadas pela derrocada da eleição intermediária de 2010, por motivo da então incompetência política do novel Presidente Barack Obama).
Traduzindo em miúdos: como em muitos estados o desenho dos distritos eleitorais foi feito para assegurar a eleição de representantes do Partido Republicano, a maioria nacional que reelegeu Obama em 2012 não se refletiu na Câmara, em que o Partido Democrata, apesar de ganhar na maioria dos estados para Presidente (e Senador), pois as votações que nesse caso abrangem todo o colégio eleitoral estadual, para os distritos dos deputados, diante de sua peculiar conformação, se viu impossibilitado de derrubar a maioria dos deputados conservadores eleitos por essas circunscrições deformadas pelo gerrymander.
Por isso, o Partido Democrata, apesar da vitória de Obama e de sua maior votação em âmbito nacional, não logrou na Câmara de Representantes, senão um risível incremento, e por isso artificialmente perdurou a maioria republicana entre os deputados, maioria esta que não corresponde ao sentir da Nação.
Dessa maneira, o Partido Democrata tem maioria no Senado, mas na Câmara Nancy Pelosi continua a líder da minoria, enquanto o republicano John Boehner mantém a posição de Speaker.
A condição de Boehner, por outro lado, constitui mais um reflexo da distorção atual. Refém da facção radical do Tea Party, o Speaker teme pôr em votação a disposição legislativa necessária para autorizar a elevação do teto da dívida. Apesar de suas negaças, o deputado John Boehner preza sobremaneira a posição de Speaker (o terceiro personagem na hierarquia do Poder), e sabe que ficaria exposto a um levante da bancada de ultradireita se colocasse em pauta o que, por responsabilidade política, deveria fazê-lo.
Com efeito, cresce o número de republicanos que temem as consequências políticas de provocar magna crise financeira, a título de uma tentativa de extorsão política no que concerne à Administração Obama. Se somados à bancada democrata os representantes do GOP tradicional, excluídos os radicais do Tea Party, existe clara maioria de deputados com o bom senso de não provocar imprevisível crise internacional com o calote na dívida pública americana por conta de interesse politiqueiro.
Sem embargo – e aí é que se separam os que têm responsabilidade dos que não têm – Boehner teme por motivos pessoais (a eventual perda da situação de Speaker) o cumprimento de obrigação de político responsável, que coloca o interesse público acima do privado.
Sabedor desse flanco exposto, o Presidente Obama tem sido bastante explícito em colocar para o Povo americano o que está em jogo. Agregar ao fechamento dos órgãos públicos americanos (já deslanchado pela negação republicana de aprovar o Orçamento – o que não ocorria há dezessete anos, desde o Speaker Newt Gingrich na presidência de Bill Clinton), parece agora que o GOP continua na sua corrida dos lemingues, com a alegada intenção de provocar a bancarrota artificial do Tesouro.
Consumar isto seria o ápice do contra-senso. Há a esperança de que, ou o Speaker John Boehner se arme de coragem e faça o que deve, ou a carapaça do GOP desmorone, diante da certeza do castigo eleitoral superveniente, por motivo de suma irresponsabilidade. Em outras palavras, que o calote artificial seja evitado, e tudo continue como dantes – mais um teto fiscal elevado a duras penas, e sempre com a baixa altura que permita a repetição, em breve prazo, de ulterior chantagem.
(Fonte
subsidiária: CNN )
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