quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Revés de Berlusconi

                                      

        Embora setores da mídia tenham anunciado o último tropeço de Silvio Berlusconi como o fim do Cavaliere do protagonismo na política italiana,  sua história pregressa recomenda certa prudência, dada a capacidade desse líder de reverter situações aparentemente ruinosas.
        É mister, no entanto, consignar que o espetáculo no plenário de Palazzo Madama, do Senado italiano teve todos os ingredientes da consumada queda, seguida de humilhação, de grande figura do cenário itálico.
        Berlusconi, condenado em última instância a quatro anos de cadeia, e marcado para ser despojado da senatoria, diante de uma situação adversa, cometeu um erro de avaliação que, dados os antecedentes do personagem, pode ser até compreendido, mas que, pelas circunstâncias, representou a gota d’água em uma taça já plena.
        O Cavaliere vem acumulando escândalos e, pelo uso repetido e com sucesso, dos próprios expedientes para, de alguma forma, neutralizá-los, terá pensado que o problema da vez não iria diferenciar-se dos anteriores.
        Pela arrogância e sobretudo a húbris, sua velha companheira, pensou que disporia do enésimo desafio como das vezes anteriores. Enganou-se, porém, eis que se propunha a jogar no chão o gabinete de Enrico Letta, composto como ultima ratio para salvar a Itália, abalada por uma crise maior de confiança nas instituições, e que para surpresa quase geral vem atuando com discrição, habilidade e competência para contornar os inúmeros escolhos e arrecifes da política peninsular.
       E para tanto Silvio Berlusconi julgou que bastaria a afronta de aplicar-lhe as consequências da condenação pela mais alta Corte da justiça italiana. Em outras palavras, jogar a frágil situação tanto política quanto econômica da República Italiana ao mar, como se nada devesse ser ousado contra ele. Com isso, ele cometia manobra tão canhestra quanto a do Comandante Schettino, presumindo que poderia por e dispor de seus ministros no gabinete, como se fossem fantoches a serem sacrificados diante do ídolo itálico.
      Esqueceu-se que, mesmo para os aúlicos, há limite para tudo, e, ou pela repetição, ou pela falta de sensibilidade, colocado na balança, ei-lo descoberto a não pesar o bastante para sustar, como em tempos precedentes, a nêmesis tão anunciada, quanto no passado adiada.
       Surgiu, por isso, o movimento palaciano – diante da enormidade da pretensão de tornar a sorte da República cativa perene de suas estripulias – desta feita se propagou e os ministros do partido Povo da Liberdade se negaram a abandonar a nave do governo.
      Eis que Berlusconi foi à terra pelo murro mais traiçoeiro que exista – aquele não previsto, que sai não se sabe de onde, e que causa o nocaute.
      Será que este é o quinto ato, e estamos diante do epílogo ?
      Se os personagens e o país fossem outros, talvez a resposta seria mais fácil. Em se tratando de Silvio Berlusconi, e da política italiana contemporânea, a última palavra terá saído realmente do forno ? Na terra das peripécias, não há negar que as suas já são portentosas na repetição.

      Se até a pitonisa de Delfos, instruída por Apolo, vestia os seus ditos oraculares com os véus da ambiguidade, quem ousará proceder de modo diferente diante desse personagem da Commedia dell’arte ?

 

(Fontes: O Globo, International Herald Tribune)

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