Atração
traiçoeira
Euclides não tinha certeza quando realmente se dera conta de sua existência. Talvez tenha sido um dia em que o elevador parou no andar dela.
Oi...
O que achou esquisito não foi o cumprimento. Ali, totais estranhos podiam trocar essas saudações, que na verdade não querem dizer nada.
O que lhe chamou a atenção foi o olhar.
De repente, os dois sozinhos no elevador,.. Na verdade, havia uma criança também, mas era como se ali não estivesse mais ninguém. E ela o encarou de modo tão intenso...
Oi.
Dizem que os olhos são a janela da alma. Sempre fizera pouco desse gênero de expressão tão batida.
Naquele momento, no entanto, ele mergulhou fundo naquele olhar. Teve a impressão de que ela lhe acenava com secretas intimidades.
E, de súbito, o pano baixou, ou melhor, na descida, pararam em mais um andar. Entrou um casal de moradores e lá se foi o clima.
*
A partir
desse dia, as coisas mudaram.
No seu JK,
por mais de uma vez se pilhou fantasiando com a moça do elevador. E ao descer
para o trabalho, ou voltando dele, acalentava a esperança de reencontrá-laVolta e meia, pensava nela. Como se fosse um DVD, repetia a cena, até de forma infantil. Sorria com a comparação, porque como uma criança, não tinha noção de medida, enquanto repassava o encontro do olhar à exaustão.
Até que ela reapareceu.
Infelizmente, estava acompanhada e, para ele, mal acompanhada.
Um tipo meio gordo, por quem sentiu grande antipatia, cercara os ombros da moça com o meio abraço do proprietário. Ele achou a atitude despropositada, ainda por cima no espaço de um elevador.
Irrefletidas, as suas vistas a procuraram. Em vão.
De esguelha, com jeito de dono, o acompanhante o mediu.
E num relance, o casalzinho desapareceu na movimentação da rua.
*
Passaram dias, semanas, até meses.
Euclides,
por fim, animou-se em perguntar do porteiro por onde ela andava.Sabia pouco a seu respeito, mas quem sabe, o essencial. Porque era atraente e morava em um andar de cima.
Sabia também quanto os porteiros, na monotonia de suas existências, se deleitam com os quitutes da vida alheia. A indagação poderia multiplicar-se no milagre da imaginação de ‘seu’ Antonio, mas ele estava se lixando das consequências. Só queria saber aonde ela fora parar.
Não demorou muito, o empregado iria situar a sua ilusão.
Ah! a Edineide ! Bonitinha, né? Casou com o namorado e se mudaram pra Paraíba.
Euclides tinha uma teoria. Para ele, a morte não era um acontecimento único. Para ele, antes de sua aparição final e definitiva, ela se repetia em pequenos episódios. Não tinha dúvida, portanto, que, com a notícia morrera um pouco.
* *
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