Chancelaria não é sucursal política
Provocou
espécie na imprensa e em meios diplomáticos a suposta condição colocada pelo
Brasil de que o Paraguai só volta a ser membro pleno do Mercosul se aceitar
Caracas.
Tal se choca
à condição anterior que vinculara a volta do Paraguai ao grupo à realização de
eleições livres. Como Horacio Cartes,
do partido Colorado, foi eleito regularmente, o alegado empecilho não mais
subsiste. No entanto, o discurso da Chancelaria – ou o que passa por isso – mudou. A operação coordenada por Dilma Rousseff de aproveitar o pretexto do impeachment relâmpago do Presidente Fernando Lugo para suspender o pequeno parceiro Assunção, e inserir a Venezuela (cujo acesso o Paraguai se recusara aceitar) agora passaria a nova fase.
Suspenso de forma questionável do Mercosul, o Paraguai, a despeito de haver preenchido o requisito das eleições livres, terá de arrostar mais outro, não obstante seja membro fundador do Mercosul. Agora, a vara é colocada em plano superior. Trocando em miúdos, o Paraguai só volta ao Mercosul se aceitar Caracas.
Quem utiliza meios não-convencionais em diplomacia – e quem rege esta música sabemos exatamente quem é – corre o risco de ter de engolir respostas convencionais. O Partido Colorado é havido como opositor do chavismo. Segundo o presidente-eleito, Horacio Cartes, há uma ‘predisposição’ no Senado de aprovar “o que for bom para o país”.
E se a bancada colorada no Senado, reforçada pela eleição presidencial, se recusar a cooperar ? Como ficará juridicamente a situação de um membro fundador (Paraguai) que não pode ser reintegrado em posição da qual fora questionavelmente afastado porque estaria obrigado a aceitar a participação da Venezuela, que entrara no Mercosul pela vacatio legis adrede inventada pela grande amiga de Chávez ?
As contas brasileiras com o exterior estão
batendo recordes. No entanto, não é algo positivo, pois os recordes podem ser
quebrados no bom ou no mau sentido.
A balança
comercial, cuja tendência no passado era
para ser em geral positiva, desta feita, é negativa. Só a diferença entre
exportações (em queda) e as importações (em alça) monta a 5,2 bilhões no primeiro trimestre. Além disso, a gastança dos
turistas brasileiros no exterior atinge 6
bilhões, enquanto as remessas de lucros e dividendos chegam a sete bilhões.Por força do fraco desempenho da economia, com a diminuição dos investimentos pelas empresas nacionais, a movimentação macro-econômica não atraíu tantos IEDs (investimento estrangeiro direto) quanto no passado, e somaram apenas US$ 13,3 bilhões, insuficientes para contrabalançar o déficit agregado que ficou em US$ 25 bilhões.
Há muitos fatores que contribuem para este saldo negativo. A desnacionalização da indústria automobilística – cujas vendas muito dependem das chamadas desonerações fiscais – é um peso permanente, devido à irresponsabilidade de governos do passado. Não foi, por acaso, que as montadoras nacionais desapareceram. Com isso, trimestralmente, todo o lucro auferido pelas estrangeiras é transferido para Europa, Ásia e Estados Unidos, onde estão as matrizes das marcas aqui instaladas.
Ajudamos, assim, as matrizes de além-mar a vencerem a crise que ora atravessam... Aliás, o Brasil goza da dúbia honra de ser a única economia de peso que não tem indústria automobilística própria. Este sistema de “feitoria”, a que já me referi por mais de uma vez, se reflete em vários aspectos negativos. Pesquisa e experimentos para o avanço na tecnologia ficam para depois, e tampouco se pensa em proteger o brasileiro das descargas poluentes dos motores. Na verdade, a defasagem em termos de proteção ambiental com relação ao prevalente no chamado circuito Elizabeth Arden é um escândalo. O governo brasileiro é decerto corresponsável, por não obrigar as montadoras a estabelecerem padrões de proteção ambiental que estejam nos níveis de seus países, no que respeita aos veículos montados no Brasil. Ou será que os usuários na América do Norte, Europa Ocidental e Ásia devem merecer maior atenção quanto aos efeitos poluentes das descargas automotivas do que o brasileiro ?
A benigna negligência no capítulo dos governantes só foi quebrada no governo Collor, quando o então presidente reclamou do atraso tecnológico, que tornava as viaturas verdadeiras ‘carroças’. Por esta puxada de orelha, houve por um tempo o esforço das montadoras em melhorar as viaturas em termos de tecnologia. O outro interesse presidencial na matéria foi de Itamar Franco, seu sucessor no Planalto, que insistiu pelo retorno do Fusca. A vontade presidencial foi também aí atendida, embora com resultados decepcionantes, porque o sentimentalismo não tem condições de modificar as condições do mercado.
Voltando às causas da queda nos investimentos, a retomada da inflação é sem dúvida debitável à Administração de Dilma Rousseff, que parece acreditar poder domar o dragão com recursos retóricos. A falta de respeito a compromissos fiscais, a posição subalterna atribuída ao Banco Central – que é a principal arma para manter a estabilidade da moeda – e estratégia econômico-financeira que pende para o amadorismo – tudo isso está na raiz do baixo crescimento do PIB, além do descontrole nos preços.
É claro que o melhor seria para manter o respectivo equilíbrio nas contas externas que dependêssemos apenas dos próprios meios. Como isto não se afigura possível na presente conjuntura, manter a economia com o dever de casa feito é condição para atrair o investidor estrangeiro.
Como assinalado oportunamente, a paralisia nas inversões – eis que se destinam a objetivos de médio prazo – deve bastante à desordem institucional introduzida pelas desonerações fiscais. Ao invés de combater a carestia com medidas de alcance geral – que tal reformas dignas desse nome ? – Dilma Rousseff pretende aplicar uma espécie de foquismo que se em guerrilha não funcionou, muito menos há de progredir em ramo onde a previsibilidade e a estabilidade são fundamentais.
O leitor há de relevar a extensão desses comentários. No entanto, semelham necessários para colocar os maus resultados em um contexto inteligível. Também em economia as coisas não acontecem por acaso.
O projeto de lei que a situação deseja fazer
aprovar pelo Congresso – e para tanto se tem servido de todos os meios – seria
aprovado com sumo louvor por Armando Falcão, na versão ministro da ditadura
militar, pois no seu deslavado casuísmo não entreveria muita diferença com as
medidas do então regime para dificultar a campanha da oposição, na época
defendida pelo MDB.
Hoje o PMDB não está do lado do povo, o que não
provoca surpresa, eis que essa virtual coligação de partidos estaduais nada
mais tem a ver com o partido de Ulysses
Guimarães.É melancólico que Dilma Rousseff favoreça tal medida, cujo casuísmo até um Senador petista, Jorge Viana, reconhece. Para o respeitado Senador – que se dissociou na tribuna da ‘reforma’ – o PT age de forma amadora e se afasta de aliados.
Não só como político do Acre, Viana afirma que “o surgimento de um partido com Marina tem que ser saudado”. No seu entender, um partido que tanto sofreu com o casuísmo não poderia valer-se desse gênero de medida.
Ao que parece, Dilma não deseja correr riscos. Pelo projeto que dificulta a criação de novos partidos, ela se reserva na TV a maior fatia histórica em termos de eleições presidenciais. Se lograr o seu escopo, passará a ter, segundo a Folha, quinze minutos e dezoito segundos em cada bloco de 25 minutos, vale dizer, 61% do tempo total.
O Ministro Gilmar Mendes suspendeu sua tramitação no Senado – ela já foi aprovada na Câmara – ao conceder a liminar.Não por acaso, o ministro do Supremo vê no projeto o objetivo ‘casuístico’ de prejudicar minorias.
E para que se tenha idéia desse prejuízo, alinhem-se os tempos alocados por D.Dilma aos possíveis candidatos da oposição: Marina teria dezenove segundos, quatro a mais do que Enéas em 1989; Aécio Neves (PSDB) ficaria com 5 minutos e treze segundos; e Eduardo Campos (PSB) caberiam dois minutos e 24 segundo.
O Planalto teme o aparecimento de muitos candidatos com peso eleitoral no primeiro turno. Julga que o aumento de rivais pode levar a eleição para o segundo turno. Por isso, como nos tempos da Gloriosa, o novo PT – que, como Dorian Gray, se tivesse um quadro secreto, não mais se reconheceria com o partido generoso e ético de outrora – tudo fará para aplanar o próprio caminho, na sua convicção hodierna de que os fins justificam os meios.
O desastre no edifício Rana Plaza, em Daka, no Bangladesh, matou pelo menos 304 trabalhadores. Até o momento, e o
relógio corre contra a probabilidade de que se salve um número maior, 72
pessoas foram retiradas vivas dos escombros.
Embora tenha
consentido na existência de tais fábricas – cujas condições de trabalho parecem
vir do século XIX e das páginas do Capital,
de Marx – o governo agora não
considera a ocorrência um acidente, mas assassinato (na palavra do Ministro da
Informação).Nessas sweat-shops[1], destinadas a preparar roupas de baixo custo para fim de exportação, as condições de trabalho se aproximam das prevalentes nos tempos da servidão.
Houve vários indícios de que o prédio poderia ruir, mas os patrões fizeram ouvidos de mercador.
Na capital, fúria há longo tempo contida invadiu as ruas. Milhares de trabalhadores na indústria do vestuário puseram fogo a pelo menos duas fábricas do ramo, além de danificarem mais de 150 veículos com lanças de bambu.
O Primeiro Ministro Sheikh Hasina determinou as prisões de Sohel Rana, proprietário do Rana Plaza, assim como dos donos de quatro ateliers de roupa, que operavam nos pisos superiores do prédio de oito andares. Os manifestantes pedem a pena de morte para Sohel, assim como os proprietários das fábricas nos andares de cima do edifício.
Como se sabe,
o Presidente da Federação Russa, agora no exercício de seu terceiro mandato,
não desdenha afrontar interrogatórios – maratona por populares, em que veicula
a própria visão sobre a realidade do país.
Gospodin
Vladimir V. Putin negou ‘que a gente vá para trás das grades por motivos
políticos’. E aduziu, com a sua habitual
marmórea fisionomia: “As pessoas são condenadas não por causa de suas opiniões
ou ações, mas sim por desrespeitarem (abusing)
a lei.”Essa visão idílica do estado de coisas na Rússia se choca, no entanto, com os fatos. Recentemente, um grupo de monitoramento das eleições, Golos, foi multado em trezentos mil rublos (cerca de nove mil e seiscentos dólares) por violar lei que requer o registro como agente estrangeiro de ONGs atuantes na política, e que porventura recebam contribuições financeiras do exterior.
A tal lei, de feitura recente, é feita para limitar (e intimidar) as críticas e sabotar-lhes a credibilidade. A sua linguagem é tão vaga, que pode ser usada contra qualquer ONG. Por outro lado, o rótulo de “agente estrangeiro” em um país que vê com desconfiança qualquer ação vinda do exterior tende a tornar suspeita mesmo uma ação tendente a defender a sociedade russa, como apontar fraudes nas eleições.
Putin também defende a ação contra Alexei A. Navalny. Apesar da objetividade do processo, consoante o senhor do Kremlin, o que tem mostrado as deliberações em Kirov é justamente o contrário. Testemunha-chave da acusação, Vyacheslav Opalev reconheceu perante a corte haver sido forçado a uma transação com Navalny, e não por haver pactuado (colluded) com ele, como havia declarado em documento assinado do ano passado. De início, os investigadores estatais tinham considerado as acusações contra Navalny como sem base. Por motivos não esclarecidos voltaram atrás e reapresentaram a ação dois meses depois.
Opalev, que se contradisse várias vezes no depoimento no tribunal, alegou ‘stress’. Para reforçar a acusação, os promotores pediram que o juiz do processo lesse o documento assinado por Opalev no ano passado.
Falando para a corte, Navalny acusou Opalev de dar falso testemunho contra ele “para evitar ação penal no caso em que a administração Kirov lhe imputara a responsabilidade.”
Como não se desconhece, a fundamentação da acusação do Estado Russo contra o ativista Navalny é manifestamente falsa (bogus). No entanto, tais pormenores não semelham afetar a avaliação das acusações contra o blogueiro como “extremamente objetiva”. Como esta é a opinião do Presidente Putin, só um milagre impedirá a condenação de Alexei Navalny, que há tempos atrás, diante de largo comício, qualificara de ladrão a Sua Excelência.
(Fontes:
O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S.Paulo, International Herald
Tribune)
[1] Usinas de suor, como ainda
há muitos, sobretudo no Terceiro e Quarto Mundos (para servir o Primeiro)
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