Se mandasse na minha preferência em termos de
assunto, eu não falaria de inflação. O tema não me agrada e não só por trazer
de volta um estado de coisas que eu pensara – e comigo, muita gente – fosse problema
do passado, página virada.
Minha geração
teve de conviver com essa praga e por longas décadas. Nascida nos anos
cinquenta, a princípio se imaginou que ela poderia ser o combustível do
desenvolvimento. Houve até economista de nomeada que acreditou administrável uma taxa de carestia de quinze por cento. Se o toque de Midas por si só representa irônica maldição, o império do dragão tem o maldito atributo de tudo desvalorizar. Não há imposto mais pesado do que a inflação.
Em todos os seus graus – desde aquele havido como ‘inocente’ com um digito, até os da alta e da própria hiperinflação – a carestia traz embutido o germen da negação dos valores. Como um câncer – e com o sentido de antanho, em que se chamava a boca pequena de mal incurável ou até mesmo se evitava em muitos países explicitar-lhe a menção, pelo que prometia de sofrimento e morte – ela desestrutura com o seu maldito império os valores, sejam eles de plutocratas, de remediados, de pobres e até dos miseráveis.
Na corrida desenfreada daqueles tempos de chumbo, todos eram perdedores, mesmo aqueles que se refugiavam no mágico overnight.
O toque maldito da inflação constitui a mais cruel das mais-valias, excedendo em muito a imagem de Marx acerca do lucro do capitalista sobre o suor do operário, ou até a mítica libra de carne de Shylock na cobrança de absurda dívida.
Pois a carestia não constitui apenas um imposto indevido, mas sim a negação do valor e de tudo o que a ele se relaciona. Ao aguçar a cobiça e a ganância, menospreza a poupança alheia, sobretudo a dos aposentados e pensionistas, transformando em pó o produto do trabalho de muitos anos. Se poucos são os alemães que viveram a hiperinflação dos anos vinte e tudo o que ela provocou de miséria, aquela nação até hoje vive sob o íncubo dos maços de dinheiro imprestável e o quanto importa manter esses tempos distantes na realidade mas nunca na memória.
Dedicamos à inflação quase toda a segunda metade do século vinte. No armário da carestia – a começar por dona correção monetária e a sopa infindável de índices inflacionários – nos tornamos doutores de um sem-número de remédios, cuja suposta serventia o dragão logo trataria de desvirtuar e corromper. O que fora excogitado para tornar cordata a inflação, na verdade, na cruel ironia do toque de Midas, a todos esses instrumentos o dragão punha a seu serviço, transformando-os muita vez em caricaturas odientas daquilo que teriam vindo remediar.
Para os menos enfronhados, os devedores – e a carestia a todos nivela nesse chão – tremiam diante de o que significava pagar uma conta com juros e correção monetária. E como hoje se chamam as decênios consumidos sob o império do dragão ?
São as décadas perdidas ! E em que campos as perdemos ? Gerações de brasileiros foram embaladas na esperança dos planos heterodoxos, aquelas mágicas geringonças que, pela indústria e imaginação de uns poucos, mostrariam que a salvação estava ao nosso alcance, e para tanto dispensávamos os deveres de casa dos economistas ortodoxos.
E como saímos dessa triste litania dos Planos Bresser, Cruzado um e dois, e o confisco do Plano Collor, cuja história ainda não foi escrita, com o seu registro de desgraças ?
Melhor calar, porque os índices da esperança e do sofrimento muita vez se confundem .
Infelizmente, nós pensávamos que o Plano Real colocara uma pedra nesse período de incerteza,das frenéticas maquinetas de remarcação e do geral pandemônio econômico-financeiro.
Infelizmente, sim, porque a doce melodia da estabilidade financeira já é coisa do passado. O primeiro governo do P.T., sob Lula da Silva, respondera de forma muito positiva as dúvidas da sociedade. Virou a página da contestação irrefletida ao Plano Real, e nos passou a confiança de que esse Plano, ao contrário dos demais, não era propriedade de partido, e sim do Povo Brasileiro.
Por isso, me causou estranhável assombro que a Presidente Dilma Rousseff, malgrado as suas reiteradas declarações, não encarou com o mesmo espírito de seu antecessor e criador, a necessidade de manter essa conquista da Nação brasileira.
É de um pesado simbolismo que, em recente almoço no Planalto, conforme aludi em artigo desta semana, a Presidente da República tenha convocado economistas como Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo, para que lhe trouxessem ideias de como combater a inflação. Desperta espécie porque parece considerar como dispensável a consulta àqueles que, com simplicidade, ortodoxia e firmeza, moldaram o que seria o Plano Real. Será que o P.T. continua a verberar um Plano que manifestamente, ao revés de todo o amontoado anterior de fracassos, ganhou a confiança dos brasileiros e se implantou através dos anos na simples receita do dever de casa bem cumprido ?
Agora temos dona Inflação de volta, com estouro de metas e o escambau. A chuvas dos índices negativos ora nos persegue. O teto da meta, previsto para 2013, é de 6,5%. E o IPCA já registra 6,59%, para os últimos doze meses. Para março, assinala 0,47%, abaixo das previsões. Com a soma dos índices anteriores, o IPCA estourou a meta. E há o detalhe de que o INPC, que diz respeito à inflação dos mais pobres, subiu ainda mais em doze meses, atingindo 7,22%.
(a continuar)
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