Talvez os desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) tenham prestado um serviço à luta em favor da supressão da censura judicial. Ao procederem da maneira ontem manifestada o fizeram não só ao arrepio do texto constitucional que rege a matéria, senão de toda e qualquer lógica porventura inerente nas decisões anteriores relativas à questão em tela.
Quando Fernando Sarney, filho de José Sarney, bateu às portas do TJ-DF em busca de liminar que impusesse a censura ilegal sobre as reportagens de O Estado de São Paulo o desembargador Dácio Vieira, não trepidou em acolher o pedido, proibindo o jornal de noticiar as investigações da Polícia Federal na Operação Boi Barrica. Fê-lo com presteza, não obstante as fundadas suspeitas de sua familiaridade com o clã Sarney, a ponto de ter sido protocolada ação junto ao Conselho Nacional de Justiça com vistas ao seu afastamento.
Três decisões foram sucessivamente tomadas pelos desembargadores deste tribunal – e por duas vezes em sessão secreta, sem embargo do regimento do STF e da advertência do CNJ – que jamais questionaram a competência do TJ-DF, enquanto medidas eram tomadas que mantinham a censura inicial, o que provocou a extensão de sua inadmissível imposição por sessenta e dois dias.
Como definir agora a decisão da 5ª Turma Cível do TJ-DF, a um tempo mantendo o Estado sob censura, e igualmente considerando não ser o foro competente para julgar o assunto, remetendo a questão para a primeira instância da Justiça Federal Cível do Maranhão !
Não há qualquer lógica nas decisões do TJ-DF, senão a de preservar pelo maior extensão de tempo possível a imposição de censura sobre a investigação de Fernando Sarney. Que outra lógica pode ser encontrada, seja jurídica, seja a de coerência no discurso, nos desembargadores de tribunal que após não hesitar conhecer de uma demanda e impor a proibição ilegal, se recusam a considerar a primeira decisão nula, à vista da suspeição de quem a pronunciou, e que ao cabo de 62 dias, e três decisões sobre a matéria, a mandam para as lonjuras de primeira instância no Maranhão, sempre cuidando de manter a censura primeva, agora em dupla contradição, i.e., a suspeição da autoridade coatora e a súbita descoberta da incompetência de foro.
Para que essa manifesta agressão à liberdade de imprensa possa ser combatida e anulada, será imprescindível a publicação do acórdão no diário de justiça. De posse do texto da decisão judicial tomada pela aludida 5ª Turma Cível do TJ-DF, os advogados do Estado se acharão em condições de tentar barrar a transferência do processo. Há duas hipóteses sob análise: apelação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de recurso especial; ou apresentação de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal.
Dentre as inúmeras personalidades que se manifestaram contrárias ao procedimento do TJ-DF e verberaram a manutenção da censura inconstitucional, semelha oportuno, a propósito, ressaltar a opinião do Juiz Marlon Reis – que é membro do MCCE : “O Judiciário não pode realizar censura prévia, ofende claramente a Constituição. Pode ter chegado o momento de o STF ser estimulado a editar uma súmula vinculante. OAB e ANJ deveriam provocar o Supremo.”
Como não desconhecem os leitores deste blog, não poderia eu estar mais de acordo com o parecer do douto magistrado do Maranhão, quanto à urgência de uma decisão vinculante do Supremo que atalhe de vez com tal preocupante reincidência na imposição da censura inconstitucional. Estão aí clamando por justiça doze casos de censura judicial nos últimos dois anos, consoante determinados pela Associação Nacional de Jornais. É tempo de dar um basta a essas decisões medievais, na feliz expressão do cientista político Rubens Figueiredo.
A determinação constitucional de abolição da censura em todos os seus múltiplos avatares não deve mais depender da interpretação dos juizes. O texto constitucional carece dos caracteres inequívocos da súmula vinculante, que ponha cobro às inúmeras tentativas de reavivar e reimplantar a censura.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
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Um comentário:
Parabéns pelo texto cristalino sobre mais uma das mazelas do Brasil, que é raiz de muitas outras mas que infelizmente incomoda a poucos.
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