Quando Fernando Henrique Cardoso decidiu privatizar a Companhia Vale do Rio Doce fui daqueles que discordou do acerto da orientação presidencial. A Vale do Rio Doce era uma empresa pública que dava lucro. No malbarato do patrimônio estatal havia óbvia intenção demonstrativa da postura neoliberal da administração FHC. Alienar empresa daquele porte seria como iniciar a queima das naves de Fernan Cortez para que não restassem dúvidas aos Senhores das finanças internacionais sobre onde se situava o governo de Fernando Henrique.
De minha parte, não creio que FHC obedecesse a móvel ideológico ao determinar a venda da Vale. Com a sua formação e embasamente doutrinário, me resulta difícil acreditar que tivesse outra motivação que não a do oportunismo.
Felizmente, os seus projetos de ir além se chocaram com a opinião pública e a reação política. Assim, os obscuros movimentos de seu preposto na jóia da Coroa, o senhor Henry Reichstuhl, não vingaram diante do malogro da manobra de mudar o nome da Petrobrás para Petrobrax.
Entrementes, privatizada a Vale do Rio Doce em 1997, assumiu-lhe a presidência, no segundo mandato de Fernando Henrique, o empresário Roger Agnelli, por indicação do grupo Bradesco.
Durante um longo período, não houve maiores dificuldades da Vale com o setor público (se excluirmos algumas tropelias causadas pelo MST).
Este cenário de aparente idílica tranquilidade começaria a sofrer alterações já neste início de fim do segundo mandato de Nosso Guia.
A princípio, foram os maus humores presidenciais sobre a não-encomenda pela Vale de navios aos estaleiros nacionais. Pelo visto, porém, Roger Agnelli não tardou em satisfazer aos resmungos do Planalto.
Talvez pela facilidade da aceitação – de o que era, de resto, justa reivindicação – Sua Excelência não ficou por aí. As reclamações ora se dirigiam à composição das diretorias da empresa. Como tem sido hábito atribuir-lhe incansável desenvoltura, tais movimentos teriam a participação de José Dirceu – deputado cassado em aras do mensalão, vítima da Realpolitik dos companheiros petistas.
De qualquer forma, o acosso cresceu a ponto de levar o inquieto diretor-presidente da Vale a solicitar audiência com quem antes se chamava Chefe da Nação. Não obstante o gesto pouco altaneiro de Agnelli, infelizmente a agenda presidencial estava toda tomada.
Não parou por aí a singularização da grande empresa privada nacional. Afinal, caberia perguntar, o que deseja Sua Excelência? Servir-se dos mandos da companhia como se fora extensão das empresas públicas, onde sempre há lugar para acomodar um companheiro ou um apadrinhado político ? Ou, o que seria alçar ainda mais o voo da imaginação, continuar no processo de fritura ?
Com a sua popularidade em alturas respeitáveis, quase inacessíveis, que parecem conferir-lhe poderes tão amplos – como o de organizar caravanas políticas ao longo do São Francisco, sem que nenhum órgão competente se atreva a questionar-lhe a propriedade em face de legislação chamada eleitoral – veio o anúncio dos Ministros Mantega e Lobão da projetada imposição de taxa de cinco por cento sobre as exportações de minério.
Embora a etimologia do sobrenome o aproxime dos cordeiros sacrificiais, na sucessão de maquinações se vislumbra a imagem de tourada, em que o pobre touro, depois dos penduricalhos dos bandarilheiros e das mais eficazes lanças dos sangrentos picadores, se descobre preparado para a teatral entrada do toureiro, com seu traje de luces, a acercar-se ominosamente da presa, enquanto oculta sobre a capa a espada resolutória.
Pois não é que por fim se abre um espaço na agenda do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que tenha uma conversinha com o acuado Roger Agnelli ? Segundo se antecipa na imprensa, Lula deve manifestar ao atual chefe da Vale do Rio Doce a sua insatisfação, e não só com a mineradora, senão também com as siderúrgicas.
Como interpretará o presidente da grande empresa privada o súbito e avassalador interesse do Chefe de Estado ? Com efeito, o descontentamento de Sua Excelência não se cinge às exportações de minério, mas também questionam o ‘capitalismo medíocre’, voltado só para o lucro e sem visão estratégica.
Quiçá será durante a tertúlia do dia de hoje que Agnelli poderá fazer uma ideia de o que pretende o Presidente da República (se ainda não a tenha).
À vista de o que precede, se fica com a impressão de que as afinidades entre os amigos Lula da Silva e Hugo Chávez são, na verdade, maiores do que semelham. Em todos esses episódios dos tormentos criados para um presidente de empresa privada, teoricamente não subordinada às diretivas do Chefe da Nação, avulta a suspeita que Lula esteja seguindo a cartilha do chavismo em seu relacionamento com os empresários, tanto nacionais, quanto estrangeiros.
Não há negar, porém, que o companheiro Chávez é mais direto e menos paciente, de acordo com os sagrados preceitos de seu socialismo lumpen, nas suas relações com os mal-avisados chefes de empresa em terras da Venezuela.
Não temeria, acaso, Nosso Guia que esta truculenta encenação possa repercutir mal para a própria imagem, sobretudo quando viajar através do Atlântico para o Norte maravilha ?
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
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