O projeto nuclear do Irã
Na sexta-feira passada, o negociador do Irã comunicou à Agência Internacional de Energia Atômica que estava considerando favoravelmente o plano apresentado para que transfira 1,2 tonelada das 1,5 ton de seu estoque conhecido de urânio de baixo teor para a Rússia e a França.
No entanto, por motivos não declarados, mas que se presumiria seja a aprovação dos ayatollahs em Teerã a resposta formal somente será dada na semana entrante.
Conquanto a reação do Ocidente haja sido cautelosamente otimista, há fundados motivos, se o comportamento pregresso constitui indicação, de que os iranianos estejam simplesmente tratando de ganhar tempo.
Por iniciativa do Presidente Obama, e tendo presente a descoberta da usina secreta nas imediações montanhosas de Kom, buscam-se meios de controlar o projeto nuclear do Irã. Além da fiscalização da AIEA, procura-se criar esquema que inviabilize o fabrico da bomba pelo regime de Teerã.
O plano ocidental – de que participam os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, com o acompanhamento de Israel – objetiva alcançar a concordância do Irã, mediante a oferta de certas vantagens. Embora a premissa seja a consecução do plano por meios consensuais, eventual resposta negativa do governo iraniano acionaria novas sanções, que seriam mais severas do que as atualmente operantes.
O que o Ocidente oferece ? Através do projeto encaminhado pela AIEA, a Rússia e a França, após receberem do Irã o carregamento de urânio de baixo teor, cuidarão de processá-lo ulteriormente de modo a dificultar o seu emprego em warheads [1] nucleares. O urânio enriquecido em tais termos seria reexpedido para o Irã, de forma a dar a carga necessária para reator de Teerã, que fabrica isótopos radioativos com fins medicinais, e cujo atual combustível importado deverá esgotar-se até o fim do corrente ano.
O plano de Obama, contudo, tem o seu ponto débil na postura ambivalente de Rússia e China. O fato de Moscou ter concordado em participar do esquema acima é decerto positivo. Há sobejos indícios, todavia, de que tanto o Kremlin, quanto Beijing não concordariam com sanções mais drásticas contra Teerã. Como esses dois países dispõem de veto no Conselho de Segurança, tal dissensão enfraquece e bastante a posição dos Estados Unidos.
O diretor da AIEA, Mohamed ElBaradei – que estipulara o prazo de resposta até a sexta-feira 23 de outubro – limitou-se a dizer que espera ‘seja igualmente positiva a reação iraniana, visto que a aprovação do acordo sinalizará nova era de cooperação’. Já o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Bernard Kouchner, comentou: ‘pelas indicações que estamos recebendo, as perspectivas não se afiguram muito positivas’.
Por sua vez, observações anteriores de funcionários iranianos, quanto a sua preferência de adquirir urânio enriquecido no exterior (ao invés do esquema de permuta da AIEA), levou David Albright, chefe do Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional, a afirmar: “Este é um mau sinal. Comprar combustível nuclear no estrangeiro é um total contrassenso (non-starter) se o país está submetido a sanções.”
Tendo em vista o quadro acima esboçado, e os antecedentes iranianos em matéria de não-proliferação, os prognósticos carecem de ser reservados. De qualquer forma, um eventual bookmaker londrino acenaria com um prêmio alto para quem se aventurasse a apostar no sucesso do projeto de acordo tramitado pela AIEA.
No Pântano hondurenho.
Hospedado há 34 dias na Embaixada brasileira, Manuel Zelaya viu seu quarto ultimato passar sem lograr qualquer efeito. Se a velha expressão de que não se deve fazer ameaça se não se tem a intenção de cumpri-la, o presidente deposto hondurenho aqui contribui para a ulterior desmoralização de ultimatum no próprio peculiar vocabulário.
Não é por acaso que o representante da OEA, John Biehl, resolveu voltar para Washington, ao cabo de enésima infrutífera reunião com o presidente Zelaya. Nas negociações entre as duas partes – a do governo Micheletti, e a do presidente Zelaya – a solução da renúncia conjunta foi aceita pelo presidente interino e... recusada por Zelaya.
Em declarações ao enviado da Folha, Fabiano Maisonnave, John Biehl limitou-se a dizer que “O diálogo tem sido hondurenho e deve terminar hondurenho.”
Até o momento, a chamada crise de Honduras se caracteriza por grande cacofonia, em que muitos têm intervindo, embora com o passar do tempo, diversos supostos protagonistas se hajam na aparência retirado da cena, temerosos talvez de que em um tal chavascal, qualquer atitude mais pró-ativa venha a respingar de forma desairosa no... proponente.
Depois de tanta correria, de tanto jogo de cena, de tantas declarações peremptórias e contundentes, forçoso será reconhecer que o ambiente tende à progressiva e quiçá irremediável banalização, com a redução não mais grandiloquente às potencialidades locais dos dois campeões em porfia. De um lado, o discípulo de Hugo Chávez, o senhor do chapéu; e do outro, o presidente camaleônico, em que os conceitos de ‘golpista’ e ‘interino’ parecem intercambiáveis.
Como de toda pendenga de um lugar como esse, tampouco semelha prudente avançar hipóteses de solução ou de não-solução.
Pode-se, sem embargo, arriscar alguns palpites colaterais. O novel instituto jurídico de ‘hóspede’ em missão estrangeira sai mais do que chamuscado do experimento urdido por pais desconhecidos (os malogros são sempre órfãos). Basta contemplar o circo – tanto interno, quanto externo – engendrado pelo seu abrupto lançamento, que a sua reaplicação se torna deveras desaconselhável.
Por outro lado, o esquema chavista da instrumentalização da democracia para o seu eventual desvirtuamento, sofre mais do que um tropeço em Tegucigalpa. A vitaliciedade no poder, dos sonhos tão venezuelanos do caudilho de Caracas, por enquanto não vingou no seu espécimen hondurenho.
[1] Cabeça de míssil, geralmente empregada para transportar a carga explosiva.
domingo, 25 de outubro de 2009
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