É um vezo da imprensa que não se limita aos grandes jornais estadunidenses. Há nela inconsciente tendência em prever o pior por vir. Muitas vezes as dificuldades são exageradas, e em cada passo de tramitação legislativa, que mereça a atenção prioritária da mídia, se entrevêem tropeços e armadilhas em todas as curvas da senda a ser vencida.
Não me entendam mal, por favor. Não estou atribuindo aos profissionais da notícia propósitos inconfessáveis ou irreprimível Schadenfreude[1]. Talvez, no entanto, no genoma jornalístico haja certa propensão para a descrença no êxito, dada a larga convicção de que as más novas atraem mais leitores.
Veja-se a cobertura, v.g., da reforma sanitária no Congresso americano. Mesmo em relatos que se apresentam sob ângulo supostamente positivo, a progressão nos vários projetos de lei sobre seguro de saúde é descrita como ‘cambaleante rumo às votações’.
Semelha oportuno, por isso, que se passe em revista a real situação da atual proposição de reforma sanitária, de iniciativa da Administração Obama.
Tanto na Câmara dos Representantes, quanto no Senado, a legislação proposta já superou a fase da apreciação e votação nas respectivas comissões. Dessarte, existem três projetos de lei na Câmara, e dois, no Senado.
O último comitê a completar tal requisito foi o de Finanças, presidido pelo Senador Max Baucus. Pelo empenho de lograr projeto bipartidário (o que não foi conseguido em nenhum outro comitê), os trabalhos de senadores democratas e republicanos reunidos na Comissão de Finanças despertou maior atenção, do que nos demais, havendo inclusive representantes republicanos, como o Senador Charles Grassley (Iowa), participado de reuniões com o Presidente Obama. Assinale-se que o considerável esforço de Max Baucus rendeu o único voto republicano até agora para a proposta da saúde. Com efeito, a Senadora republicana do Maine, Olympia J. Snowe, se juntou à maioria democrata nesse Comitê, aprovando o projeto – que não inclui a chamada opção pública – por catorze votos a nove.
Passa-se agora a uma etapa da tramitação legislativa. É interessante, de resto, acentuar que o plano de reforma sanitária coordenado no início do primeiro mandato de Bill Clinton pela então Primeira Dama Hillary Clinton sequer chegou a esta segunda fase, havendo naufragado antes nas duas Casas do Congresso. Como referi acima, existem três projetos de lei na Câmara, todos eles com a dita opção pública, isto é, prevêem agência estatal de seguro de saúde, que concorreria com os planos privados de seguro. Por sua vez, no Senado, o projeto do Comitê de Saúde inclui a opção pública, mas aquele do mais moderado Comitê de Finanças a substitui pela criação de cooperativas de caráter voluntário.
Antes de serem submetidos à votação dos respectivos plenários, a Presidente (Speaker) da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, deverá integrar os três projetos em um único. Por tradição, as Câmaras de maioria democrata se caracterizam por serem mais liberais-progressistas. Não surpreende, por isso, que todos os projetos aprovados em Comissão tenham a opção pública. Até o presente, as lideranças republicanas se tem recusado a qualquer mostra de bipartidarismo, partindo para uma postura essencialmente negativista. A maioria dos democratas parece folgada, a despeito das nuvens da reduzida facção dos blue[2] fiscal dogs (cães da guarda fiscal democrata),que estariam propensos a se absterem ou votarem contra.
Por seu lado, no Senado, caberá ao Senador Harry Reid, Líder da Maioria procurar apresentar um projeto conjunto (das versões dos dois Comitês), que reúna condições de colher os sessenta votos indispensáveis para evitar possíveis intentos de filibuster pela minoria republicana. É provável que o projeto de lei que vá a plenário não tenha opção pública.
Aprovados pelas duas Casas os projetos respectivos, se avançaria para a denominada Conferência legislativa, em que os representantes de Senado e Câmara discutiriam sobre a conformação de projeto de lei conjunto, suscetível de ser ratificado pelas duas Câmaras, em votações separadas.
Se a tramitação é longa, ela não difere daquela adotada em todos os projetos de lei de maior relevância, em que são apresentadas propostas por Câmara e Senado.
Se tudo correr conforme as previsões da Casa Branca e das lideranças democratas, antes do fim do ano se estima que o Presidente Barack Obama possa ser o primeiro Chefe de Estado americano, depois de Lyndon Johnson, nos anos sessenta,a fazer aprovar ampla proposta de reforma sanitária.
As consequências políticas do eventual sucesso desta iniciativa não podem ser minimizadas.
[1] Alegria com a desgraça alheia.
[2] Blue (azul) é a cor do Partido Democrata.
sábado, 17 de outubro de 2009
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