Talvez em algum outro país haveria dúvidas sobre a sanidade mental do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi. A maneira com que enfrenta os diversos escândalos sexuais em que se acharia envolvido beira a arrogância de um adolescente. Seria como se regozijasse com a exposição de suas escapadas, seja em festins na Sardenha reminiscentes dos costumes do tardo Império Romano, seja em suas alegadas proezas em relações com jovens e prostitutas.
Havendo forjado larga coalizão de centro-direita com folgadas maiorias nas duas Casas do Parlamento, o Primeiro Ministro italiano Berlusconi parece confiar cegamente no seu carisma e na propalada tolerância do eleitorado itálico com um comportamento que não se adequa aos padrões de dignidade e austeridade republicana vigentes alhures.
Existe no Presidente do Conselho italiano um traço mussoliniano. Embora Benito Mussolini, por obra da Segunda Guerra Mundial, não tenha alcançado a idade de seu longínquo sucessor, há no culto do físico notória similitude de Berlusconi com o Duce. E os italianos, se não negavam a própria admiração ao Mussolini de torso nú em um evento de propaganda fascista – a chamada batalha do Grão de Trigo (la battaglia del grano) – tampouco o fazem, com sua denotada permissividade a todas as façanhas do atual chefe de governo, que vão das inúmeras plásticas às supostas aventuras romanescas.
Se não falta audácia e capacidade empresarial a este Capo, muito deve ele outrossim à bisonhice, incompetência e falta de coesão da aliança das esquerdas na Itália. Já durante o governo de Massimo D’Alema, a coalizão das esquerdas – que detinha uma maioria segura – se deixou ilaquear por Berlusconi, e perdeu a ocasião de afastá-lo de forma irrevogável da cena política. Por sua vez, no que chamaremos de interregno de Romano Prodi, o tecnocrático chefe da coalizão de esquerda tinha fragílissima maioria, a ponto de torná-lo refém de estranhos votos de minúsculas facções.
Daí a volta de Berlusconi, com a sua aliança da direita, dos neo-fascistas e dos secessionistas da Liga do Norte, surge como inevitável. Para inviabilizar os inúmeros processos de que é réu – causados menos pela impiedade de seus inimigos do que presumivelmente pelas próprias transgressões, quer na política, quer nos negócios de suas empresas – Berlusconi tentou construir por meio de leis ordinárias a respectiva blindagem na Justiça. Através dessa legislação, ele e seus ministros não poderiam ser acionados na Justiça, o que os tornava, em teoria e prática, acima da lei, e dava um sério golpe à democracia na Itália.
Agora os quinze juízes da Corte Constitucional – a mais alta esfera judiciária – sentenciaram que é inconstitucional a lei que concedera imunidade a Berlusconi no que concerne a processos na justiça. E a razão da nulidade de tal instrumento é simples e irrefutável, eis que as suas disposições violam a cláusula constitucional que concede a todos os cidadãos igualdade perante a lei.
Saudado pela oposição e pela magistratura independente, o veredito da Corte Constitucional assesta pesado golpe na fortuna política de Silvio Berlusconi. Não é necessário ser adivinho para prever que ele e seu governo entrarão em estação de instabilidade potencial e de possíveis contestações, muitas delas sobrevindas de seus fiéis e ambiciosos capitães-tenente.
Dados os preexistentes temores acerca da democracia italiana, golpeada pelas blindagens e outras liberdades do Primeiro Ministro Berlusconi, semelha lícito antecipar que entre mortos e feridos a irreprimível Democracia continua bem viva na bota mediterrânea.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
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