Como se a intenção fosse de sublinhar a presente anarquia, o Senado Federal prestou-se a uma enésima encenação corporativa. Ao receber a comunicação do Supremo Tribunal Federal determinando a cassação de Expedito Junior (PSDB-RO) – por força de decisão do STF por sete votos a um – o Presidente do Senado, José Sarney, considerou oportuno articular tática parlamentar para postergar o afastamento
do colega.
Foi melancólica demonstração de que, neste país, mesmo que ao arrepio da lei, o corporativismo move montanhas. A fim de aprovar emenda constitucional de autoria do parlamentar cassado – em benefício de quinze mil servidores do antigo território de Rondônia, que passam a servidores federais – o contestado Presidente da Câmara alta ministrou lição de malabarismo político. Em menos de meia hora, para cumprir os dois turnos de votação, Sarney abriu e fechou cinco sessões extraordinárias !
Pensando fazer reparação a injustiçado companheiro de corporação, o Presidente do Senado – aquele que não é homem comum, segundo Lula – arrastou seus colegas a deprimente episódio de corporativismo explicito. Ao mesmo tempo, inda que involuntariamente, evidenciou a sabedoria de outras Constituições. Essas últimas determinam procedimentos de aprovação que tornam as emendas constitucionais não objeto de vazios assomos demonstrativos, feitos a toque de caixa, mas resultado de tramitação respeitável e não de grosseiros truques regimentais. Afinal, a Constituição é a lei magna, e deveria passar ao largo de tais arroubos de assembleia que transformam suas emendas em penduricalhos de ocasião.
Apesar do jogo de cena do velho político – mantido, contra vento e maré, na presidência do Senado, malgrado a maciça rejeição da sociedade civil – todos os direitos legais do Senador Expedito Júnior haviam sido anteriormente respeitados. Cassado em 2008 pelo Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, por abuso de poder econômico e compra de votos na campanha de 200. Confirmada a decisão em junho último pelo Tribunal Superior Eleitoral, Expedito Júnior resolveu esperar o pronunciamento final do Supremo.
A esse propósito, o decano da Corte, Ministro Celso de Mello, apostrofou o comportamento do Legislativo: “Vem-se tornando preocupante esta arbitrária resistência das Mesas da Câmara e do Senado. Já não é a primeira vez que se descumpre decisão judicial. Esta insubordinação é lamentável. É algo inconcebível no estado democrático de direito. (...) Estamos vendo, neste caso, reiterada recusa por parte da Mesa do Senado a cumprir uma ordem judicial. Isso é uma anomalia, se situa na patologia do exercício e da prática do poder.”
Semelha que as críticas de Celso de Mello vieram a calhar para o velho político e coronel do Maranhão – que não se avexa, como sabemos, de recorrer ao Judiciário quando tal lhe apraz e aproveita. Vestindo-se com os trapos do corporativismo, cuidou de organizar, como de hábito às custas da Nação, o show de vazio desagravo ao colega que já se valera de todos os direitos processuais para apegar-se à curul senatorial.
Não poderia ter-nos chegado com maior celeridade a relembrança de como estão realmente as coisas nesta república, e quanto se faz urgente a mãe de todas as reformas, vale dizer, a vera Reforma Política, de que os atuais senadores e deputados, por motivos que não é preciso mencionar, fogem como o diabo da cruz.
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
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