Um milhão e trezentos mil assinaturas endossaram o projeto de iniciativa popular para impedir a candidatura de políticos com ficha suja. A proposição, coordenada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), proíbe que concorram às eleições pessoas condenadas em primeira instância, ou com denúncia recebida por um tribunal, por crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas, além das já condenadas por compra de votos ou uso da máquina pública. Para evitar que sejam instrumentalizadas por adversários, as ações em telas precisam ser movidas pelo Ministério Público.
O projeto popular em apreço tem o benefício colateral de regulamentar o inciso 9º do artigo 14 da Constituição Federal. Essa determinação constitucional dorme um sono de mais de vinte de anos, pela desídia de sucessivas legislaturas :
“ Lei complementar estabelecerá outros casos de inegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a
influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta.”
O projeto em apreço é mais uma demonstração de que a sociedade civil não tenciona abdicar de seu direito como Povo soberano de criar condições mais dignas e consentâneas com o próprio ambiente em que opera. O Povo brasileiro é trabalhador, honesto, e não é cinico nem indiferente diante da atual crise de valores, que tão melancolicamente reflete a maioria de seus representantes e, em especial, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Ao recente arremedo de reforma eleitoral, elaborado de afogadilho, e que passa longe de qualquer medida moralizadora nesse sentido, contraponha-se a ética grandeza do projeto de iniciativa popular apresentado pelo MCCE. Ao contrário das inúmeras vantagens de inchados gabinetes e de dois dias de trabalho por semana, que pavoneiam os nossos parlamentares, o MCCE e as 43 entidades civis que o integram terão enfrentado presumíveis dificuldades materiais do cotidiano, não só para elaborar articulado respeitável, que silencia pela qualidade técnica os previsíveis e açodados críticos, senão para coletar as miríades de assinaturas de cidadãos brasileiros.
No sorrisinho contrafeito do Deputado Michel Temer (PMDB/SP), que fazia as honras da casa, se desenhava o fosso existente entre a sociedade civil, que ainda acredita, e o microcosmo corporativista que é formalmente o mandatário do Povo. Sua Excelência não se conteve e talvez nervoso diante da evidência da insatisfação popular cristalizada no projeto apressou-se em declarar: “Deixar na mão de um único juiz é problemático. A tendência será levar a decisão a um órgão colegiado.”
É voz corrente que cerca de dois terços ou três quintos dos senhores congressistas estariam impossibilitados de candidatar-se nas próximas eleições, se, tangidos por algum inesperado incorruptível, da têmpera de um redivivo Maximilien de Robespierre[1], os nossos deputados e senadores aprovassem, na presente versão, o texto proposto pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
[1] Maximilien de Robespierre (1758-1794), convencional, chefe dos Jacobinos, um dos principais líderes da Revolução francesa, célebre pela incorruptibilidade, até hoje é personagem controverso, a ponto de o Presidente Mitterrand, nas comemorações do segundo centenário da Revolução (1989) ter determinado que não lhe fosse dada maior atenção, dentre os personagens celebrados.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
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Um comentário:
O artigo é de grande inspiração e toca profundamente todo o cidadão que tem sentido na carne o corte diário, o corte regulamentado pelo poder instituído, de seus direitos mais básicos.
Me surpreendeu positivamente, conforme teus comentários,a seriedade e profundidade do documento do MCCE.
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