Quando as questões diplomáticas são mal conduzidas seja política, seja juridicamente, ou, talvez como se configure no presente caso, em ambas as vertentes, não se poderia esperar que os resultados sejam satisfatórios, ou que acenem em melhorar com a evolução (ou involução) dos acontecimentos.
Como referi anteriormente, a tradição diplomática brasileira é originária de Alexandre de Gusmão, o célebre secretário de D. João V, que foi o autêntico maestro do Tratado de Madri de 1750, base do traçado do Brasil moderno, e tão justamente admirado, até pelos próprios negociadores de Castela, com à frente o grande de Espanha D. José de Carvajal y Lancaster.
Além do grande princípio do uti possidetis, a base jurídica e o segredo do êxito não só de Alexandre de Gusmão, mas de seu epígono e patrono da diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco, outro princípio basilar da diplomacia nacional sempre foi desde os tempos do Império, com os trabalhos do Barão de Ponte Ribeiro, o estudo da documentação pertinente e dos antecedentes, a seriedade e a consequente coerente continuidade nas negociações diplomáticas.
Os grandes sucessos de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, não são o produto de mágica ou da deusa Fortuna. Respondem ao trabalho diuturno com velhos mapas, alfarrábios, maços de chancelaria, muitos livros e a própria experiência diplomática, em que o saber do ofício se conjuga com o conhecimento geral e a necessária prudência do negociador.
A vigente Constituição brasileira, assinada em 5 de outubro de 1988, pelo seu artigo 4º dispõe que o Brasil se rege nas suas relações internacionais, dentre outros, pelos seguintes princípios: independência nacional, auto-determinação dos povos, não intervenção, solução pacífica dos conflitos e concessão de asilo político.
Tais institutos não surgem por acaso em nossa Constituição. São o resultado de longa evolução, que fez a Chancelaria brasileira, muito antes de conhecida por Itamaraty, reconhecida e respeitada pelos governos dos países irmãos da América Latina e, em particular, da América do Sul. Tais princípios portanto não são adornos postiços de nossa cultura diplomática.
Quanto mais se aprofunda a análise da atual crise hondurenha, é necessário ter presente alguns fatos que para observadores não toldados pela parcialidade se afiguram inegáveis:
- tanto o presidente constitucional Manuel Zelaya, quanto o presidente de fato Roberto Micheletti, não estão isentos de culpa no surgimento e na eclosão da crise. O principal erro de Zelaya está em querer forçar o referendo da reeleição, abolindo a cláusula pétrea da não-reeleição; o de Micheletti e seu grupo, o de expatriar à força o presidente constitucional, ao arrepio de norma da Constituição hondurenha;
- a volta de Zelaya à Honduras, afinal alcançada, teve o apoio logístico do caudilho Hugo Chávez, que disso não fez segredo na tribuna da Assembleia Geral;
- as elogiosas referências de Zelaya ao Presidente Lula e a Marco Aurélio Garcia tendem a apontar para uma entrada em cena ex-post do Itamaraty. Sem embargo, a ‘decisão pessoal’ de Zelaya de refugiar-se na Embaixada do Brasil foi antecedida por consultas do presidente hondurenho a Lula e ao Ministro Celso Amorim;
- ao concordar em dar refúgio a Manuel Zelaya, classificando de ‘abrigo’ a sua situação, o Itamaraty se afastou de secular postura de não-intervenção nos assuntos de outros países, eis que, pelo desvirtuamento do instituto do ‘asilo diplomático’ se deu ao presidente hondurenho a possibilidade de atuar politicamente, usando a acanhada plataforma da embaixada brasileira em Tegucigalpa. Ora, esta jogada decerto ideada por Hugo Chávez, tenciona valer-se indevidamente da proteção jurídica concedida pelo asilo diplomático, para a intervenção política que o direito constitucional de asilo não comporta;
- em consequência, o Itamaraty, por motivos e/ou conjuntura política interna que não nos é dado determinar, foi forçado a sair do régio caminho aberto por nossos antepassados, para cair no pântano das artimanhas ad hoc que nunca foram da preferência dos grandes responsáveis pela diplomacia imperial e republicana brasileira.
Ao abandonarmos, outrossim, o princípio da não-intervenção em questões internas de outros países, corremos o risco, como se verifica no presente, de perdermos a condição de parte insuspeita e de sermos alvo de diatribes e de acusações de outra parte, que não mais se vê tolhida pelo respeito ditado por participação acima das eventuais conveniências de partido.
A diplomacia não é campo para troca de doestos e de incriminações. Se principiamos a ser alvo desse tipo de argumentação, algo está errado e, quem sabe ?, disso não tenhamos eventual culpa em cartório.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
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Um comentário:
Realmente, nem o presidente em exercício, nem Zelaya são inocentes.Me parece que o Brasil"caiu "em uma manobra política que compromete a usual postura da não intervenção em assuntos de outros países. Gostei muito, neste contexto, do sentido da palavra pântano.
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