No lotado grande salão do Congresso, Obama discursou perante democratas entusiastas e republicanos silenciosos. Depois de um agosto difícil para o presidente, com a queda nas pesquisas, e as crescentes dúvidas acerca das perspectivas de aprovação da reforma da assistência sanitária, todos estavam conscientes da importância do momento e de o que se achava na verdade em jogo. Não se tratava apenas de mais um malogro da reforma da saúde, que desde Theodore Roosevelt em 1912 vem sendo em vão discutida pelo povo americano.
Ao adentrar a sessão conjunta e ascender à tribuna, com a sua imagem emoldurada pela speaker Nancy Pelosi e pelo vice Joe Biden, na qualidade de presidente do Senado, Barack Obama tem bem presente que irá pronunciar a mais importante alocução deste primeiro ano do próprio mandato. Tampouco há de duvidar de que da intervenção pende não só a sorte do plano de saúde, senão a perspectiva de ambicionar a conquista de um segundo mandato.
Alterando a postura anterior, de quem se limitara a enunciar grandes linhas da reforma, sem descer a questões específicas, o Presidente igualmente enrijeceu a sua mensagem. Condenou a politização do debate e a orientação republicana de opor-se à reforma não por considerações de estado, mas guiada pelo único objetivo de tentar enfraquecer-lhe a Administração e ganhar ‘pontos políticos’.
Enfatizou a necessidade de apoiar reforma que se proponha universalizar o atendimento médico-hospitalar e reduzir o dispêndio anual de US$ 2,3 trilhões das famílias e do governo.
Encareceu, outrossim, o Presidente o fim das querelas partidárias e que os ‘inimigos da mudança’ (i.e., aqueles segmentos com lucros desmedidos pela própria existência talvez do sistema de saúde mais caro do mundo) abandonem suas ‘táticas do medo’, vale dizer campanhas que espalham pela mídia mentiras sobre a reforma, como o famigerado ‘conselho da morte’ (equipe de especialistas que decidiria se pacientes deveriam morrer), ou o financiamento de abortos.
Obama verberou tais práticas: ‘É um espetáculo partidário que só faz aumentar o menosprezo que muitos americanos sentem pelo seu próprio governo. O tempo para discussões acabou. O tempo para truques passou. Agora , é hora de agir’.
Ao afirmar que a reforma não previa o atendimento aos imigrantes ilegais, o deputado republicano pela Carolina do Sul, Joe Wilson, o interrompeu com o grito de “Você mente!”. Esse tipo de interrupção, comum no Parlamento britânico, mas inaudito no estadunidense, foi rebatida por Obama, que repisou existirem atualmente trinta milhões de pessoas não abrangidas por plano de saúde.
O Presidente foi objetivo no que precisa ser alterado. Tornou a explicitar as vantagens da opção pública – i.e., criação de entidade de seguro-saúde estatal que concorreria com as particulares, para determinar a redução nos preços dos planos. Não obstante, repisou que tudo é negociável. Nesse sentido, fez derradeira tentativa de incluir nas negociações a oposição republicana, enfatizando os interesses de uma ação bipartidária.
A despeito desta mostra de flexibilidade, Obama deixou meridianamente claro que não admitirá a permanência da atual situação. Assim, se se confirmar a não-participação dos republicanos, o presidente se empenhará pela reforma da saúde, seja valendo-se das maiorias democratas em Câmara e Senado, abrangendo todo o projeto, seja recorrendo no Senado à chamada ‘reconciliação orçamentária’, procedimento técnico que permitiria eludir a filibuster (V. a propósito o meu blog de primeiro de setembro corrente, A Reforma da Assistência Sanitária: Perspectivas).
Nas pesquisas realizada a quente, logo após a conclusão do discurso, se registrou um dramático aumento do apoio ao plano de reforma da Administração Obama, com uma alça de 14 pontos percentuais. Naquela efetuada pela CNN, os totais são de 67% a favor e 29% contra. Em outras tomadas de opinião, a taxa do apoio passou de 65% a 75%.
A respeito, existem duas considerações que relativizam um tanto esses saltos no apoio da população. Em primeiro lugar, os totais obtidos por Obama pouco diferem dos ganhos de Bill Clinton, em setembro de 1993, após seu discurso pelo então plano de reforma, a cargo da esposa Hillary Clinton. Por outro lado, se supõe que os totais de republicanos opositores na população deixem de ser adequadamente refletidos pela circunstância de que boa parte deles simplesmente não assista ao discurso presidencial.
Considerações sobre o mapa do caminho.
O futuro da proposta de reforma de saúde não depende exclusivamente da intervenção de Obama na sessão conjunta da noite de nove de setembro. Espera-se que haja contribuído para reenergizar o esforço, conquanto muito vá depender de continuada firmeza presidencial. A tal respeito, o Chefe de Gabinete do Presidente, Rahm Emanuel, conhecido por seus métodos políticos, não deixou de recordar àqueles democratas com dúvidas de princípio que “a incapacidade de agir terá aqui consequências políticas”. De resto, a debacle democrata de 1994, depois do fracasso da reforma Clinton, é, para os que deixam de apoiar a posição partidária, lembrete com a sutileza de paralelepípedo.
Há outros traços no atual quadro que induzem a moderado otimismo. Além de persistir maioria da população favorável à reforma (cerca de 60% antes do discurso), sem embargo das apelações republicanas e das tergiversações da Casa Branca, é especialmente significativo que os personagens com maiores interesses em jogo na dita reforma (hospitais, médicos, asseguradores e a indústria farmacêutica) não abandonaram as negociações.
Para Ralph G. Neas, o diretor da Coalizão Nacional da Assistência Sanitária, e veterano de lutas legislativas em Washington, o considera fato sobremaneira importante. “Essa gente se diz: ‘podemos conseguir mais trinta a quarenta ou até cinquenta milhões de novos clientes. Isso é do nosso interesse’. Assim, tanto quanto outros fatores, essa consideração pode fazer avançar o acordo.”
Pelo visto, por conseguinte, o jogo continua aberto. Existe mesmo força inercial que trabalha em prol de alguma forma de mudança no setor, eis que há a conscientização difusa que o sistema é muito caro, que não poucos ganham excessivamente, e que boa parcela da população continua sem assistência médica.
Se haverá condições políticas para a gestação da verdadeira reforma, e não um arremedo de reforma, ou até uma reforminha, ainda é cedo para determinar. Sem embargo, a iniciativa do Presidente Barack Obama pode evoluir para assinalar momento relevante no trabalhoso e atribulado processo da busca pelo povo americano de plano geral de assistência sanitária que enfim corresponda a seus interesses e necessidades.
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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Um comentário:
O desfecho dos planos de saúde no atual governo americano me remetem a situação semelhante no Brasil: a reforma da previdência.O projeto do Senador Paim está destinado as gavetas.Será, em função da eleição, tomada alguma medida que beneficie os aposentados?
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