A ‘materialização’ de José Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras, na porta da chancelaria da embaixada do Brasil em Tegucigalpa, se acontecida na segunda-feira, vinte e um de setembro, continua a se fazer sentir, e de forma cada vez mais incômoda, na política diplomática brasileira.
Ambiguidade não acidental caracterizou o ingresso de Manuel Zelaya em local submetido às normas da exterritorialidade. O asilo diplomático, que é instituto do direito internacional público, com particular uso na América Latina, vem sendo aí desvirtuado por objetivos que nada têm a ver com a sua finalidade jurídica, que é a de assegurar proteção ao demandante.
Segundo noticia a Folha, em despacho do enviado especial Fabiano Maisonnave, o presidente deposto Manuel Zelaya exortou ontem a população do país a “promover atos de desobediência civil”contra o regime de Roberto Micheletti. O comunicado de Zelaya prega abertamente a revolta : “chamamos (o povo) à resistência para vencer aos que nos roubaram a paz, e a organizar-se, em cada aldeia, povoado, município, para fazer atos de desobediência civil contra a ditadura”.
O incrível apelo acima transcrito contraria não só os ditames mais comezinhos de direito internacional. Ao instrumentalizar de modo tão gritante e desavergonhado o direito de asilo, antes convertido em equívoco direito de abrigo ou de refúgio, é imperativo que se tenha presente alguns fatos inarredáveis:
o único fundamento jurídico válido, a cuja proteção Zelaya pode aspirar, é o direito de asilo. Qualquer adaptação subreptícia deste instituto – como um suposto direito de abrigo ou de refúgio – não terá qualquer validade no direito internacional, eis que nenhuma autoridade pode legislar ad hoc, criando derivações jurídicas de um instituto de prática centenária;
ao aceitar o asilo, a pessoa favorecida deverá abster-se de qualquer atuação política, obrigação que carece de ser mantida durante toda a extensão de sua permanência nas dependências da missão diplomática; e
o princípio constitucional da não-intervenção nos assuntos internos do país em que a embaixada se acha acreditada é uma das bases do respeito à exterritorialidade dessa missão.
Ao comportar-se com a desenvoltura supramencionada, Zelaya se está colocando fora da lei e de quaisquer parâmetros diplomáticos. O presidente deposto ignora acintosamente as orientações do governo Lula, e em especial a recomendação do Ministro das Relações Exteriores que não faça “qualquer tipo de manifestação que possa ser interpretada de maneira equivocada”.
Forçoso será reconhecer que o señor Zelaya tem agido de forma contrária ao que se poderia esperar de um postulante de asilo. Diante de uma embaixada sublotada e com um único funcionário diplomático, José Manuel Zelaya se comporta mais como senhor da casa em que adentrou, de o que seria lícito esperar de um candidato a asilo diplomático (ou abrigo). Não só a esposa Xiomara e familiares o acompanham, senão uma centena de pessoas, causando o inevitável caos nos acanhados recintos da chancelaria da missão brasileira.
Atualmente, retém junto dele cerca de sessenta pessoas, em arremedo de comitiva ou de clientes e apaniguados de eventual chefe político. Pelas fotos do agrupamento, há ambiente de desmazelo e de informalidade vizinha da desordem. Nada que de longe pareça a sobriedade da situação penosa que procura manter a própria dignidade.
Não há de surpreender deveras que tudo isso conduza à emissão pelo governo de fato hondurenho de comunicado em que acusa o governo brasileiro de instigar uma insurreição dentro de suas fronteiras. No documento, o secretário de relações exteriores do governo Micheletti afirma que a embaixada tem sido usada para instigar a violência e a insurreição contra o povo hondurenho e o governo constitucional.
Nesse sentido, o governo de Honduras dá um prazo de dez dias para decidir sobre o status do presidente deposto José Manuel Zelaya.
A respeito do aludido comunicado, a parte brasileira já expediu nota à imprensa de que não tenciona responder ao dito ‘ultimatum’.
Por sua vez, Lula, na reunião organizada por Chávez em Isla Margarita, veio a público no seu estilo habitual para dizer que o Brasil não aceita ultimatuns de governos golpistas. Acrescentou, outrossim, que não tinha o que negociar com Micheletti e aduziu que “Zelaya era um hóspede da Embaixada do Brasil”.
Infelizmente, senhor presidente, a negação da evidência não determina necessariamente que a dita evidência deixe de existir.
Informações ulteriores parecem indicar, contudo, que o presidente não é tão impérvio à realidade hondurenha quanto aparenta. Preocupado com os abusos do refugiado, determinou ao seu Ministro das Relações Exteriores que telefone a Zelaya para dizer-lhe que não incite protestos de qualquer natureza enquanto estiver abrigado na embaixada. Isso não difere muito, é verdade, do anterior recado de Amorim, conquanto leve agora a chancela presidencial. O futuro dirá se Zelaya, nessa altura dos acontecimentos, se conformará à ordem de Lula.
Se Zelaya é hóspede, precisa respeitar a sua alegada condição, e sobretudo a tradição diplomática brasileira, que é avessa à utilização de embaixadas como plataformas de desrespeito à ordem constituída. A incitação à desordem é inadmissível. Há outros meios, constantes da prática diplomática, para alcançar a composição política.
Não se trata de dialogar com quem quer que seja, mas sim de atuar de forma responsável, coerente com os nossos princípios diplomáticos e toda a tradição diplomática brasileira.
Que de tão inconteste, se acha consignada até nos Princípios Fundamentais da Constituição vigente, de que consta o nome de Luiz Inácio Lula da Silva, na lista encabeçada pela assinatura do ilustre Ulysses Guimarães.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
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