Será apenas um episódio perdido entre tantos outros na Administração Barack Obama ou representará algo que nos ajude a melhor entender como evoluirão as relações entre o presidente e a oposição republicana ?
Na abertura do ano letivo nos Estados Unidos, logo após o feriado do Labor Day (o dia do trabalho), tradicionalmente festejado na primeira segunda-feira de setembro, acorreu ao Presidente a ideia de dirigir-se aos jovens alunos dos cursos primário e secundário das escolas americanas.
Apesar de não ser o primeiro presidente americano a fazê-lo – dentre os que o precederam nesse campo está um ícone dos conservadores republicanos, nada menos que Ronald Reagan – a direita estadunidense recebeu tal iniciativa com histérica hostilidade.
Como explicar esta inusitada e apriorística agressividade dos republicanos em geral, dos evangélicos e dos apresentadores de programas radiofônicos do gênero de Rush Limbaugh e similares ?
Na verdade, a direita teme a capacidade oratória de Barack Obama. Que a atribua a artes do demônio ou à maligna habilidade retórica de um cripto-socialista, a consequência em termos de comportamento não há de diferir muito. Eles têm medo da verve e dos poderes suasórios desse político democrata, e por isso traduzem a própria aguda insegurança em reações emotivas e irracionais.
A resposta dada por esta direita raivosa ao anúncio da Casa Branca de que Barack Obama faria preleção para os jovens alunos, gravada em vídeo, e a ser distribuída às escolas americanas, ultrapassou todos os limites em termos de paranóia.
Para interpretar os motivos e intenções de Obama, toda a coligação da direita só pode valer-se das próprias suposições e desígnios. Não sendo dos mais confessáveis, ela não terá outra escolha que imputar ao Presidente os propósitos mais sombrios e traiçoeiros. Em prodígios de auto-excitação e de retroalimentação, não se pejaram em cair em insanas e estapafúrdias diatribes, como se o satânico Obama – que segundo eles nasceu no Quênia e não no Havaí – se propusesse doutrinar politicamente a juventude americana, para convertê-la ao socialismo e outras heresias do demo.
Partindo desse submundo ideológico, as selvagens deformações da realidade, com o apoio interesseiro de estamentos ditos conservadores, repercutem muito além de suas limitações e da respectiva entranhada mediocridade.
Desde muito a direita republicana não tinha adversário da envergadura de Barack Obama. Se Bill Clinton a levava a espumar de raiva, os tropeços sentimentais do antigo governador de Arkansas criaram para essa direita facilidades em instrumentalizar tais pecadilhos a fim de tentar neutralizar-lhe as evidentes qualidades. Talvez não se iludam aqueles que vêem em Obama alguém que possa suceder no ideario americano a Franklin Delano Roosevelt.
Esta perspectiva é decerto anátema para a direita republicana. Que do partido democrata surja um novo F.D.R., versão século XXI, suscitaria nesse conglomerado torpe e reacionário um sucedâneo daquele ódio, tão impotente, quão incontido, que os adeptos do chamado Grand Old Party (G.O.P. – velho e grande partido) sentiam pela sua nêmesis democrata. E se as suas acusações têm causas imediatas risíveis e sem substância, as mais profundas refletem a angústia defronte de um adversário capaz de iniciar um novo ciclo democrático-liberal, a exemplo de F.D.R. , que consignou os republicanos a um gueto político de cerca de vinte anos.
A palestra do Presidente, e o anticlímax da histeria direitista.
Conhecido o teor da fala do Presidente Obama, as sandices e as tolas fantasias da direita se dissiparam como os temores infantis que os raios do sol afasta com a bela e monótona regularidade das róseas auroras que nos canta Homero.
Era uma conversa, não ao pé do fogo, como as de F.D.R., mas de alguém que não se jacta da própria experiência pedagógica – embora a tenha – e que discorre com a serenidade da vivência e do saber.
A biografia de Obama já é demasiado conhecida, porém continua a ser um forte traço de união para todos aqueles a quem se abrem as sendas do conhecimento.
Enfatizar a responsabilidade pessoal de cada um, a inexistência de atalhos e de soluções mágicas para a respectiva progressão nos estudos, a importância do esforço individual e a contribuição da escola, em seus diversos níveis, para a realização das próprias ambições não são componentes de um quadro temático, pinçados por algum anônimo redator de discursos.
São parcelas reais de uma experiência vivida – do menino que a mãe, sem recursos no estrangeiro para matriculá-lo em escola americana, acordava às quatro e meia da manhã para ensinar-lhe as matérias do currículo – que não recendem ao adocicado de fábulas encomendadas.
Através da leitura da palestra, feita com a naturalidade de um professor, a destreza e a espontaneidade de quem conhece o ofício, sem esquecer a tácita e discreta presença da autoridade presidencial, se tem a oportunidade de um duplo e grato exercício.
Deste exercício, a primeira parte a devemos à competência de Barack Obama que se conforma à maravilha diante de o que se espera de cada orador, vale dizer, comunicar-se em toda a extensão da palavra com o seu público determinado, de forma acessível e inteligível. A motivação simples, a que a alocução se propõe, é uma decorrência de tais qualidades.
Por cortesia da rábida oposição, nas entrelinhas se colherá a prazerosa certeza da lenta, gradual e inexorável desconstrução de ridícula e, porque não dizer, estúpida acusação de uma direita forçada a engasgar-se nos próprios despautérios.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
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