Há três questões neste escândalo de renovado recurso à aplicação da censura, por via do Judiciário, que gritam por serem expostas.
Primeiro, a própria circunstância agravante da demora no julgamento da censura ao Estado de São Paulo, decorridos trinta e quatro dias da concessão da liminar pelo desembargador Dácio Vieira ao filho de José Sarney, Fernando Sarney, que proíbe o jornal de publicar dados sobre a investigação da Polícia Federal acerca de negócios do empresário.
Causa estranheza e preocupação a circunstância que uma liminar, concedida com presteza por pessoa das relações do clã Sarney (a ponto de ser impetrado recurso de exceção de suspeição pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira), venha a ser posteriormente prorrogada na prática, a treze de agosto, pelo Desembargador Waldir Leôncio Cordeiro Lopes, do mesmo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em decisão em que o intuito dilatório transparece cristalinamente, Lopes Júnior invocou prudência, para procrastinar a respectiva deliberação acerca do mandado para depois de receber informações do próprio Dácio Vieira e, o que mais caracteriza o desígnio protelatório, o parecer da Procuradoria da Justiça.
Segundo, a decisão dos desembargadores Dácio Vieira e de seu colega Lopes Júnior não provem de algum apartado foro da República, ou de um desses grotões, em que magistrados podem por vezes promanar estapafúrdios ditames, mas sim do próprio centro político, administrativo e judiciário da Nação. E, sem embargo do caráter anticonstitucional das sentenças – primo, acolhendo o pleito indevido do filho do Senador Sarney, investigado por tráfico de influência e secondo, denegando liminarmente a ação da parte parte prejudicada - joga para as gavetas de acintosa demora, questão que simples aprendiz de direito sabe que atenta contra a Constituição e, nesse sentido, tem sido regularmente, quaisquer que sejam os seus esgarçados disfarces, derrubada no Supremo pelo abusivo intento de reimposição da censura.
Terceiro, a timidez da sociedade civil e o silêncio incompreensível dos demais órgãos de imprensa e comunicação. Será que desconhecem aquela velha estória da pessoa que não reage diante de seguidas violações do direito de seus vizinhos, pelo motivo egoísta e pouco inteligente de que as transgressões não o atingem diretamente? A censura, em todos os seus avatares, é uma grave falta contra a sociedade e nesse contexto deve ser encarada e combatida.
Por isso, é um verdadeiro escândalo que se permita, com mutismo apenas quebrado pela vítima direta da censura inconstitucional, que persista tal afronta à uma das cláusulas pétreas da Constituição de 5 de outubro de 1988, como se fora questão menor, que se julga poder sufocar nos domínios do Maranhão.
Elemento colateral e que tristemente sublinha continuarmos a carecer de opiniões vindas do estrangeiro para convalidar princípios e garantias estabelecidos pela Constituinte de 1988, é a ampla divulgação – e agora não apenas por O Estado de São Paulo - da crítica de Ricardo Trotti, coordenador da Comissão de Liberdade de Imprensa e diretor do Instituto de Imprensa da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), de que a decisão judicial favorável à família do presidente do Senado, José Sarney, já deveria ter sido derrubada.
Se é oportuno que a SIP se manifeste, é constrangedor, no entanto, que os demais órgãos da imprensa e de comunicação precisem desta muleta alienígena para gritar aos quatro ventos o que só não será óbvio em terras do coronel Hugo Chávez e de seu êmulo equatoriano, Rafael Correa, vale dizer ‘quando a liberdade de imprensa está em risco, quando está em questão o direito das pessoas de saberem, o Judiciário deveria ser mais rápido, de forma a garantir um direito fundamental da democracia, que é a liberdade de expressão’.
Que não nos façamos ilusões. Os direitos, mesmo os mais transparentes e inquestionáveis, só são arrebatados e recuperados mediante o empenho e a luta da sociedade. O egoísmo e o egotismo não são soluções. Se o escândalo da liminar de Dácio Vieira pode persistir por mais de mês, as autoridades – e os falantes – da República não se podem eximir da própria responsabilidade.
Não te esqueças de quando vierem por ti, já não haverá ninguém para te defender.
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
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