domingo, 30 de setembro de 2012

Censura Nunca Mais !


                                      
       O que mais deve surpreender ?   A aplicação, sob  diversos pretextos, da censura judicial, ou a sua condenação extra-judicial, seja através de candentes editoriais, ou de verberações eloquentes – que podem até incluir testemunhos à imprensa de ministros do Supremo Tribunal Federal ?
      Na verdade, nem uma nem outra, pois ambas têm a mesma causa: são manifestações rituais, a primeira com consequências concretas, a segunda, reativa e pro forma.
       Só pode causar perplexidade  sua acintosa proliferação, ou para aqueles que gostosamente compactuam com a abstrusa situação, ou então para os que pensam valerem os protestos isolados e inconsequentes como soluções eficazes, que possam cortar da hidra as cabeças.
        Sem embargo,  embora inconstitucional ex vi de cláusula pétrea da Carta Magna, a censura continua a viver, a repontar por toda a parte, como se inexistissem o artigo 5º, inciso IX, e o artigo 220, parágrafo 2º.
        Na verdade, o engano começa tristemente aí.
        Corre no exterior o dito que o Brasil é um país de muitas leis, que infelizmente não são cumpridas.
       Ao invés de derribar tais assertivas, genéricas e imprecisas, não seria o caso de deter-nos um pouco mais ? Não será decerto difícil topar com exemplos que venham a corroborar tais elaborações.
      No drama da sobrevida da censura, dispomos de sinalização que incomoda, pois derruba  muitos mitos que podem convir aos candentes editoriais dos jornalões.
      Na falta de cumprimento dos inequívocos mandamentos da chamada Constituição Cidadã, o desrespeito à taxativa proibição da censura por via judicial grassa como o inço nos terrenos baldios.
     Primo, não procede que se aponte a censura como um fenômeno interiorano, incrustado nos grotões de que nos falou Tancredo Neves. Na verdade, basta citar a aberta chaga da sentença do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apesar de inconstitucional, a sua injunção continua de pé, não obstante ter até passado pelo STF, que perdeu boa ocasião de rejeitá-la, apoiando-se, por triste maioria, em filigranas jurídicas que, na prática, lhe asseguraram a continuada e inconstitucional existência.
    Secondo, que as censuras judiciais se espalhem por esses Brasis não é algo espontâneo. Data venia,  para tanto, a meu modesto ver, não se poderia asseverar que a inação do Supremo seja  uma das causas desse estranho festival de uma serial inconstitucionalidade.
    Não, meu caro leitor, não estou a brandir paradoxos. Na verdade, por sua reiterada recusa de atalhar de uma vez o problema, por meio da elaboração de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal torna-se a causa principal não só da existência do abuso, senão do próprio crescimento da censura.
    O recente editorial da Folha de S.PauloCensura em Rede -  se é oportuna reprovação de uma prática que ressuscita instrumentos obscurantistas,  próprios dos miasmas da ditadura, e não da atmosfera democrática,  pode também ser lido como um canto fúnebre para a proibição da censura. Elencam-se as transgressões, mas, por falta de reação dos tribunais superiores, se acrescenta a fórmula que, melancolicamente, explica por que o recurso se multiplia, e a censura ao cabo prevalece:  juízes atuam para limitar a liberdade de expressão, numa série de decisões intolerantes que merecem repúdio, mas não pode deixar de ser cumprida.’
      Se as sentenças são inconstitucionais, se elas ignoram a determinação dos artigos 5º e  220, não será pela interrupção da luta - quer pelo cansaço, quer pelo abandono, como se diante de forças superiores - que se deva desistir do bom combate.
     Todas essas determinações se fundam em causas especiosas, que por motivações diversas (incluindo até as errôneas, mas de boa fé ) precisam ser contestadas, e não, lançadas a uma sorte madrasta, com fundos suspiros que não mascaram a objetiva aceitação da derrota.             
     De uma forma ou de outra,  nossa Corte Suprema carece responder ao chamado, porque é inadmissível que se tolere a continuação de  estado de coisas que agride uma das cláusulas pétreas do documento de cinco de outubro de 1988.
     A frase ‘Censura nunca mais !’ não é simples slogan propagandístico. Para quem conviveu com as páginas brancas dos jornais, os textos camonianos e as receitas, para quem aguentou os riscos burros do censor nos livros, nas revistas e nos diários, para quem via nos cinemas os filmes com o carimbo do obscurantismo burocrático, arte e pensamento vistos com a desconfiança policial, é uma experiência tão vexaminosa quanto dolorosa ser forçado à presença do arrocho, da intolerância e, por que não dizer, do menosprezo ao pensamento que a Censura, nos seus diversos e maléficos avatares, nos confronta a cada dia ?
    A frase Censura Nunca Mais ! não é fórmula expletiva, nem resto de  festa. Muita gente foi perseguida e torturada, perdeu o emprego e até a vida por causa dessas três palavras. É mais do que tempo de o Supremo Tribunal Federal inscrevê-la com o cinzel perene da súmula vinculante, para dar um basta à farra presente da censura judicial.
 

 

(Fonte subsidiária: Folha de S. Paulo)

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