quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Eleição Americana: a Vez da Economia


                               Eleição Americana: a vez  da Economia
 

      Não faz muito este blog se ocupou da alegada imparcialidade do New York Times. Em Notícias do Front (31), de 25 do corrente, nos ocupáramos do ataque desse grande jornal americano a Barack Obama em termos de política externa – Duras Lições para Obama na Primavera Árabe.
      Seguindo o mesmo modelo – artilharia pesada no intróito, seguida por qualificações e observações favoráveis ao Presidente, mas enterradas no corpo da matéria – o Times ora passa para artigo crítico em termos de política econômica, não por acaso o que é visto objetivamente por gregos e troianos como o principal ponto débil da candidatura à reeleição do 44º  Presidente.
      Dados os recentes desenvolvimentos na campanha, e os consideráveis danos que se auto-inflingiu Mitt Romney pelas gafes e, mais do que isso, por  concepção distorcida e preconceituosa de o que deve ser o programa de um candidato a Presidente – declarações essas que ensejaram uma rara unidade nas críticas ao ex-governador de Massachusetts tanto de conservadores quanto de liberais – poder-se-ía supor que o maior jornal estadunidense estaria empenhado em reequilibrar a luta que se conclui nos comícios de terça feira, seis de novembro vindouro.
      Com efeito, mais pelo caráter das respectivas propostas do que pela sua exposição em reuniões (que se pensavam confidenciais) para milionários contribuintes da candidatura Romney, espalhou-se nas hostes do Grand Old Party um manto de pessimismo quanto às reais possibilidades de seu candidato. Estará ele porventura destinado a uma vez mais desenganar a expectativa da militância, tão bem espelhada pelo dito do Senador Mitch McConnell, líder da minoria no Senado, de que tudo se fará para que Barack H. Obama seja um presidente de um só mandato.
      É um estigma da política americana que o chefe do Executivo venha a ser ‘castigado’ pelo eleitorado com a negativa de mais quatro anos na Casa Branca. Nem sempre tal vicissitude terá sido infligida a mediocridades como o Presidente Buchanan, a quem sucedera Abraham Lincoln.
      Sem embargo, tal postura do Senador McConnell se desvelara desde o início do mandato de Obama e, se é natural que a oposição ambicione recuperar a presidência, esta palavra de ordem de um dos líderes republicanos espelha a falta de qualquer sentido bipartidista, ou o que vem dar no mesmo, de preocupação com o estado da União, e a necessidade de unir-se nos grandes temas do geral interesse da cidadania.
     Na verdade, há elementos em demasia no abono desta tese, que apenas repete um deplorável estado de espírito a caracterizar as relações adversariais entre o GOP e o Partido Democrata.
     Para que não se acoime de parcial a visão do autor dessas linhas, semelha oportuno citar o juízo de duas respeitadas personalidades. Na sua obra mais recente ‘É ainda pior de o que parece: como o sistema constitucional americano colidiu com as novas políticas do ExtremismoThomas E. Mann e Norman J. Ornstein trazem o seu categorizado contributo para o atual debate.
    Mann e Ornstein são, na opinião do articulista Ezra Klein, da New York Review of Books, os mais respeitados – e mais citados – estudiosos (scholars) do Congresso Americano. Suas credenciais bipartidistas são reconhecidas: Mann está na Brooking Institution, de centro-esquerda, e Ornstein  trabalha no conservador Instituto da Empresa Americana.
      Semelha, por isso, oportuno, transcrever uma apreciação desses dois especialistas sobre a presente atmosfera política inter-partidária:
      ‘Estudantes de politicas comparativas demonstraram que o sistema americano de limitações e equilíbrios (‘checks and balances’) e a separação de poderes têm mais impedimentos para a ação do que qualquer outra grande democracia. Existem agora incentivos adicionais para a obstrução no processo de elaboração política.
     ‘É testemunho disso o imenso  sucesso eleitoral republicano em 2010 depois de votarem unidos contra virtualmente todas as iniciativas e prioridades de Obama, além de tornar contenciosa e penosa cada votação e implementação, a que se seguiram esforços de peso para deslegitimizar o resultado. E por causa do caráter engajado (partisan) de boa parte da mídia e da tendência reflexiva de muitos na grande (mainstream) imprensa para usar falsas equivalências para explicar situações, fica muito mais fácil para a minoria, no caso os republicanos, empregar filibusters, holds (tomadas de questões supostamente para estudá-las) e outras técnicas de obstrução. O viés para o statu quo do sistema constitucional se torna exacerbado pela disfunção.’
      A falsa polêmica em 2011 do teto da dívida expõe  de forma brutal a irresponsável instrumentalização dessa ocorrência burocrática no passado de parte do GOP, para acarretar a paralisia legislativa, sem excluir consequências mais sérias para a União americana. Como a Casa de Representantes do Speaker John Boehner aparenta continuar republicana após seis de outubro  de 2012 – em função da dinheirama criada pela notória sentença da Corte Suprema Citizens United (que desfez em grande parte o meritório esforço bipartidário de limitar a influência do capital no processo eleitoral) – e como continua imutável a disposição dos líderes do GOP de valer-se de tal expediente, semelha importante assinalar – como enfatizam Mann e Ornstein – que entre 1960 e Agosto de 2011, o Congresso americano levantou o teto da dívida por sententa e oito vezes, quarenta e nove sob presidentes republicanos, e vinte e nove sob presidentes democratas.
       Nada vinca com maior força a hipocrisia e a ausência de qualquer seriedade na questão que o manifesto caráter burocrático com que as votações sobre a elevação do teto da dívida eram encaradas até pouco tempo. Já sob Bill Clinton o Speaker Newt Gingrich tentara essa chantagem, o que lhe saíu pela culatra, com a reeleição do presidente democrata. Dessarte, a disposição do  Tea Party – com a sua oposição direitista e energúmena – tem contribuído para o desprestígio da Câmara Baixa, pela radicalização de Eric Cantor (líder da maioria) e do próprio Paul Ryan (chefe da Comissão do Orçamento e companheiro de chapa de Mitt Romney). Se o que era medida de rotina passou a pomo de discordia, não espanta que colunistas respeitados como Elizabeth Drew manifestem incredulidade, dada a desimportância de um procedimento burocrático que, por inconfessáveis motivos, passou a ser cinicamente instrumentalizado por quem não parece importar-se  que, junto com a água suja da bacia, vá junto também a criança nas crises artificiais a atingirem o Tesouro americano.
          Ao ler a descrição por Mann e Ornstein da tendência da grande imprensa de relativizar situações determinadas, ao ‘usar falsas equivalências para explicar situações’, a alegada imparcialidade v.g. do New York Times não pode senão favorecer o lado republicano. Ao comparar alhos com bugalhos, e colocando as propostas dos radicais republicanos (com Ryan à frente) no mesmo pé com os resultados obtidos a duras penas pela Administração Obama, implica em induzir o leitor a uma visão distorcida, na qual visões amadorísticas e demagógicas (como a de Romney de cortar os impostos dos ricos e diminuir o tamanho do governo) se contrapõem a taxar de professoral que o déficit herdado pelo presidente esteja a caminho de ser cortado pela metade, só que um ano após o prometido.
         Mutatis mutandis, seria bom recordar a empulhação da economia da oferta (supply side economics) do então presidente Ronald Reagan, com o êxito que assinalou o segundo mandato de Bill Clinton, com a série de orçamentos fiscais superavitários.    
         Grita aos céus  que a dita imparcialidade da avaliação jornalística acerca de duas posturas radicalmente diversas só pode objetivamente aproveitar  uma das partes – a republicana – ao descobrir-se colocada, pela gentileza prudencial da grande imprensa, no mesmo nível de  um projeto sério de governo.
       Fundada no grande capital e na direcionada munificência de Wall Street, não é demasiado árduo entender o porquê de um tratamento tão artificial e tão manifestamente direcionado a favorecer um dos lados, apenas pela circunstância de atribuir-lhe propósitos  tão válidos quanto o concernente a essa aguada versão da esquerda, que é o liberalismo (no sentido americano) do Partido Democrata.
      Sinceramente, resulta difícil de engolir que se possa pôr no mesmo nível de um lado um partido que, no nível estadual, se empenha em legislação de dúbia constitucionalidade voltada a criar obstáculos para as populações menos favorecidas  possam exercer o seu direito de voto, e no nível federal, se propõe derrogar a Reforma Sanitária Custeável (ACA) e, assim, retirar de cerca de cinquenta milhões de americanos a proteção médica que lhes foi estendida por essa grande reforma da Administração Obama.
       Ainda assim, entre a burrice militante e a entranhada má-fé da direita populista na Terra de Tio Sam, o jornalão por excelência pelo menos enseja a possibilidade de o leitor atento colher aqui e ali elementos que, por voltairiano propósito, se lança à sua consideração para que logre desconstruir o edifício reporterial. Embora se pudesse desejar mais, a dita equivalência pode até ter alguma utilidade...

 

 
( Fontes: International Herald Tribune, The New York Review of Books).

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