segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Cheiro de Enxofre ?


                                       

      Embora a designação do Ministro Teori Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), parecesse demasiado rápida, o alegre coro dos colunistas, com profusos elogios (competente, ‘linha dura’) veio, a princípio, suavizar-me  dúvidas e  inquietudes
     Eis senão quando leio o artigo de Ricardo Noblat de O Globo de hoje, e me dou conta de que a reação de suspicácia quanto à pressa do governo de Dilma Rousseff não se afigurava tão despropositada assim, quanto a entusiasta recepção em política e direito me induzira a rever.
    Antes de ocupar-me da oportuna matéria do jornalista Noblat, gostaria de relembrar ao leitor o que penso sobre o processo de indicação presidencial (e de avaliação pela comissão competente do Senado) dos candidatos a ministros de nossa Corte constitucional.
    Se cotejarmos o modelo brasileiro com a atenção e o cuidado dispensados pelo Presidente dos Estados Unidos - a quem compete o encargo constitucional de submeter ao Senado o nome do juiz (ou juiza), para compor o plantel de nove membros da Corte Suprema - assim como as inúmeras audiências públicas reservadas à apreciação pela Comissão de Justiça do Legislativo estadunidense – antes de o nome do indicado ao cargo vitalício ser aprovado ou não pelo Senado e o Congresso americano,  a reação de qualquer pessoa com algumas luzes na matéria não poderá ser senão a de consternação ou até embaraço.
   A instâncias de Rui Barbosa, com a queda do Império, a primeira Constituição republicana foi muito influenciada pela americana. No capítulo jurídico, o papel de nosso Supremo foi moldado pelo exemplo da Carta Magna americana que,  com as suas relativas poucas emendas, continua a fundar-se no texto aprovado pelos constituintes do século dezoito.
   Lá, ao norte do Rio Grande, são inúmeros os candidatos designados pelos respectivos presidentes que foram rejeitados pelo Senado. No Brasil, será acaso a qualidade dos juízes indicados por nossos presidentes refletida e realçada pela solitária recusa do  nome de Barata Ribeiro, reprovado pela válida razão de que era médico e não jurista ?
   Passam as décadas e as constituições, e se há grandes nomes nos ministros de nosso Supremo, forçoso será reconhecer que a sua presença constitui a exceção, em um processo de seleção que se caracteriza pela superficialidade e por consequente falta de atenção à seriedade que deveria presidir a escolha.
   Ao contrário do modelo americano, em que o presidente convida os diversos candidatos a audiências na Casa Branca e sem colocar condições e indagações específicas (que não se coadunam com a relevância do cargo) busca auscultar as grandes linhas de  pensamento do entrevistado, já no plano do poder executivo nada ocorre de similar no Brasil. Aqui, o procedimento se cinge – quando não se tem no bolso da algibeira o nome preferido – a consultas presidenciais com personalidades, incluídos os advogados, para que o Chefe da Nação se detenha no nome a ser transmitido ao Senado. De resto, em recente sessão do Supremo, quando da despedida de Cezar Peluso – cuja vaga ora se encaminha para Teori Zavascki – um causídico de nomeada referiu ter partido dele a indicação ao Presidente Lula da Silva do nome do juiz Peluso para o Supremo.
      Foi decerto uma lembrança feliz, que o Ministro Peluso sublinharia, pelo conhecimento e  proficiência na curul,  ainda uma derradeira vez na última sessão de que participaria, ao ensejo da Ação Penal 470. E, no entanto, esse processo relembra o das promoções, tanto no Itamaraty, quanto nas Forças Armadas, em que muita vez prevalece não o melhor nome, consoante referendado pelo consenso das instituições respectivas, mas aquele com o favor de indicações políticas, que não sóem ater-se ao mérito específico do eventual candidato. Ainda nesse campo, há demasiados testemunhos que corroboram muita vez desastrosas preferências do Palácio.
     Infelizmente, não param por aí as falhas no sistema. Há exemplos em excesso que mostram a ausência do necessário respeito às disposições do constituinte de 1988 pela maneira com que a comissão do Senado trata da indicação presidencial.
    O Congresso das quartas-feiras sofre notadamente das restrições provocadas pela sua desídia, eis que todas as principais atividades precisam ser metidas no leito de Procrustes do dia central da semana, a que se associam como jornadas de entrada e saída parte das terças e quintas feiras. Será difícil encontrar legislativo mais mandrião do que o que nos coube nesse latifúndio de Pindorama.
    Engalanado pelo acrônimo dos BRICS e com a sua passagem, na hierarquia dos PIBs, pelo velho Reino Unido, o Brasil carece de um Congresso que trabalhe e não se lixe da opinião pública. A começar, a ele cumpriria buscar atender aos mandamentos da Constituição, e não deixar-nos essa exibição – a que caberia o horresco referens de Virgílio – de letras mortas, triste efeito de plenários que se sucedem através de tantas legislaturas sem prover ao dever comezinho de cumprir o que dispôs a Carta Magna de 5 de outubro de 1988.        
    Será nesse ralo caldo de anêmicas realizações, mais para um Terceiro Mundo de que se alardeia a superação, que o Senado se debruçará sobre a indicação presidencial do sucessor do ministro Cezar Peluso. Renan Calheiros teve pressa em sobraçar o tema, no seu intúito de atender à Presidenta e ver desimpedido o caminho para o que pretende seja a ocupação da cadeira presidencial de José Sarney.
    Na sua coluna, Ricardo Noblat mais adumbra do que assinala, qual seria o escopo da operação urdida pelo Planalto – a mando, presumivelmente, do capo di tutti i capi – a que gostosamente acedeu aquela que foi criada presidenta pela vontade soberana do seu dileto Chefe.
    Diante das declarações de  Teori Zavascki, que assegura ficar fora do juízo do mensalão, despertam estranhável assombro as insinuações de Noblat, que chega a aventar um pedido de vista do processo de parte do novel ministro.
    Com a saída de Peluso, seria um grande erro que o Paço tencionasse valer-se da brecha para sustar o julgamento. É difícil acreditar que as insinuações do colunista possam tornar-se realidade. A Ação Penal 470 representa um marco inegável para a democracia brasileira, sobretudo pela atuação de um punhado de juízes, com Joaquim Barbosa à frente. Querer inviabilizá-la – ou transformá-la em mais um malogro no avanço da Justiça e do fim da impunidade – seria brincar com fogo.
    A Primeira Magistrada da Nação deve zelar pelas instituições e pelo seu correto funcionamento. Não será transformando o Palácio do Planalto em reboque de sombrios propósitos – como os rumores acerca de indultos na contra-mão do sentir da opinião pública – que se há de assegurar um desfecho digno de um Brasil sem donatários.
     Assim como no episódio das orelhas de burro do rei Minos, a verdade será sempre planta teimosa e irrepressa. Não tentem sufocar a maviosa voz dos caniços ribeirinhos. No passado e no presente, a voz do povo não se enterra, a menos que se queira agregar às inconveniências de um projeto insano, urdido sabe-se lá onde, a carga cruel do ridículo.
 

 
( Fonte subsidiária: O Globo )

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