sexta-feira, 15 de julho de 2011

UNE e Oposição

           No passado anterior ao golpe militar de 1964, a sede da UNE – prédio de três ou quatro andares na Praia do Flamengo – era um centro temido pelos governos da época, pois nos seus salões e salas de reunião não havia lugar para o situacionismo.
           A juventude estava na vanguarda dos movimentos de reivindicação e de protesto. Os próprios governos democráticos pré-revolucionários viam tal atitude com a naturalidade que associa o jovem com o inconformismo e sobretudo a negação do oficialismo, na medida em que é modelo de sociedade que as novas gerações encaram como símbolo do velho regime.
           Se alguém desejasse auscultar aquilo que o regime democrático da Constituição de 1946 de alguma forma se opunha ou buscava sufocar, este alguém poderia ler na fachada acinzentada da UNE o que dizia o palimpsesto da vanguarda estudantil. Nas expostas faixas tinham guarida as aspirações da esquerda, na medida em que abraçassem as ideias por vezes radicais, mas sempre generosas e contundentes, que fervilhavam nos espaços buliçosos da construção ocupada pelo movimento estudantil.
           O reflexo contestatório que sentimos na frase do inconformismo hispano-americano – Hay gobierno ? Soy contra ! – ali também pairava, na oposição da nova geração ao statu quo, assemelhado à injustiça, sempre representando o adversário a ser combatido.
           Com a chamada redentora, as coisas mudariam rapidamente para movimento estudantil e UNE. Perderam a sede, acometida por um incêndio cuja origem não carecia de muita explicação.
           Se a oposição era a reação natural de associação de jovens no que concerne ao regime militar, a perseguição a esse agrupamento dito  subversivo seria a contrapartida também provável da ditadura. O paroxismo dessa repressão se refletiria na operação castrense contra o congresso forçosamente clandestino promovido pela UNE em Ibiúna, em outubro de 1968.
           A atual UNE nada tem a ver com a sua antecessora. Não é mais oposição, e sim criatura do petismo. Por mais que o seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, intente afastar-lhe o carimbo de chapa-branca, a designação cai tristemente como uma luva para a associação que ostenta o mesmo nome do passado.
           Se então era sinônimo de independência do movimento, hoje a UNE virou uma sucursal do governo petista. É de fácil determinação esta sua filiação política. Bastaria, se dúvidas houvesse, arrolar os patrocinadores do corrente evento. Lá estão, além da Petrobrás, Eletrobrás-Eletrosul e Caixa Econômica Federal, cinco ministérios na lista : Turismo, Esporte, Saúde, Educação e Transportes.
           Lula e Haddad entoaram loas à entidade. No caso do ex-presidente, elas vieram recheadas de ataques à imprensa – o que deve ser assinalado en passant, porque desafortunadamente e de uns tempos para cá, é tônica recorrente nos seus discursos.
           Por outro lado, a luta desta UNE em livrar-se do apodo de chapa-branca será empresa sem esperança. Com efeito, o discurso da negação envolve aos defensores da tese como a túnica de Nesso.
           Na negação, tantas vezes repetida, está freudianamente embutido o reconhecimento de sua condição oficialista.


( Fonte: O Globo )

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