quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Batalha do Orçamento

           Os republicanos tudo farão para que Barack H. Obama integre, no registro da história, aquele grupo de presidentes marcados por não terem alcançado a medida preconizada por George Washington, o herói nacional, que enjeitou a oferta da segunda reeleição.
           Não são muitos aqueles que não conseguem a reeleição, mas os que viram denegada tal simbólica confirmação pelo eleitorado, o malogro lhes pesa como estigma. Há diferenças, por certo, dentre os mal-aquinhoados, mas se alçará sempre a razão que com o passar do tempo se torna irrespondível.
           No século XIX, temos James Buchanan, o décimo-quinto presidente, que não soube enfrentar o desafio da questão da escravidão. No século XX, Herbert Hoover, republicano, trigésimo-primeiro presidente, levado de roldão pela grande Depressão, Jimmy Carter, democrata, trigésimo-nono presidente, que não uniu, em tempos difíceis, a própria capacidade à energia na liderança, e George H.W.Bush, republicano, quadragésimo-primeiro presidente, o qual, apesar de bom diplomata foi vencido pela recessão. Há outros, mas este rol já nos transmite o essencial, que é a capacidade de liderar e de atender aos problemas maiores. Nesta balança, o candidato à reeleição carece de ser pesado.
           Barack Obama logrou sua indicação para a candidatura pelo Partido Democrata à presidência levado pelos bons ventos da utilização plena da nova tecnologia nos meios de comunicação, e com a binária mensagem do otimismo (yes, we can – sim, nós podemos) e da mudança (change). Desmontou a favorita, Hillary Clinton, a quem pespegou a pecha do voto de apoio à guerra ruinosa de George Bush júnior contra o Iraque de Saddam Hussein. Em verdade, as primárias de 2008 anteciparam o pleito de novembro, no qual Obama, com facilidade, superou o rival republicano, o veterano John McCain.
          No primeiro biênio de seu mandato, o quadragésimo-quarto presidente cometeu dois pecados políticos graves: não trouxe para os que motivara a impressão de relizar a prometida mudança; e não soube valer-se das sólidas maiorias nas duas câmaras para fazer um ataque ao desemprego e à recessão com cores rooseveltianas.
          Semelha árduo explicar em poucas linhas essas duas faltas. Muito terão a ver com uma certa insegurança de Obama. O primeiro afro-americano a residir na Casa Branca, ótimo orador, culto e extremamente articulado, com marcantes passagens por Harvard e pelo Senado, Obama é político que favorece a composição e a formação de amplas alianças políticas. Não obstante o que precede, seu gabinete na Presidência não manteve o contato e a comunicação com as bases nos estados, no estilo de seu primeiro chefe de gabinete, Rahm Emanuel.
         Por outro lado, no que toca ao aspecto econômico-financeiro, formou uma equipe que ainda tinha demasiados laços com Wall Street para estar em condições de realizar as reformas tornadas indispensáveis pelo descalabro permitido pela administração anterior e a falta de fiscalização de Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve Bank. É necessário malhar o ferro enquanto está quente, já diz o ditado, e Obama não dispôs de equipe econômica com ânimo de enfrentar os medalhões de Wall Street. Teria que haver disposição e determinação de alcançar duas metas básicas: criar mecanismos financeiros para tornar inviável no futuro a farra especulatória fundada no mercado sub-prime das hipótecas, dos derivativos e swaps, restabelecer os controles e disposições regulamentares instituídos em função da Grande Depressão e desmontados pelo laissez-faire e a fé inabalável nos míticos poderes do Mercado.
         Seria suma injustiça asseverar que nada foi feito, e a lei Dodd-Frank representa progresso nesse sentido. No entanto, a impressão fica de que as coisas foram feitas pela metade. Tampouco no desastre do Golfo do México, com o considerável derramamento de petróleo oriundo de explosão em plataforma da B.P., o presidente não desvelou a energia que se julgava necessária. Se Obama esteve muito longe da gestão desastrada de Bush no que tange ao furacão Katrina, não soube transmitir à opinião pública o que ela desejava ver.
         Essa atitude um tanto olímpica da Casa Branca se veria impiedosamente exposta pela derrota na eleição senatorial de Massachusetts, em que Scott Brown, candidato republicano com apoio do Tea Party, ironicamente ficaria com o assento do liberal Ted Kennedy.
         A falta de comunicação e o desejo de um impossível apoio bipartidário seriam explicações suplementares para a perda do controle da Câmara de Representantes e a redução na maioria democrata no Senado.
         O segundo biênio se abriu, dessarte, sob signos mal-agourentos, com a maioria republicana liderada por John Boehner, o novo Speaker que sucede à democrata Nancy Pelosi.
         Com a ousadia dos que se acreditam donos da verdade, os republicanos – cuja missão cardeal é fazer com que Obama seja presidente de um só mandato – entraram em colisão contra o presidente e os democratas. Desde muito, é verdade, são antiquadas memórias o ar da fidalguia bi-partidária, que encara no outro lado o eventual adversário e nunca o inimigo. Hoje, os republicanos moderados são espécie em acelerada extinção, de que sobram alguns poucos ameaçados e timoratos espécimes (contáveis nos dedos de u’a só mão).
         Será ingenuidade, por isso, pensar que tal gente vá entender a linguagem dos ramos de oliveira. Obama – que passa a impressão, tanto para os republicanos, quanto para os democratas de alguém tendente a tentar compor-se e, por conseguinte, ceder se o julgar conveniente – viu crescer diante dele uma campanha tanto politica, quanto judiciária, de desmantelar a jóia da coroa do primeiro biênio, i.e., a grande reforma da saúde. Os republicanos, com astúcia politiqueira e voluntária obtusidade, investem contra essa primeira tentativa bem-sucedida de um presidente para a reforma sanitária, escopo perseguido desde os princípios do século passado.
        Sendo o partido dos ricos, financiado pelos irmãos Koch (os arqui-inimigos do meio-ambiente e os apoiadores do ultra-direitista Tea Party), o G.O.P. está com as associações médico-farmacêuticas que engoliram a contragosto a reforma da saúde.
        Por isso, partiram para inviabilizar o que apodaram de Obamacare (a velha técnica de desmerecer o adversário, não lhe concedendo sequer o direito a um nome digno).
        Já votaram a revogação da Lei da Reforma Sanitária, em iniciativa que sabem inutil, porque o Senado democrático não aprovará a demagógica iniciativa dos deputados republicanos.
        Tudo isso, no entanto, se cinge a  artilharia inicial. O Deputado Paul Ryan, presidente (chairman) da Comissão de Orçamento da Câmara propõe, para o próximo ano fiscal – que nos EUA se inicia ainda neste ano – cortes descomunais nas rubricas que favorecem as camadas mais pobres e desvalidas. No seu açodamento, adentra terreno perigoso, pois se volta contra programas médicos de grande valia para o povo americano (Medicare, para os idosos; Medicaid, para os mais carentes). As únicas rubricas intocáveis para Ryan e seus correligionários são defesa e a preservação dos cortes tributários de Bush em favor dos mais afluentes.
         A esta batalha se junge a campanha motivada pela autorização do Congresso ao ensejo da necessidade de ultrapassar o atual teto da dívida pública federal, que anda por mais de catorze trilhões de dólares. O Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, comunicou que se não houver a aprovação do Congresso para elevar o teto, a começos de agosto, o Erário americano cairá no equivalente à falência (default) do comum dos mortais, o que teria efeitos impensáveis sobre as obrigações do tesouro americano (hoje, fundados em critérios de um juizo de antanho, considerados virtualmente sem risco). Essa irresponsabilidade republicana teria consequências algumas inimagináveis hoje, outras assaz próximas, como a piora da recessão e do desemprego.
         A loucura humana desafia a imaginação dos ficcionistas. Contudo, é relevante aduzir-se que tal demência política tenderá a proliferar se pensar arrimar-se na eventual debilidade do adversário, no caso o Presidente. Nos observadores, paira o temor de que Barack Obama não evidencie a têmpera de Bill Clinton, quando da chantagem de Newt Gingrich, ao provocar o fechamento parcial do Estado por falta de fundos.
         A luta política se descobre complicada por manobra adicional e também demagógica de propor nova emenda à Constituição, que vedaria aos pósteros orçamentos públicos desequilibrados – fundos e despesas devem equiparar-se. Tal disposição traria mais água ao moinho republicano: na prática, está proibida a criação de novos impostos. Essa estapafúrdia medida – que compromete o futuro para um suposto ganho político imediatista – não semelha ter possibilidades de reunir as indispensáveis maiorias de dois terços em Senado e Câmara para a aprovação (que não tem de resto o facilitário das reformas constitucionais brasileiras, eis que careceria de ser aprovada igualmente por 38 assembleias estaduais).
         Dentro de insensata campanha, que não se peja de cinicamente ignorar os perigos que irá acarretar, caso logre abrir os inúmeros frascos – os gênios que desencadearia nada têm de fantasiosos -, a magna pergunta reside no procedimento que virá a adotar o Presidente Barack H.Obama para arrostar esta hidra de mil cabeças e um único fim – abrir o caminho a eleição do candidato republicano, não importa quem seja, por meio da desmoralização do presidente em funções e responsável pela União estadunidense.
         Esta será a pergunta da sua vida política e de sua eventual sobrevivência. Será o enigma que se Obama não decifrar e responder com a força, convicção e determinação exigidas pela hora, sua sorte estará lançada. Como Buchanan, o paradigma dos fracassados mandatários, ele se arrastará até os comícios de 2012.
         Não é necessário ser americano, para não desejar tal eventualidade.


(Fonte subsidiária: International Herald Tribune)

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