quarta-feira, 6 de julho de 2011

A Corrupção

           Caro leitor, que fique bem claro e sem sombra de dúvida. Não há corruptos no Brasil. Este animal daninho, flagelo mais de pequenos do que dos grandes, felizmente em Pindorama não existe. Se foi extinto por nobre, meritória ação das autoridades, não posso dizê-lo. Faltam-me para tanto elementos bastantes. E, nessas questões, a cautela deve ser a norma primacial.
           Percebo, não obstante, um resto de dúvida, quiçá de perplexidade no leitor. Como será isto possível ? Se tal espécie de gente é tão encontradiça fora de nossas fronteiras, de que modo aqui não há jeito de individuá-los e classificá-los ?
           Como os jornalistas ensinam, o corrupto individual não existe. Definir como tal corresponde a temerária irresponsabilidade. Em boa hora, a justiça tem preservado o direito à honra de brasileiros que se sentem injuriados com a aleivosia e a calúnia de um punhado de jornalistas e bloguistas.
           Se não me animo a duvidar das intenções dessa grei – a que, de certo modo, me associei a partir de junho de 2008 -, como todo brasileiro respeito as decisões da magistratura. É verdade estabelecida que não cabe tampouco a nós discutir-lhe as doutas sentenças. Quem tem juízo, assim procede. Nesses termos, como cautela e caldo de galinha que saiba nunca fizeram mal a ninguém, abstenho-me de ulteriores comentários nesse sentido.
          Sem embargo, aqui nos deparamos com o que os gregos chamavam aporia e nós, dificuldade. Pois se é inquestionável a existência de corruptos, desafortunadamente há muita corrupção espalhada por nossa terra, tão fértil, generosa e abençoada por Deus.
          Como faremos para demonstrar-lhe a realidade, se, pelos incontornáveis motivos acima descritos, cá inexiste, segundo o sistema aristotélico, a causa eficiente para o surgimento de tal fenômeno ? Como se abalançar a afirmar que há corrupção entre nós se, para fortuna do Brasil, por aqui não se sinalizam corruptos, que, a exemplo de outras paragens, seriam os fautores desta lamentável, execrável prática ?
          Ora, se há uma pedra – e das grandes – no meio do caminho, vamos recorrer ao chamado jeitinho, este vezo que maldosamente o estrangeiro nos atribui como característica nacional.
          A corrupção nós a vemos na contradição entre uma carga de tributos e taxas, a rivalizar com as mais pesadas do planeta, e o magro retorno que cada cidadão recebe deste virtual pedaço da própria carne cedido em cada transação, ostensiva ou secretamente, cortado pelas facas federal, estadual e municipal ?
          Para onde vai todo o impostômetro se o brasileiro não o vê na educação de seus filhos, na saúde dele e da própria família, no saneamento básico, e na segurança das ruas ermas e nas ditas balas perdidas ?
          A corrupção, ela está nas estradas esburacadas, nas obras de engenharia mal-mantidas, na rede viária dos altos pedágios e das pistas sem acostamento, das pontes cuja manutenção está ao deus-dará.
          Mas ela também se vê e se sofre, no suplício dos hospitais desaparelhados, na afronta à gente sofredora que deles carece, e que deve suportar a insolência dos atendentes, as filas e as esperas intermináveis, o descalabro entre saúde pública e privada.
          A corrupção está presente em todos os quadrantes do Brasil, e o brasileiro, sobretudo o pobre, a sente nas madrugadas das cruéis esperas por uma senha que muita vez não está disponível, ou na ponta de um revólver que lhe é apontado por um meliante qualquer, que pode vagar pelos logradouros com a quase certeza de não ser perturbado pelas chamadas forças da ordem.
          Felizmente, já estão sendo tomadas providências contra este estado de coisas. Como não há corruptos, corre no Congresso legislação que pretende resolver o problema. E a maneira escolhida está no modelo híbrido de Saddam Hussein e das ordenações filipinas (compilações de leis feitas em reinados de monarcas portugueses e espanhóis, quando da união ibérica, e aplicadas igualmente na colônia) . Explico-me: como se sabe, Saddam detestava os mensageiros que traziam más notícias. Por isso, costumava liquidá-los. De outro lado, el-rei e seus ministros sempre resolveram no papel das ordenações as questões da colônia.
          A oportuna simbiose de Saddam Hussein e ordenações filipinas reaparece na projetada legislação, pela qual os provedores da Internet ficam obrigados a manter os registros da atividade on-line de seus clientes por três anos. O escopo da oportuna medida é o de dar acesso às autoridades – sem necessidade de ordem judicial – para que os internautas possam ser responsabilizados e decerto punidos por crimes como, v.g., a calúnia.
         Talvez caiba uma pergunta. Se no Brasil, como está determinado, não há corruptos, de que modo será possível atacar a besta-fera da dimensão de dona corrupção, como este humilde escriba buscou demonstrar nas linhas acima ? Será que isto vai funcionar, se se insiste em atacar o mensageiro ? E não haveria acaso um probleminha com a Constituição, ao tentar resolver de forma policial e administrativa questões que tem a ver com a liberdade de informação ?
         Os laboriosos congressistas, êmulos dos redatores das ordenações filipinas, não acham que isso teria a ver com reinstituição da censura, ainda que pela porta dos fundos ?

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