quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Calote como hipótese de trabalho

           Com o passar do tempo e a consequente aproximação do dia dois de agosto, data em que o Tesouro americano não terá mais condições de postergar o pagamento das obrigações – o teto da dívida, de US$ 14,3 trilhões foi atingido em seis de maio último -, se o Congresso americano não autorizar nova elevação do límite máximo do endividamento, se entrará no chamado ‘calote técnico’, com efeitos em cascata imprevisíveis e não só para a economia estadunidense.
           Há um precedente histórico para esta situação. Em 1994 Newt Gingrich tentou valer-se da elevação do teto para forçar concessões por Bill Clinton, mas a jogada política malogrou.
           A crise atual é uma consequência da radicalização na política. Tornado antiquado o bipartidarismo, vale dizer, a tomada de posições conjuntas pelos dois partidos em questões havidas como de interesse nacional, o impensável tende a ser considerado como possível em um cenário no qual a paixão, ao invés da razão, constitui o fator preponderante na atuação política.
           A atitude do partido republicano é triste demonstração de uma degringolada, e não só nas relações interpartidárias. Em outros tempos, o GOP saberia distinguir entre o interesse nacional e a sua condição de oposição ao governo do Presidente Barack Obama e ao partido democrata. A lógica do primeiro imperativo desfaria qualquer veleidade de atitudes oportunísticas.
           Ao enveredar pelo presente caminho, a liderança republicana dá um testemunho acabrunhante de falta de responsabilidade. Com efeito, ao aceitar a chantagem como meio válido para alcançar os seus objetivos políticos, a bancada majoritária na Câmara ignora o interesse nacional, que é feito refém de um desafio alienado.
          Na sua cegueira facciosa, dá a impressão de não atentar para as catastróficas consequências de seu desígnio. O próprio presidente do Federal Reserve Bank, Ben Bernanke, alertou, em audiência pública no Comitê de Serviços Financeiros da Câmara, que a não-elevação do teto da dívida iria gerar enorme crise, que afetaria o sistema financeiro global.
          As reuniões na Casa Branca vem dando mostra de que o entendimento nacional – que seria a atitude consentânea em tais momentos – é um virtual prisioneiro do desígnio sectário que não trepida em manipular o interesse da sociedade americana para alcançar escopos partidários.
          Na contramão da prática política vigente – que era o de tratar questões como a da elevação do teto com responsabilidade e, portanto, isentas de manipulações sectárias – a iniciativa do Partido Republicano em valer-se do impensável como instrumento de trabalho político, na verdade introduz uma componente deletério no mundo do Beltway (o anel rodoviário de Washington). Se antes os costumes ali prevalentes tendiam a ser vistos como discrepantes da realidade nacional, se a ameaça da chantagem virar realidade, eles serão havidos como contrários a essa realidade.
          Nas citadas reuniões do Presidente com as lideranças dos dois partidos, com o recuo do Speaker Boehner – que havia assentido a uma grande reforma de quatro trilhões de dólares, válida para período mais longo – o vice-líder Eric Cantor preconizou reforma de curto prazo – a ponto de que a elevação do teto da dívida se torne indispensável antes das próximas eleições de novembro de 2012.
          Obama, em reação atípica, pôs termo à sessão bipartidária, levantando-se e deixando a sala de reunião da Presidência.
          Retirou-se após declarar que a brigalhada polítiqueira (political wrangling) confirma o que a opinião pública considera como o pior de Washington. E, segundo inúmeras fontes, afirmou: “Isso poderia derrubar a minha presidência”.
          O presidente, ao referir-se dessa forma ao seu compromisso de vetar qualquer prorrogação de curto prazo para o teto da dívida, enfatizou:  “ Não cederei neste ponto.”
          Como se verifica, a metáfora do pôquer para o atual momento político americano não deve ser apenas vista como simples recurso estilístico.
          O jogo de cartas, com todos os seus imprevistos, não carece de ser projetado como modelo de ação.
         É hora de abandonar as práticas do Velho Oeste, com as suas salas enfumaçadas, e tratar da questão com a responsabilidade devida.


( Fontes: O Globo e CNN )

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