sábado, 31 de outubro de 2009

Saída do Pântano ?

Afinal houve acordo entre os dois campos em Honduras quanto ao encaminhamento para a solução da crise. Determinou-se, assim, que caberá ao Congresso decidir sobre a recondução de Manuel Zelaya à presidência da república e em que condições.
Para tanto, segundo transpirou, as pressões americanas aumentaram bastante, de modo a induzir o Presidente interino, Roberto Micheletti a ceder, e a não mais contribuir para a paralisação nas negociações. O Congresso era a opção privilegiada pelo presidente deposto, na suposição de que aí terá melhores possibilidades de poder no que resta de seu mandato.
Que Washington tenha ao cabo intervindo, e de forma a romper com o impasse, mostra a um tempo tanto as diferenças, quanto as constantes nas relações interamericanas.
Semelha óbvio que em épocas pregressas, o impasse hondurenho dificilmente se teria configurado, pois qualquer posição considerada como adversa à vontade do State Department se teria desfeito quase com a rapidez das névoas diante dos raios do sol.
Por outro lado, o traço constante ora evidenciado está na capacidade singular de que acrescida pressão dos Estados Unidos faça com que o representante do estamento dominante naquele país centro-americano concorde com termos de acordo que não eram exatamente os de sua preferência.
Em tal cenário, a missão chefiada por Thomas Shannon, secretário-assistente para o hemisfério ocidental, prevê que ‘no mais tardar até 5 de novembro’ se instale ‘governo de unidade e de reconciliação nacional, integrado por representantes dos diversos partidos políticos e organizações sociais’.
Está mantida a data das eleições para Presidente e Congresso, a 29 de novembro, assim como a de 27 de janeiro para a posse do novo Presidente. Comissão de verificação ficará encarregada de supervisionar o cumprimento do acordo, sob supervisão da OEA, e em coordenação com instituições hondurenhas e ‘membro da comunidade internacional’.
Acha-se igualmente prevista a formação de comissão de verdade, no primeiro semestre do próximo ano, a fim de ‘esclarecer os fatos ocorridos antes e depois de 28 de junho de 2009.’
O documento subscrito ratifica a transferência do comando das Forças Armadas ao Tribunal Eleitoral, o que, de resto, já aconteceu, de conformidade com a legislação hondurenha, que o determina a um mês da data das eleições.
A premissa do acordo, aceita pelas partes, é a proibição de Zelaya tentar convocar ou promover, direta ou indiretamente, uma Assembleia Constituinte. Como se sabe, esta foi a justificativa para a sua deposição.
Caberá ao Congresso votar o aludido acordo, que será acompanhado de parecer não-vinculante da Corte Suprema.
Em entrevista ao enviado da Folha de São Paulo, Manuel Zelaya frisou que não é seu cargo que está em discussão, e sim ‘a restituição da democracia e do país’. No caso de o Congresso rechaçar o acordo, Zelaya declarou que continuará ‘lutando pelo que tenho direito.’
Uma vez ratificado pelo Congresso hondurenho o acordo obtido pela delegação chefiada por Shannon, e reintegrado Manuel Zelaya na presidência dentro dos parâmetros estabelecidos, será interessante verificar da posição das respectivas influências no eventual cenário pós-crise. A par da reconfirmada influência estadunidense, sob o estilo do Presidente Barack Obama, restará determinar das demais situações.
Se a ausência de qualquer menção de Zelaya ao seu antigo protetor Hugo Chávez significa um decréscimo de importância, ou omissão oportunista, causada por conveniências na disputa com a facção de Micheletti, só o futuro poderá indicar.
Por outro lado, a participação brasileira, acatando a proposta primitiva de utilização da embaixada como virtual base avançada da postulação de Zelaya, pelas próprias características, teve papel secundário no processo decisório para a solução da da crise.
A esse respeito, a OEA (outro ator de que o protagonismo não se assinalou pela eficácia) através de seu Secretário-Geral, José Miguel Insulza, manifestou preocupação com a Embaixada do Brasil cuja ‘situação não está contemplada no cronograma do acordo’.

(Fonte: Folha de São Paulo)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Quem Semeia Ventos Colhe Tempestades

Desde 9 de julho, com o blog Os impostos e as contas de Lula’ esta coluna se tem reportado amiúde à crescente irresponsabilidade fiscal do atual governo e a consequente inexorável queda no que poderíamos chamar os sinais vitais da economia brasileira.
A partir daquela data, foram pelo menos sete blogs que versaram os diferentes problemas decorrentes de uma mudança na gestão da economia. Sem o controle que caracterizara o primeiro mandato e os inícios do segundo, a administração econômico-financeira petista passou a recorrer ao chamado procedimento da O.K.W. (Comando Supremo da Wehrmacht), quando os ventos da guerra com a URSS mudaram. Com a inferioridade no prélio das armas, os comunicados da OKW de Hitler passaram a maquiar a verdade, eludindo-a por elipses ou restrições mentais retiradas e derrotas.
Quem vive na terra da ficção, sabe que a realidade pode ser oculta por algum tempo, porém o somatório dos dados negativos tem a sua própria força inercial, que não há de tardar em desmascarar o intento dos artistas do spin (empulhação, em tradução livre).
Trocando a austera simplicidade da ortodoxia fiscal – que pagou a Lula grossos dividendos com as bazófias do empréstimo ao FMI e a constituição da reserva dita soberana, entre outros indicativos positivos – pelas contorções da heterodoxia, que tantos dissabores nos aprontaram no passado, os pró-gestores Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento), sem cacife político para conterem os caprichos do Presidente e os arroubos da pré-candidata, vem coletando série de resultados negativos na economia, produto da conjunção da marolinha com o do irresponsável incremento de gastos correntes e de desonerações fiscais.
O próprio Secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, afirmava anteriormente que o governo cumpriria a meta do setor público consolidado (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) de economizar 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), para pagar juros em 2009 sem recorrer ao Projeto Piloto de Investimento (PPI).
Agora, com a deterioração nas contas governamentais, o Secretário Augustin se viu forçado a engolir o que dissera. Admitiu ele que a meta de superávit primário de 2009 não será cumprida sem o abatimento dos recursos previstos no PPI, incluindo os gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Com receita líquida total de R$425,408 bilhões e despesa de R$409,035 bilhões, o governo central conseguiu um superávit de R$16,373 bilhões entre janeiro e setembro de 2009 (no mesmo período de 2008 o superávit havia sido de R$80,984 !). Contudo, com esses dezesseis bilhões e 373 milhões de reais, tem o compromisso de entregar sozinho – sem contar os demais entes da Federação e as estatais – economia para pagamento de juros de R$ 42,7 bilhões a três meses do fim do ano.
A pressão sobre as contas do Tesouro e a consequente dificuldade de juntar o montante necessário para o pagamento dos juros (o que explica o recurso ao PPI e a utilização dos depósitos judiciais) se deve (i.) crescimento das despesas de custeio em praticamente o dobro (16,7%) do aumento dos investimentos (8,7%); (ii.) medidas de desoneração no IPI (carros e eletrodomésticos), e (iii.) queda nas receitas com impostos, em função da crise financeira.
O mais grave de tudo é que na inchação dos gastos correntes do funcionalismo público temos uma inversão com escassos efeitos produtivos e permanente peso sobre o orçamento.
Aumentar despesas não-produtivas em época de crise não é um comportamento aconselhável, seja qual for o âmbito em que for aplicado.
Lula trata de nos fazer esquecer o que fez em prol da economia brasileira. E só nos resta esperar que o prejuízo não exceda, com as consequências previsíveis, o benefício antes praticado.

(Fonte: O Globo )

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Desordem Institucional (II)

Como se a intenção fosse de sublinhar a presente anarquia, o Senado Federal prestou-se a uma enésima encenação corporativa. Ao receber a comunicação do Supremo Tribunal Federal determinando a cassação de Expedito Junior (PSDB-RO) – por força de decisão do STF por sete votos a um – o Presidente do Senado, José Sarney, considerou oportuno articular tática parlamentar para postergar o afastamento
do colega.
Foi melancólica demonstração de que, neste país, mesmo que ao arrepio da lei, o corporativismo move montanhas. A fim de aprovar emenda constitucional de autoria do parlamentar cassado – em benefício de quinze mil servidores do antigo território de Rondônia, que passam a servidores federais – o contestado Presidente da Câmara alta ministrou lição de malabarismo político. Em menos de meia hora, para cumprir os dois turnos de votação, Sarney abriu e fechou cinco sessões extraordinárias !
Pensando fazer reparação a injustiçado companheiro de corporação, o Presidente do Senado – aquele que não é homem comum, segundo Lula – arrastou seus colegas a deprimente episódio de corporativismo explicito. Ao mesmo tempo, inda que involuntariamente, evidenciou a sabedoria de outras Constituições. Essas últimas determinam procedimentos de aprovação que tornam as emendas constitucionais não objeto de vazios assomos demonstrativos, feitos a toque de caixa, mas resultado de tramitação respeitável e não de grosseiros truques regimentais. Afinal, a Constituição é a lei magna, e deveria passar ao largo de tais arroubos de assembleia que transformam suas emendas em penduricalhos de ocasião.
Apesar do jogo de cena do velho político – mantido, contra vento e maré, na presidência do Senado, malgrado a maciça rejeição da sociedade civil – todos os direitos legais do Senador Expedito Júnior haviam sido anteriormente respeitados. Cassado em 2008 pelo Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, por abuso de poder econômico e compra de votos na campanha de 200. Confirmada a decisão em junho último pelo Tribunal Superior Eleitoral, Expedito Júnior resolveu esperar o pronunciamento final do Supremo.
A esse propósito, o decano da Corte, Ministro Celso de Mello, apostrofou o comportamento do Legislativo: “Vem-se tornando preocupante esta arbitrária resistência das Mesas da Câmara e do Senado. Já não é a primeira vez que se descumpre decisão judicial. Esta insubordinação é lamentável. É algo inconcebível no estado democrático de direito. (...) Estamos vendo, neste caso, reiterada recusa por parte da Mesa do Senado a cumprir uma ordem judicial. Isso é uma anomalia, se situa na patologia do exercício e da prática do poder.”
Semelha que as críticas de Celso de Mello vieram a calhar para o velho político e coronel do Maranhão – que não se avexa, como sabemos, de recorrer ao Judiciário quando tal lhe apraz e aproveita. Vestindo-se com os trapos do corporativismo, cuidou de organizar, como de hábito às custas da Nação, o show de vazio desagravo ao colega que já se valera de todos os direitos processuais para apegar-se à curul senatorial.
Não poderia ter-nos chegado com maior celeridade a relembrança de como estão realmente as coisas nesta república, e quanto se faz urgente a mãe de todas as reformas, vale dizer, a vera Reforma Política, de que os atuais senadores e deputados, por motivos que não é preciso mencionar, fogem como o diabo da cruz.
( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A Desordem Institucional

Em seu artigo de ontem, o jornalista Janio de Freitas se ocupa na Folha da forma com que o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes ‘se põe a criticar a conduta de Lula, publicamente’, o que a seu ver ‘não está na ordem das coisas’.
Da declaração em tela já a reportara no blog Obra faraônica ?, de 26 de outubro corrente. Antes de opinar sobre a oportunidade da intervenção do Ministro Gilmar Mendes, creio que caberia versar uma questão mais ampla, também aludida pelo citado colunista, por ele intitulada ‘A desordem das coisas’.
Tenho para mim que no Brasil vivemos momento de deriva. Corresponde ao conceito estudado por Arnold J. Toynbee, em seu monumental – e hoje temporariamente esquecido - A Study of History[1], que ele designa pela palavra inglesa drift. Este sentir, comum aos contemporâneos da fase histórica denominada pelo historiador time of troubles[2], reflete a sensação contemporânea de princípios fluidos e de valores pouco respeitados, entre outras características.
Há várias causas que se podem tentativamente alinhar para a presente situação de desordem institucional. É importante que se frise que não falo de anomia. Não é de falta de leis que padecemos. O nosso país, que foi taxado por Edward W. Said como sem personalidade (nondescript), teria até leis demais (consoante lhe foi acoimado por tradicional revista inglesa). Um de nossos problemas estaria – e não sempre segundo o olhar estrangeiro – em que muitas delas não seriam cumpridas.
Será triste herança do legalismo luso-ibérico, a começar pelas ordenações filipinas. Terá herdado o brasileiro essa totêmica fé na realidade escrita, que muita vez é havida por suficiente ? Entraria aí a teoria climática – não a do desastre ora anunciado pelo sumo desrespeito de outra ordem, a da natureza – mas aquela que alguns teóricos fazem remontar a Aristóteles, e que climaticamente determinaria a vocação das populações respectivas. Em consequência, discorrer dos trópicos e de sua nefária influência não é pequeno passo, conquanto equivalha a grande preconceito.
A Constituição de cinco de outubro de 1988, a dita Cidadã por Ulysses Guimarães, tem muitas qualidades e não poucos defeitos. Um deles terá sido que foi elaborada não a partir de pré-projeto articulado (apressadamente enjeitou o proto-texto da Comissão Afonso Arinos) e sim com base no conglomerado Frankenstein. Outro senão – e quiçá mais grave – foi a circunstância de o constituinte pensar construir regime parlamentarista, que ao fim e ao cabo virou presidencialista. Daí, remanescentes de certa indefinição e ambiguidade não só conceitual.
Entretanto, a desordem institucional igualmente terá a ver com os tempos e as pessoas. A propósito da crise do Legislativo muito terá sido escrito. Pelo fato de ela atualmente achar-se em compasso de espera – aqui o tempo, se não resolve os problemas, sobre eles asperge o pó mágico do esquecimento condicional – só na sua superação acreditam os loucos e os parlamentares, a revisitar-nos nesta hora pré-eleitoral, com suas patranhas e promessas de Barão de Münchhausen.
Não apenas o Senado mas também a Câmara se debate nos baixios da mediocridade, da corrupção sistêmica e do corporativismo. A Câmara Alta continua com um presidente que é refém de muitos escândalos e prisioneiro de Renan Calheiros e de sua soturna tropa de choque. Por sua vez, a Câmara baixa tem presidente que ao receber, contrafeito, projeto de iniciativa pública contra a corrupção, deitou fala que lhe ia n’alma (apressou-se em apontar-lhe supostos defeitos), ao invés de elogiar a boa empresa política.
Por isso, o Congresso não tem, a dizer verdade, presença afirmada institucional. Por isso, admite a chamada judicialização, que é a invasão pelo Judiciário de suas atribuições constitucionais (que ele deixa sáfaras). Por isso, se curva ao chorrilho das medidas provisórias, que desvirtuam e engasgam o poder legislativo constitucional.Por isso, admite que o destino de suas mesas seja decidido pelo Executivo, vizinho na chamada Praça dos Três Poderes.
Quanto à Justiça, as suas instâncias máximas mandam igualmente sinais conflitantes para a harmonia das instituições. A dizer verdade, a denominada judicialização é criatura que visa a preencher um vazio, e por tal razão a culpa maior estará não em quem a urde, mas em quem cria as condições para que exista. Certamente o Conselho Nacional de Justiça se empenha em combater nas togas não só o corporativismo, mas igualmente o compadrio. A própria atividade, todavia, se ressente de barreiras, como o demonstra o acinte da inconstitucional censura judicial, que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a princípio através de liminar do Desembargador Dacio Vieira, ousou impor – em favor de Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado – sobre as colunas do jornal O Estado de São Paulo. Dentro da morosidade que a caracteriza e a ocasional ineficácia, a permanência do recurso à censura é chaga purulenta e desrespeito à Constituição e àqueles que gritaram, ao ensejo de sua promulgação, Censura, nunca mais !
Chegamos, por esse aturado caminho, aos páramos da Primeira Magistratura da Nação. Dela tenho pouco a falar, por muito já haver-lhe dito a respeito. Refira-se apenas que participa – e com as gostosas delícias referidas por Aristófanes [3]– da presente desordem institucional.
[1] Um Estudo de História.
[2] Tempos dífíceis (tradução livre).
[3] Poeta cômico ateniense, 445 – 386 a.C.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A Maldição de Bush

Barack Obama chegou como o mensageiro da esperança. Depois de uma campanha política – máxime a grande luta nas primárias com Hillary Clinton – revolucionária, sobretudo na utilização dos meios e da motivação de parcelas do eleitorado há muito afastadas emocionalmente, o recém-empossado Presidente fez dos degraus do Capítólio um discurso renovador, em que rasgava para enorme público um futuro diferente, fundado em país reconciliado com o mundo e respeitador dos tratados. Voltaria à grande avenida não só do consenso, mas do entusiasmo das maiorias, afastando-se do legado da direita raivosa. Em outras palavras, o seu discurso anunciava o anti-Bush.
Helen Thomas[1], decana dos jornalistas acreditados junto à Casa Branca, do alto de sua experiência de quase seis décadas na sala de imprensa do Presidente, nos diz que o dia mais feliz do mandato presidencial costuma ser aquele da sua posse. E os nove meses da Administração de Obama não desmentem esta opinião.
Sua popularidade vem caindo, lenta e progressivamente. A oposição republicana – de um partido que Bush emagreceu até os ossos rijos de uma direita ultra-conservadora, evangélica, em que os moderados são meros remanescentes de corrente em extinção – depois de uma fase de aturdimento, voltou a pegar pesado, concentrando-se na recusa do bipartidarismo em questões de interesse nacional (como a recuperação da economia, depois do estouro da bolha encetado pelas hipotecas subprime ) e na sua política do medo (combate à abolição da tortura, ao fechamento de Guantánamo, e ao suposto socialismo da reforma do seguro de saúde).
A despeito dessa luta sem quartel, ferrenha e intolerante, será talvez no front interno que o governo democrata de Barack Obama semelha ter as perspectivas mais alentadoras. Os tempos não são decerto para róseos quadros, porém – e sobretudo na reforma sanitária – a progressão tem sido sensível. Por ora – e parafraseando Mark Twain – eventuais notícias acerca de seu passamento tendem a ser muito exageradas.
É no campo externo, todavia, em que os horizontes não se afiguram promissores. As sinalizações que Obama fez tanto para o mundo islâmico (alocução do Cairo), quanto para a África (discurso da posse) encontraram públicos que as receberam com abertura e disposição favorável. Essas reações, no entanto, hão de definhar na desilusão e na revolta, se aos princípios lá enunciados não corresponderem ações efetivas e eficazes. Até o momento, a práxis tarda em associar-se ao discurso.
Ironicamente, é no Oriente Médio que a política externa de Obama arrosta os maiores riscos. Justamente Barack Obama que construíra a sua reputação como o anti-Bush, no sentido da negação da guerra do Iraque, enfrentará nesta região os maiores desafios.
Também ironicamente, é nesse cenário – dádiva de seu antecessor Bush júnior – que o Presidente democrata dispõe de apoio republicano, apoio este que lhe é negado em todos os demais campos. O violento ressurgimento do terrorismo no Iraque, como os atentados do domingo em Bagdá, com a morte de pelo menos 132 pessoas, não é somente uma questão interna iraquiana, eis que abala o governo xiita de Nuri Kamal al-Maliki, e, em consequencia, os pressupostos da política de retirada do contingente americano ainda naquele país.
Tampouco é alentadora a situação no Afeganistão. Nesse estranho e montanhoso país, para onde Bush enviara uma expedição punitiva, motivada pelos ataques da al Qaida de onze de setembro, existe conflito que, a princípio ignorado ou menosprezado, se estende desde então. Se o ignaro Bush desconhece a história, a ponto de acreditar vencer o embate e apreender o fugitivo Osama bin Laden delegando as operações a corruptos chefes tribais, será lícito afirmar o mesmo de Obama ?
O Afeganistão, esse cemitério de ilusões imperiais (v.g., a Inglaterra no século XIX e a defunta URSS, na penúltima década do século XX), ressurge como atoleiro. De uma parte, os generais americanos que prometem vitória se receberem reforços (V. o general Westmoreland reivindicando – e recebendo – tropas do Presidente Lyndon Johnson, com a promessa do triunfo no VietNam). Entrementes, de outra, se sucedem as baixas, na defesa de um Estado cujo presidente Karzai – agora, em segundo turno, após um primeiro marcado por milhões de sufrágios fraudados – que dispõe de um tênue controle sobre os chefes tribais regionais. Os expertos militares americanos recomendam que se fortaleça o exército afegão, conquanto haja dúvidas sobre a sua real articulação e se não se trata de estrutura fictícia de soldados que por pouco tempo permanecem em suas fileiras.
Entrementes, a presença do taleban semelha no confuso e atrasado antigo reino a única realidade concreta, de que padecem os seus criadores paquistaneses, e os seus alegados vencedores americanos. Na aliança da OTAN, arrebanhada por Bush, há os contingentes de ingleses, alemães e italianos. Não se estará muito longe da verdade, se a todos esses não unir o desejo de retirar-se no mais breve prazo das contínuas baixas causadas pelos terriveis talebans.
Como definir o legado de George Bush para Barack Obama ? Sem dúvida e sem paradoxo, parece forçoso reconhecer que a estupidez é uma das forças históricas de maior atuação. Por causa das guerras provocadas por seu antecessor, instigado pela dupla Dick Cheney – Donald Rumsfeld e pelo grupelho dito dos neo-conservadores, Barack Obama enfrenta o árduo aprendizado de restabelecer a paz, uma vez acionado o mecanismo infernal do deus da Guerra.
E apesar de tudo que lhe digam os republicanos do Congresso, com o senador John McCain à frente, e os generais do Pentágono, é mister que Obama prossiga na sua aparente surda recusa de mandar mais jovens americanos para as montanhas afegãs. Para que ele persista nesta sensata postura, bastaria compulsar as confissões do ex-falcão McNamara e de tantos outros, arrependidos da colheita de mortes que prepararam, na doce ilusão de uma vitória que estaria quase, quase ao alcance.
Não é, por certo, invejável a posição do Presidente Obama.
[1]É correspondente da UPI há 57 anos, cobrindo todos os Presidentes desde John F. Kennedy.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Obra Faraônica ?

Não faz muito os jornais estamparam com o desejado estardalhaço a árabe comitiva do Senhor Presidente Lula da Silva, levando a tiracolo a pré-candidata fabricada, o suposto plano B e os demais usuais suspeitos e acompanhantes.
Naquela alegre excursão ao longo do Velho Chico, feita com tendas e palanques às mancheias, em flagrante desrespeito à legislação eleitoral, se não na letra, decerto no espírito, a ponto de afinal o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, ter declarado que “nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é uma fiscalização de obras”. E, a respeito, cuidou de acrescentar: “muito de o que se está fazendo, sorteios, entregas de brindes, têm característica de campanha. (...) Estão testando a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral”.
Já colunista política havia assinalado que as autoridades competentes assistiam acocoradas à flagrante desatenção com as normas legais, eis que o comportamento de Lula, em claro desequilíbrio em termos de propaganda, não atende à equiparação de oportunidades e de divulgação, que é uma das pedras basilares da legislação eleitoral. Montada nos altos índices de popularidade lhe assoma a manifesta arrogância, encarando o elevado posto menos como magistratura, do que soberania. Mais e mais, fundado talvez nas melífluas palavras dos áulicos que o cercam, o presidente Lula se proclama superior a seus antecessores, a ponto de sequer trazer para o regaço de poder a companhia de um punhado que seja de os que o precederam na chefia da Nação, e que, nas palavras de Carlos de Laet, além de outras consagrações também hajam tido a da morte. Se tal presidencial atitude não configura hubris, a perene companheira dos que se crêem poderosos...
Mas passemos ao escopo da viagem de Lula, i.e., fiscalizar as obras da transposição do rio São Francisco. D. Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, em artigo publicado na Folha, se reporta não apenas à posição do bispo da Barra, D. Luiz Cappio, mas também àquela dos bispos nordestinos, mais enfronhados no secular problema do semiárido.
Por alguém que se diz católico, a atitude corajosa de D. Luiz Cappio, pondo em risco a própria saúde por objetivo maior, poderia ter merecido alguma respeitosa atenção, e não o acinte da indiferença. Se o fizesse, teria evidenciado que, ao envergar a faixa auriverde, algo lhe tenha crescido não só em orgulho, senão em compreensão e a humildade que dela decorre.
Quiçá o desafio colocado por D. Cappio – e que D. Tomás subscreve – está no próprio diuturno conhecimento da questão. Para o bispo da Barra, a gigantesca obra planejada não é só um risco no papel, porque envolve as gentes do lugar e da região.
O pensamento desta Igreja, que não é palaciana, creio que D. Tomás o resume com felicidade nas seguintes frases:
“A transposição pretende guindar continuamente, em um desnível de 300 metros, 2,1 bilhões de metros cúbicos da água mais cara do mundo para o Nordeste, que, por sua vez, já acumula 37 bilhões de metros cúbicos a custo zero. Se o problema da seca do Nordeste não se resolve com esses 37 bilhões de metros cúbicos armazenados, irá ser resolvido com 2,1 bilhões de metros cúbicos da transposição ?
“Uma certeza muitos têm: os 70 mil açudes do Nordeste construídos nesses cem anos demonstram que não falta água. O que falta é a distribuição dessa água. Basta implantar um vigoroso sistema de adutoras, como o proposto pela Agência Nacional de Águas, por meio do “Atlas do Nordeste, que foi abafado pelo governo.
“ (...) Enquanto a transposição atenderia 12 milhões de pessoas em quatro Estados, segundo dados oficiais, o projeto alternativo atenderia 44 milhões em dez Estados. Custo: metade do preço da transposição.” (meus os grifos)
Na opinião do articulista – que é igualmente a de dom Luiz Cappio – a transposição do São Francisco não se concluirá. Era o que diziam os sinos que o bispo da Barra ordenou tocar no dobre de finados na catedral, enquanto o presidente e a habitual comitiva andavam pela cidade. O lúgubre som, que os moradores do interior não ignoram, marca a morte e o Dia de Finados. Na ocasião, quis D. Cappio que soassem proféticos, prenunciando que a obra faraônica não se completará. Daí, o réquiem que soaram os sinos.

( Fonte: Folha de São Paulo)

domingo, 25 de outubro de 2009

Negociações Impossíveis ?

O projeto nuclear do Irã

Na sexta-feira passada, o negociador do Irã comunicou à Agência Internacional de Energia Atômica que estava considerando favoravelmente o plano apresentado para que transfira 1,2 tonelada das 1,5 ton de seu estoque conhecido de urânio de baixo teor para a Rússia e a França.
No entanto, por motivos não declarados, mas que se presumiria seja a aprovação dos ayatollahs em Teerã a resposta formal somente será dada na semana entrante.
Conquanto a reação do Ocidente haja sido cautelosamente otimista, há fundados motivos, se o comportamento pregresso constitui indicação, de que os iranianos estejam simplesmente tratando de ganhar tempo.
Por iniciativa do Presidente Obama, e tendo presente a descoberta da usina secreta nas imediações montanhosas de Kom, buscam-se meios de controlar o projeto nuclear do Irã. Além da fiscalização da AIEA, procura-se criar esquema que inviabilize o fabrico da bomba pelo regime de Teerã.
O plano ocidental – de que participam os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, com o acompanhamento de Israel – objetiva alcançar a concordância do Irã, mediante a oferta de certas vantagens. Embora a premissa seja a consecução do plano por meios consensuais, eventual resposta negativa do governo iraniano acionaria novas sanções, que seriam mais severas do que as atualmente operantes.
O que o Ocidente oferece ? Através do projeto encaminhado pela AIEA, a Rússia e a França, após receberem do Irã o carregamento de urânio de baixo teor, cuidarão de processá-lo ulteriormente de modo a dificultar o seu emprego em warheads [1] nucleares. O urânio enriquecido em tais termos seria reexpedido para o Irã, de forma a dar a carga necessária para reator de Teerã, que fabrica isótopos radioativos com fins medicinais, e cujo atual combustível importado deverá esgotar-se até o fim do corrente ano.
O plano de Obama, contudo, tem o seu ponto débil na postura ambivalente de Rússia e China. O fato de Moscou ter concordado em participar do esquema acima é decerto positivo. Há sobejos indícios, todavia, de que tanto o Kremlin, quanto Beijing não concordariam com sanções mais drásticas contra Teerã. Como esses dois países dispõem de veto no Conselho de Segurança, tal dissensão enfraquece e bastante a posição dos Estados Unidos.
O diretor da AIEA, Mohamed ElBaradei – que estipulara o prazo de resposta até a sexta-feira 23 de outubro – limitou-se a dizer que espera ‘seja igualmente positiva a reação iraniana, visto que a aprovação do acordo sinalizará nova era de cooperação’. Já o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Bernard Kouchner, comentou: ‘pelas indicações que estamos recebendo, as perspectivas não se afiguram muito positivas’.
Por sua vez, observações anteriores de funcionários iranianos, quanto a sua preferência de adquirir urânio enriquecido no exterior (ao invés do esquema de permuta da AIEA), levou David Albright, chefe do Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional, a afirmar: “Este é um mau sinal. Comprar combustível nuclear no estrangeiro é um total contrassenso (non-starter) se o país está submetido a sanções.”
Tendo em vista o quadro acima esboçado, e os antecedentes iranianos em matéria de não-proliferação, os prognósticos carecem de ser reservados. De qualquer forma, um eventual bookmaker londrino acenaria com um prêmio alto para quem se aventurasse a apostar no sucesso do projeto de acordo tramitado pela AIEA.

No Pântano hondurenho.

Hospedado há 34 dias na Embaixada brasileira, Manuel Zelaya viu seu quarto ultimato passar sem lograr qualquer efeito. Se a velha expressão de que não se deve fazer ameaça se não se tem a intenção de cumpri-la, o presidente deposto hondurenho aqui contribui para a ulterior desmoralização de ultimatum no próprio peculiar vocabulário.
Não é por acaso que o representante da OEA, John Biehl, resolveu voltar para Washington, ao cabo de enésima infrutífera reunião com o presidente Zelaya. Nas negociações entre as duas partes – a do governo Micheletti, e a do presidente Zelaya – a solução da renúncia conjunta foi aceita pelo presidente interino e... recusada por Zelaya.
Em declarações ao enviado da Folha, Fabiano Maisonnave, John Biehl limitou-se a dizer que “O diálogo tem sido hondurenho e deve terminar hondurenho.”
Até o momento, a chamada crise de Honduras se caracteriza por grande cacofonia, em que muitos têm intervindo, embora com o passar do tempo, diversos supostos protagonistas se hajam na aparência retirado da cena, temerosos talvez de que em um tal chavascal, qualquer atitude mais pró-ativa venha a respingar de forma desairosa no... proponente.
Depois de tanta correria, de tanto jogo de cena, de tantas declarações peremptórias e contundentes, forçoso será reconhecer que o ambiente tende à progressiva e quiçá irremediável banalização, com a redução não mais grandiloquente às potencialidades locais dos dois campeões em porfia. De um lado, o discípulo de Hugo Chávez, o senhor do chapéu; e do outro, o presidente camaleônico, em que os conceitos de ‘golpista’ e ‘interino’ parecem intercambiáveis.
Como de toda pendenga de um lugar como esse, tampouco semelha prudente avançar hipóteses de solução ou de não-solução.
Pode-se, sem embargo, arriscar alguns palpites colaterais. O novel instituto jurídico de ‘hóspede’ em missão estrangeira sai mais do que chamuscado do experimento urdido por pais desconhecidos (os malogros são sempre órfãos). Basta contemplar o circo – tanto interno, quanto externo – engendrado pelo seu abrupto lançamento, que a sua reaplicação se torna deveras desaconselhável.
Por outro lado, o esquema chavista da instrumentalização da democracia para o seu eventual desvirtuamento, sofre mais do que um tropeço em Tegucigalpa. A vitaliciedade no poder, dos sonhos tão venezuelanos do caudilho de Caracas, por enquanto não vingou no seu espécimen hondurenho.
[1] Cabeça de míssil, geralmente empregada para transportar a carga explosiva.

sábado, 24 de outubro de 2009

A Polícia Militar e a Corrupção

A estúpida morte de Evandro João da Silva, dirigente do Afro-Reggae, pode ser uma parábola às avessas da segurança dos cidadãos e do papel da Polícia Militar, no Rio de Janeiro.
A vida de Evandro, educador social, que buscava afastar do crime jovens pobres, foi brutalmente cortada por dois adolescentes, aprendizes na bandidagem, por causa de uma jaqueta e de par de tênis.
A patrulha policial que fazia a ronda daquela área do centro chegou trinta segundos depois do disparo. No que foi definido como ‘desvio de conduta’ pelo major Oderlei, relações públicas, o capitão Dennys Leonard Nogueira Bizarro não só não prestou socorros ao agonizante Evandro, como tratou, com o seu motorista cabo Marcos de Oliveira Sales, de recuperar tanto os tênis, quanto a jaqueta.
Em seguida, não deteve os criminosos – como era seu dever – mas ao invés disso os liberou. Não ficou nisso, porém, o capitão Dennys, que é o encarregado da fiscalização do policiamento no Centro. Apoderou-se da jaqueta e dos tênis de Evandro, completando assim a inversão dos papéis e na sua condição de policial-bandido afastou-se da cena do crime, abandonando a vítima à própria sorte.
O advogado Denis Mizne, diretor-executivo do instituto Sou da Paz, em artigo na Folha, sublinha que é hora de limpar a polícia. No seu entender, o combate à corrupção nas polícias é o grande ausente na agenda da segurança.
Recomenda o fortalecimento das instâncias de controle interno (ouvidorias e corregedorias) e externo (Ministério Público) das polícias. A propósito, estranha o articulista “o reiterado silêncio do Ministério Público, tão ativo no combate à corrupção em geral, mas que peca sistematicamente em suas atribuições de controle externo da atividade policial”.
O comandante da PM, coronel Mário Sérgio, pediu desculpas pelo procedimento de seus subordinados. No entanto, o corporativismo se fez presente. Não só se buscou definir o comportamento do capitão como mero desvio de conduta, mas também pôde ele prestar depoimento na delegacia sem o conhecimento da imprensa. Os jornalistas somente foram informados da ida, no dia seguinte, do cabo à delegacia.
Sem embargo, as primeiras reações mais concretas já foram tomadas. Foram decretadas as prisões preventivas do Capitão Dennys e do Cabo Marcos. Por outro lado, o governador exonerou o Major Oderlei, por minimizar os crimes cometidos pelos policiais.
Não sei se as exigências do advogado Denis Mizne serão atendidas. A sociedade civil decerto gostaria que o fossem, mas os precedentes induzem a dúvidas quanto a providências mais radicais.
Não é de hoje que constitui fato notório a corrupção que grassa em todos os escalões da polícia militar. Existem, certamente, policiais honestos e corretos, e o BOPE, batalhão de elite da corporação é prova não só do desejo de recuperação da PM, mas da existência de profissionais do estampo do capitão Nascimento, personagem interpretado pelo ator Wagner Moura no filme Tropa de Elite.
Tentativas como as de Luiz Eduardo Soares e sua equipe nos albores da Administração Garotinho mostram da possibilidade de alcançar sucesso, mas infelizmente também apontam para as pedras no caminho, i.e., a força do corporativismo e da corrupção.
De qualquer forma, foi providencial a ajuda das câmeras de segurança. Que melhores e mais objetivas testemunhas poderiam estar disponíveis ? Dessarte, ficou muito mais complicado varrer para baixo do tapete os diversos crimes que cercaram o latrocínio de Evandro João da Silva.
Teria sido decerto preferível que os policiais tivessem agido com humanidade, intentando prestar socorro a Evandro, que estava vivo, quando a patrulha apareceu. Contudo, haja vista as demonstradas prioridades da dupla de agentes da ordem, perseguiam eles outras prioridades.
Nos quinze minutos que a sociedade e a imprensa costumam conceder para a solução dos ulteriores problemas relacionados com o episódio, será lícito esperar que se desencadeie enfim o movimento de limpeza da corporação? Afinal, na defesa dos justos, muitos têm murmurado que notam sinais de cansaço em Deus, encarregado geral da segurança em tantos bairros de Cidade que faz questão de se chamar maravilhosa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Lula e os Perigos do Relativismo

É sabido que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem particular apreço por entrevistas coletivas. Ojeriza esta que, já no último trimestre do sétimo ano de governo, é refletida pelo número extremamente reduzido de tais entrevistas.
Tampouco as exclusivas, posto que mais amiudadas, compensam esta discrição presidencial. Na verdade, Lula fala muito, e de improviso, mas neste formato a loquacidade se circunscreve a tópicos de escolha própria. Por isso, a aparente copiosidade não nos deve iludir. Se a quantidade impressiona, o chefe de estado retem controle sobre que temas e comentários julga necessário e cabível desenvolver.
A democracia americana, a respeito, dá lição que careceria de receber maior atenção em nossa terra. Lá, o presidente concede regularmente entrevistas coletivas aos jornalistas credenciados junto à Casa Branca. Em geral, as conferências de imprensa se iniciam por uma declaração do chefe de governo e, em seguida, responde às perguntas colocadas pelos repórteres acreditados, sendo ele próprio que, muita vez dando o nome respectivo, indica quem fará a indagação.
Recordo-me das conferências de imprensa de Charles de Gaulle. O Chefe de Estado francês, com o Primeiro Ministro Pompidou e todo o ministério perfilado a ouvi-lo, de início, pedia aos repórteres que colocassem as respectivas questões. Na grande sala do Elysée, o general as ouvia atentamente, mas todos sabiam que a grande entrevista era um dos rituais da V República, e que de Gaulle já tinha a sua palestra memorizada. As perguntas dos jornalistas – inclusive as dos mais chegados, que, obsequiosos, incluíam os tópicos sobre os quais ele desejava desenvolver – não passavam de formalidade. A imprensa estava inteirada deste hábito do general, e bem sabia que as suas perguntas eram tão só a moldura do quadro. O importante estava nas afirmações de de Gaulle, com as quais balizava as próximas iniciativas do governo.
Mas voltemos a nossos tempos. A paucidade das entrevistas do Presidente Lula tendem a atribuir relevância quiçá desmedida àquelas exíguas vezes em que Sua Excelência concorda em privilegiar órgão jornalístico ou televisivo. Sendo raro o referencial disponível, as declarações poderão, assim, ter a respectiva importância hipertrofiada. Igualmente, eventuais deslizes do Primeiro Mandatário podem ajudar-nos a melhor entender do porquê Lula, se acaso experimenta azia na leitura dos jornais, também não se sente muito à vontade respondendo a perguntas de jornalistas não atados pelas mesuras do oficialismo.
Dentre as suas declarações a Kennedy Alencar, da Folha de São Paulo, ressalto duas delas. “Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política(...) Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.”
Não obstante o manifesto relativismo da assertiva – que desvela tática governamental que faz tabula rasa de problemas éticos - o presidente Lula negara anteriormente a existência de uma ‘frouxidão moral’ na hegemonia da aliança PT- PMDB, conforme observação feita pelo deputado Ciro Gomes.
A composição das alianças – e do mastodôntico ministério do segundo mandato – se refere diretamente aos notórios obstáculos à governabilidade no Brasil e, em especial, da administração de Lula, diante das dificuldades encontradas durante o primeiro mandato.
Quiçá a excessiva relativização decorrente das peculiares características do quadro da governança no Brasil espelhe uma triste realidade. Cabe, por conseguinte, a pergunta se não teria sido melhor solução para o problema do governo no Brasil a aprovação de verdadeira reforma política. Essa reforma – que é a mãe de todas as reformas – seria possível no início do segundo mandato, após a reeleição referendária do Presidente Lula da Silva.
Afinal no Brasil, em começo de mandato, o Congresso aprova iniciativas mesmo inconstitucionais do Primeiro Mandatário, como foi amplamente demonstrado pela chancela do confisco da poupança no chamado Plano Collor.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Colcha de Retalhos XXV

Sobrevida da Censura ao Estadão. (Contd.)

Os desembargadores da 5ª Turma desse Tribunal rejeitaram, uma vez mais, recurso dos advogados do jornal O Estado de São Paulo. Permanece de pé a decisão tomada a trinta de setembro quando, além de manter a censura, determinaram a transferência do processo para a Justiça Federal do Maranhão. O julgamente, também uma vez mais, foi sigiloso, o que torna inevitável a pergunta quanto a mais essa repetição, haja vista o regimento do STF, em que tal prática não é admitida.
83 dias vige a inconstitucional censura ao Estado quanto a noticiar sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, em que está envolvido Fernando Sarney, filho do presidente do Senado Federal, José Sarney.
Agora, os advogados do Estado hão de esperar a publicação do acórdão, para então protocolar recurso a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Dada a alternativa existente (recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal), a defesa do jornal optou pela tramitação mais longa. No TJ-DF foram esgotados todos os recursos possíveis. Em vão.
É de notar-se que a Operação Boi Barrica – segundo informa o Estado -, depois desdobrada em cinco inquéritos, mapeou transações financeiras suspeitas das empresas do grupo da família Sarney, detectados às vesperas da eleição de 2006.
Em julho – ainda consoante a nota de O Estado – ao final de quase seis horas de depoimento na Superintendência da Polícia Federal do Maranhão, em São Luís, Fernando Sarney foi indiciado por lavagem de dinheiro, tráfico de influência, formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Maiores detalhes – até agora sob a censura imposta pelo desembargador Dácio Vieira – só estarão disponíveis se a mordaça ao Estadão for afinal retirada pelo STJ.

A Reforma Sanitária nos Estados Unidos. Avanços na Câmara.

As últimas estimativas do custo da Reforma da Saúde, se prevalecer o projeto da Câmara de Representantes, são de 871 bilhões de dólares. O aludido projeto inclui uma opção pública bastante importante, i.e., a agência estatal prevista para concorrer com as asseguradoras privadas terá muitos poderes e daí a redução no montante dos dispêndios previstos.
Por determinação da Speaker Nancy Pelosi, o chefe da bancada democrata (House whip) Jim Clyburn (Carolina do Sul) fará um levantamento das intenções de voto dos representantes democratas. Até o presente, nos cômputos da liderança, o projeto disporia de cerca de duzentos sufrágios. Para ser aprovado carece de pelo menos 218 votos. No caminho, existe uma virtual dissidência – a dos Blue Fiscal Dogs (defensores democratas da austeridade fiscal) – que vai testar a capacidade de Pelosi de agregar a bancada para a aprovação da reforma pela Câmara.
Assinale-se que um custo menor como o agora estimado reforçaria bastante a posição da Câmara - na hipótese de o projeto em tela ser aceito pelo plenário -em suas negociações com o Senado, para a eventual escolha da versão definitiva da Reforma da Saúde, ao ensejo da chamada Conferência dos projetos das duas Casas.

Demasiadas Concessões à China na Feira de Livros de Frankfurt

Depois de tentar repetidamente a quadratura do círculo, vale dizer, encontrar uma postura de equilíbrio entre a livre expressão do pensamento e as honrarias à República Popular da China (na sua qualidade de país homenageado na presente Feira de Frankfurt), a direção do certamen se viu forçada a demitir o seu gerente de projetos,Peter Ripken, por uma repetida – e embaraçante – recusa a autorizar intervenções na Feira de parte de dissidentes chineses.
Os diretores da Feira de Livros – a maior do mundo – terão considerado que até para a prática da subserviência há limites. Pois, durante toda a Feira a organização se empenhara em não desagradar aos representantes da China Popular, que costumam evidenciar aquela conhecida ojeriza das ditaduras pelas opiniões discrepantes, no caso, daqueles que não se afinam à ordem unida ditada pelo Partido Comunista Chinês.
A exoneração de Peter Ripken se deveu à proibição de dois escritores dissidentes,o jornalista Dai Qing e o poeta Bei Ling, discursarem durante a cerimônia de encerramento da Feira. A estranheza foi maior porque, segundo afirmaram os dois intelectuais, haviam sido convidados a intervirem.
Tudo parece indicar que Ripken é o bode expiatório da vez, eis que, conforme assevera, agiu de acordo com instruções do Ministério do Exterior alemão. Nessa presumível cadeia de transmissão da subserviência, a causa terá sido as consuetas pressões chinesas, a cujos ouvidos não agrada o som dissonante das críticas.

(Fonte: O Estado de São Paulo, CNN e International Herald Tribune )

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O que Fazer do Elefante ?

Ainda sob o impacto da tragédia de sábado, dezessete de outubro, mas trasnscorridos três dias, os erros e as idiossincrasias que fazem parte dos atores e das circunstâncias coadjuvantes vão podendo ser, pelas entreabertas cortinas da observação, lobrigados não tão confusa e atabalhoadamente quanto nas primeiras horas.
A Polícia do Estado, na pessoa do respeitado Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, não ignorava a iminência do ataque por facção rival ao Morro dos Macacos. Tampouco desconhece a polícia as possibilidades dos calibres dos armamentos dos traficantes.
Esse Onze de Setembro carioca, nas palavras de Beltrame, não aconteceu por acaso. Certamente, não bastam as afirmações do Presidente Lula da Silva ao declarar ‘Vamos limpar a sujeira que essa gente impõe’.
E por que não bastam ? Pela simples empírica razão que tais assertivas são o eco de outras também estentóricas e igualmente ... vazias. É triste, confrangedor mesmo asseverar, porém a experiência está aí para advertir-nos de que não devemos dar tento a esses ocos compromissos, que tão só buscam não desafinar dos acordes do presente, inda que a nada conduzam, se não for outra melancólica adição às vãs promessas de Lula e quejandos.
O que dirão os burocratas que negaram ao Estado e a sua Polícia a utilização de armamento que a legislação e os regulamentos de tempos mais ordenados não prescrevia ao uso das polícias militares estaduais ? Que dirão aos familiares dos policiais estupidamente mortos no cumprimento do dever ? Nada, porque se sabe esgrimir com traços e garatujas raivosas o lápis vermelho da denegação, não costumam vir a público sequer lamentar os descaminhos e as consequencias das proibições de ranço tacanho e corporativo.
Entretanto, cumpre dizê-lo, a carapuça não se assenta apenas em tais cabeças. Outras estão aí e muito óbvias. Porque não carece de recuar ao primeiro obstáculo, sobremodo se o bom senso nos grita aos ouvidos que não faz nenhum sentido que se imponham tais esdrúxulos vetos, se bandidos e traficantes negociam e escolhem com requintes de consumidores exigentes armas de equivalente ou inda de mais pujante poderio ? O Secretário e o nosso viajor Governante não só poderiam, mas deveriam obtemperar ao Senhor Presidente Lula da Silva (e ao seu Ministro da Defesa, Nelson Jobim) que é passada a hora de esconder-se em impedimentos castrenses. Ao divisar os fumegantes restos do frágil Esquilo, quem disso se atreverá a duvidar ? Se já nesta vigésima quinta hora desde muito nos despedimos dos bons, velhos tempos do paradigmático Mickey Mouse ?
A esse respeito, em ‘Caiu a Medalha’, o delegado Alexandre Neto escreve sentidas e vividas palavras. Citá-lo semelha imperativo: “Qualquer força de segurança no mundo jamais autorizaria a incursão de uma aeronave inadequada (sem blindagem apropriada) numa área conflagrada e munida de armas de grosso calibre, prontas para abatê-las caso os marginais se vissem acuados.”
E não é, porventura, cortantemente grave a conclusão do articulista: “(...) (O)s governos de nosso estado – tanto os que já passaram como o atual – não se preocupam muito com a segurança pública cotidiana, pois sabem muito bem que qualquer evento internacional que ocorra em nossa cidade, além do seu caráter breve e passageiro, receberá o total apoio da União, com emprego maciço das Forças Armadas e da própria Força Nacional de Segurança – que findam por amealhar o verdadeiro legado do acontecimento, cabendo às Polícias Civil e Militar as migalhas do evento (...). Assim foi com o Pan e a Rio-92, e com outros encontros internacionais sediados em nossa Cidade Maravilhosa.” (meu o grifo)
O Secretário José Mariano Beltrame, que é policial federal, decidiu vir a público para reclamar da falta de cooperação do Governo Federal : “O Rio precisa que o governo federal assuma plenamente a responsabilidade legal de combate à droga. Se não assume, nós assumimos. (...) Tráfico de drogas é com a Polícia Federal. Infelizmente no Rio, não é. A Secretaria de Segurança faz as duas coisas aqui. Ou melhor, faz as três: a polícia de prevenção e de investigação, a polícia de combate ao tráfico de drogas e a polícia de proximidade, de reconquista dos territórios.”
Beltrame reclamou da burocracia para a aquisição de equipamentos – a secretaria só pode comprar armas após a autorização do Exército. Sobre os múltiplos entraves da burocracia: “Preparei mais de quarenta cabines blindadas, com ar-condicionado, micro-ondas (...) e geladeira. Aí contestaram um aspecto formal da licitação. Estão todas guardadas. (...) Quando decidirem se posso colocar as cabines, colocarei. Mas como não se decidem, os jovens policiais continuam indevidamente protegidos.”
São observações de quem afronta a refrega, e lamenta com carradas de razão não dispor de todos os elementos.
Não seria o caso de o Governador Sérgio Cabral, que mantém tão boas relações com o Presidente Lula, fazer-lhe sentir que passou o momento dos ditos tonitruantes, e é chegada a hora de a nossa proverbial onça beber água ? Sua Excelência há de encontrar tempo, nos cerca dos 50% dos dias em que se demora na Capital Federal.
E por outro lado, não esqueçamos o loquaz Presidente do Supremo Tribunal Federal - que ontem cobrou atuação mais consistente do governo federal no combate ao crime organizado. Não seria igualmente o caso de através do Conselho Nacional de Justiça a que preside, ser acionada a morosa Justiça para afastar os empecilhos à ação mais segura dos bravos helicópteros, para melhor enfrentarem a artilharia do tráfico, municiada esta pela lôbrega trindade de corrupção, prevaricação e banditismo organizado ?

( Fonte: O Globo )

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Praça de Nossa Senhora da Paz

A praça de Nossa Senhora da Paz, cercada por grades ainda em condições aceitáveis de conservação, é um espaço de verde preservado, aberto durante o dia para as mães, as babás, as crianças, e os idosos. Ali esse público plácido verá os alegres cachorros correrem nas suas brincadeiras esfuziantes pelos gramados recém-aparados.
Por toda a parte a sombra de árvores frondosas, muitas com raízes a se enovelarem pelo chão, como se fossem longas, nodosas cabeleiras, a distribuirem recantos de sombras amigas e afáveis, acolhedoras mesmo.
Ora, não mais se encontram as antigas manchas do descuido e de outras presenças que afugentavam os tímidos e passageiros visitantes. Se hoje, os podemos deparar, enquanto caminhamos, tangidos por diversos compassos, nas largas calçadas que margeiam a praça, a quem deveríamos agradecer por esta quase anacrônica paisagem de clarões matinais a brilharem entre sombras coleantes e serenas, a evocarem quadros de uma Ipanema só visível em velhas fotografias ?
Nesses dias de memória curta, sem atenções nem mesuras, em que os bondes e as rimas dos anúncios não mais circulam, a quem cabe os obrigados de antanho ? Pois veja, ilustre passageiro de um tempo apressado, em que asfalto e concreto se unem para nos arregimentar em locais despojados de fantasia e devaneio, esse refúgio de época de passadas, longínquas estações, que apenas se encontra em esquecidos baús e nas estórias de nossos avós – será, pasmem, a um prefeito desconhecido a oportuna recuperação de logradouro, que se desfazia por obras de negligente indiferença.
Eis que de repente tudo ameaça mudar. Se a estrada que leva ao inferno dizem estar pavimentada por boas intenções, quantos desertos, quantas desolações surgem pela suposta invocação do falso progresso ?
Se a praça da Paz foi preservada, e se as antigas grades foram restauradas, as árvores e os canteiros facilitavam tal propósito, eis que o trabalho de recuperação se arrimava em realidades preexistentes. As demais praças de Ipanema se debatem com outros desafios. Na General Osório, as cicatrizes das invasões de feiras e feirinhas; no Jardim de Alá, a despeito dos reparos, rondam as incertezas da segurança.
Senhor Prefeito Eduardo Paes. Se lhe respeitamos a escolha da Barra como residência, desejamos de nossa parte que o coração de Ipanema não se vá rasgar, em atentado não só ao espírito do bairro, senão ao próprio ambiente.
Abraçar as árvores não basta, mas é um bom começo. O fotógrafo Eugène Atget, com a sua Leica, corria pelas vielas de Paris, no afã de retratar as velhas casas, cuja esquiva beleza queria preservar das brutais marretas dos demolidores.
De que nos servem as hediondas bocarras dessas modernosas cavernas, que para se entranharem na terra precisam também elas derribar o pouco de natureza, de sossego, de verde e de belo que nos resta ?
Os grandes espaços não existem apenas para aguçar a cobiça das construtoras. A praça da Paz é uma pausa, que o bom senso de nossos maiores e de seus antecessores soube respeitar. Defrontada pela igreja, e ladeada de edifícios, ela convida tanto à contemplação, quanto a singelos passeios. É uma herança de discreto culto à beleza e ao bucólico convívio de crianças brincando, de velhos lendo, de mamães olhando, e de cães correndo.
Senhor Prefeito Eduardo Paes, por favor, não nos reduza à contingência de recorrer a novos Atget para tentar documentar o que é sobremodo difícil de captar em imagens. Não é como um quadro na parede que nós queremos ver a praça de Nossa Senhora da Paz.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lula: acesso da Síndrome de Chávez ?

Quando Fernando Henrique Cardoso decidiu privatizar a Companhia Vale do Rio Doce fui daqueles que discordou do acerto da orientação presidencial. A Vale do Rio Doce era uma empresa pública que dava lucro. No malbarato do patrimônio estatal havia óbvia intenção demonstrativa da postura neoliberal da administração FHC. Alienar empresa daquele porte seria como iniciar a queima das naves de Fernan Cortez para que não restassem dúvidas aos Senhores das finanças internacionais sobre onde se situava o governo de Fernando Henrique.
De minha parte, não creio que FHC obedecesse a móvel ideológico ao determinar a venda da Vale. Com a sua formação e embasamente doutrinário, me resulta difícil acreditar que tivesse outra motivação que não a do oportunismo.
Felizmente, os seus projetos de ir além se chocaram com a opinião pública e a reação política. Assim, os obscuros movimentos de seu preposto na jóia da Coroa, o senhor Henry Reichstuhl, não vingaram diante do malogro da manobra de mudar o nome da Petrobrás para Petrobrax.
Entrementes, privatizada a Vale do Rio Doce em 1997, assumiu-lhe a presidência, no segundo mandato de Fernando Henrique, o empresário Roger Agnelli, por indicação do grupo Bradesco.
Durante um longo período, não houve maiores dificuldades da Vale com o setor público (se excluirmos algumas tropelias causadas pelo MST).
Este cenário de aparente idílica tranquilidade começaria a sofrer alterações já neste início de fim do segundo mandato de Nosso Guia.
A princípio, foram os maus humores presidenciais sobre a não-encomenda pela Vale de navios aos estaleiros nacionais. Pelo visto, porém, Roger Agnelli não tardou em satisfazer aos resmungos do Planalto.
Talvez pela facilidade da aceitação – de o que era, de resto, justa reivindicação – Sua Excelência não ficou por aí. As reclamações ora se dirigiam à composição das diretorias da empresa. Como tem sido hábito atribuir-lhe incansável desenvoltura, tais movimentos teriam a participação de José Dirceu – deputado cassado em aras do mensalão, vítima da Realpolitik dos companheiros petistas.
De qualquer forma, o acosso cresceu a ponto de levar o inquieto diretor-presidente da Vale a solicitar audiência com quem antes se chamava Chefe da Nação. Não obstante o gesto pouco altaneiro de Agnelli, infelizmente a agenda presidencial estava toda tomada.
Não parou por aí a singularização da grande empresa privada nacional. Afinal, caberia perguntar, o que deseja Sua Excelência? Servir-se dos mandos da companhia como se fora extensão das empresas públicas, onde sempre há lugar para acomodar um companheiro ou um apadrinhado político ? Ou, o que seria alçar ainda mais o voo da imaginação, continuar no processo de fritura ?
Com a sua popularidade em alturas respeitáveis, quase inacessíveis, que parecem conferir-lhe poderes tão amplos – como o de organizar caravanas políticas ao longo do São Francisco, sem que nenhum órgão competente se atreva a questionar-lhe a propriedade em face de legislação chamada eleitoral – veio o anúncio dos Ministros Mantega e Lobão da projetada imposição de taxa de cinco por cento sobre as exportações de minério.
Embora a etimologia do sobrenome o aproxime dos cordeiros sacrificiais, na sucessão de maquinações se vislumbra a imagem de tourada, em que o pobre touro, depois dos penduricalhos dos bandarilheiros e das mais eficazes lanças dos sangrentos picadores, se descobre preparado para a teatral entrada do toureiro, com seu traje de luces, a acercar-se ominosamente da presa, enquanto oculta sobre a capa a espada resolutória.
Pois não é que por fim se abre um espaço na agenda do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que tenha uma conversinha com o acuado Roger Agnelli ? Segundo se antecipa na imprensa, Lula deve manifestar ao atual chefe da Vale do Rio Doce a sua insatisfação, e não só com a mineradora, senão também com as siderúrgicas.
Como interpretará o presidente da grande empresa privada o súbito e avassalador interesse do Chefe de Estado ? Com efeito, o descontentamento de Sua Excelência não se cinge às exportações de minério, mas também questionam o ‘capitalismo medíocre’, voltado só para o lucro e sem visão estratégica.
Quiçá será durante a tertúlia do dia de hoje que Agnelli poderá fazer uma ideia de o que pretende o Presidente da República (se ainda não a tenha).
À vista de o que precede, se fica com a impressão de que as afinidades entre os amigos Lula da Silva e Hugo Chávez são, na verdade, maiores do que semelham. Em todos esses episódios dos tormentos criados para um presidente de empresa privada, teoricamente não subordinada às diretivas do Chefe da Nação, avulta a suspeita que Lula esteja seguindo a cartilha do chavismo em seu relacionamento com os empresários, tanto nacionais, quanto estrangeiros.
Não há negar, porém, que o companheiro Chávez é mais direto e menos paciente, de acordo com os sagrados preceitos de seu socialismo lumpen, nas suas relações com os mal-avisados chefes de empresa em terras da Venezuela.
Não temeria, acaso, Nosso Guia que esta truculenta encenação possa repercutir mal para a própria imagem, sobretudo quando viajar através do Atlântico para o Norte maravilha ?

domingo, 18 de outubro de 2009

Aposentando o Juiz Bartasar Garzon

A coragem e a inventiva do Juiz Garzón colocara a Espanha na vanguarda da aplicação da justiça universal com o caso célebre de sua expedição de mandado de prisão (1998) contra o ex-ditador chileno Augusto Pinochet. Julgado procedente pela justiça inglesa, teve Pinochet sua prisão domiciliar decretada quando em visita à sua amiga Margaret Thatcher, em Londres. Se a iniciativa do juiz da Audiência Nacional Espanhola estabeleceu precedente para o pronunciamento e processo dos violadores contumazes dos direitos humanos, a detenção de Pinochet nada teve de simbólico, eis que se estendeu por mais de ano. Regressando ao Chile o general encontrou novo cenário, com um poder judiciário independente e mais conscientizado dos respectivos direitos.
Outro mandado internacional do juiz Garzón, de que tratei em blog de 30 de março último, foi aquele dirigido à justiça territorial estadunidense, para que fossem processadas criminalmente, por fornecer arcabouço jurídico às torturas e maus tratos praticados pelos prisioneiros em Guantanamo, seis autoridades da Administração de George Bush júnior, a saber, Alberto González, John C. Yoo, Douglas Feith, David S Addington, William J Haynes, e Jay S. Bybee.
Como se sabe, o Tribunal Penal Internacional tem sua capacidade de ação limitada pela série de restrições negociadas durante o mandato de Bush Júnior. Por isso, a decretação pelo TPI da prisão por crimes de guerra e contra a Humanidade (Darfur), do general Omar al-Bashir, ditador do Sudão, até o momento não pode ser efetivada. Tendo presentes tais cerceamentos, a ação do juiz Garzon contra os violadores de direitos humanos tem representando relevante linha auxiliar para a justiça internacional.
Certamente, terá sido a inegável capacidade do magistrado espanhol que motivou o peculiar empenho de certos governos estrangeiros junto ao Primeiro Ministro espanhol José Rodriguez Zapatero. O trabalho de Garzon incomodou, e em especial,a determinados países, justamente por não se assinalarem pelo respeito aos direitos humanos. Dessarte, analisando o esforço empreendido pela China (por causa do Tibete) e por Israel ( em razão de Gaza ), qualquer pessoa mais esclarecida entenderia o porquê das pressões políticas e diplomática dirigidas contra o governo espanhol. Toda essa porfia das burocracias chinesa e israelense se explica mui justamente pela qualidade e pertinência da fundamentação jurídica dos documentos elaborados pelo juiz Baltasar Garzon. A contrario sensu, não poderiam formular maior elogio à atuação singular do magistrado.
A reação do Primeiro Ministro Zapatero confirma o escasso respeito que lhe é votado por um homólogo seu à própria capacidade intelectual. Determinando a aprovação de emenda que restringe a aplicação do princípio da justiça universal é quase como que assinar um recuo tão vergonhoso quanto entranhadamente medíocre. No que foi definido como ‘retrocesso lamentável’ pelo advogado Manuel Olle Sesé, o Parlamento espanhol, em votação maciça, pôs na prática termo à aplicação da justiça universal.
Os criminosos internacionais não têm mais motivo de temer a ação do juiz Garzon. Por decisão própria, os legisladores espanhóis mediocrizam a Audiência Nacional, que doravante só poderá intervir em casos fora de Espanha se houver espanhois entre as vítimas, ou se os suspeitos dos crimes estiverem na Espanha.
A originalidade incomoda. Quem desejar a internacionalização da justiça, terá de procurar os seus promotores alhures. Não mais na apequenada Audiência Nacional, com a aposentadoria virtual do pioneiro do mandado de prisão internacional, o juiz Baltasar Garzon.

O que fazer com o elefante na sala de jantar ?

O Governador Sérgio Cabral colhe hoje a inelutável consequência de décadas de incúria e negligência, com respeito às favelas do Rio de Janeiro, seu crescimento descontrolado, e o continuado aumento do poder do tráfico.
A segurança é o calcanhar de Aquiles dos governadores, a quem incumbe em grande parte a luta contra o crime, seja organizado, seja desorganizado. A ajuda eventual do governo federal, através da força nacional, em muitos casos não é aceita por motivos políticos, como se o auxílio da União fosse confissão de fraqueza.
Por outro lado, ainda existem poucos presídios federais de segurança máxima. As cadeias estaduais sofrem de superlotação e de escasso controle sobre os presos, sobretudo aqueles mais perigosos.
Tampouco a legislação penal e a processual constituem instrumento eficaz, em grande parte dos casos. A excessiva benignidade na concessão das liberdades provisórias vem colocando nas ruas traficantes, a quem basta uma licença de saída para desaparecerem na ilegalidade.
No caso da cidade do Rio de Janeiro, o desastre de ontem constitui na verdade um irônico resultado, eis que a administração do governador Cabral e seu Secretário de Segurança se tem empenhado nessa inglória campanha contra um crime já equipado e organizado por decênios de demagogia, de prevaricação e de irresponsável negligência.
Permitiu-se – e não é de hoje, repito – que se entrincheirassem nos morros do Rio de Janeiro poderes paralelos, alimentados pelos vícios da cidade, municiados pela corrupção generalizada e valendo-se da incompetência das autoridades estatais.
A invasão de ontem do Morro dos Macacos foi uma tragédia anunciada. Apesar de informada na véspera, a Secretaria de Segurança não teve condições de deter o ataque, repetindo-se o quadro já prenunciado na Rocinha, em 2006.
No desastre de ontem, por primeira vez, o tráfico abateu um helicóptero da polícia. Assinale-se que esta aeronave dispõe de chapa blindada na sua parte inferior. Não foi bastante para a artilharia do tráfico que, pelo visto, possui armas antiaéreas de calibre suficiente para incendiar o helicóptero. Somente a habilidade do piloto evitou tragédia maior do que a morte de dois PMs, na tripulação de seis.
Há mais aspectos a serem sublinhados. Como os acontecimentos recentes em São Paulo e ainda mais recentes na Bahia têm mostrado, o crime se organiza também na estratégia, tendo as facções porventura em dificuldade o apoio de reforços, acionados por meios próprios. Não é de estranhar a impressão e o terror provocados no bairro de Vila Isabel, cujos logradouros vazios bem indicavam quem se julgava com vantagem na refrega.
A par disso, a destruição de oito ônibus reflete igualmente a incapacidade das forças da ordem de protegerem os meios de transporte, com a inevitável consequência da virtual interrupção desse serviço por bastante tempo, dada a compreensivel retirada de mais veículos das ruas pelas concessionárias.


Considerações Olímpicas.

Se a tragédia de ontem tivesse ocorrido há pouco mais de duas semanas atrás, não é necessária nenhuma bola de cristal para prever que a candidatura do Rio de Janeiro, sem embargo de todo o esforço presidencial, governatorial e prefeitorial, teria sido abatida ingloria e rapidamente por qualquer uma das demais três metrópoles que disputaram com o Rio a Sede Olímpica de 2016.
Ontem, a queda do helicóptero, derribado pela artilharia do tráfico, mostrou às autoridades do Rio de Janeiro – e ao Presidente Lula – que dentre as metas a seram atingidas até 2016, não dá mais para esgrimir por meio de parolagem inconsequente a concreta ameaça do tráfico e do crime organizado no Rio de Janeiro.
Não dá mais para armar aldeias Poniatowski, quando a czarina passar. Tampouco é hora para o discurso vazio de que as coisas estão sob controle.
Parafraseando o slogan que levou Bill Clinton a conquistar a presidência, “Olha pra segurança, ô cara !”
Não sei como, mas alguém terá de tirar o elefante da sala. Aparentemente, há tempo para isso. Mas que não se enganem. O tempo não é mais para tergiversações, nem conversa fiada.
Senão, corremos o risco de vexames antecipados.

sábado, 17 de outubro de 2009

O Sorrateiro Avanço da Reforma de Saúde

É um vezo da imprensa que não se limita aos grandes jornais estadunidenses. Há nela inconsciente tendência em prever o pior por vir. Muitas vezes as dificuldades são exageradas, e em cada passo de tramitação legislativa, que mereça a atenção prioritária da mídia, se entrevêem tropeços e armadilhas em todas as curvas da senda a ser vencida.
Não me entendam mal, por favor. Não estou atribuindo aos profissionais da notícia propósitos inconfessáveis ou irreprimível Schadenfreude[1]. Talvez, no entanto, no genoma jornalístico haja certa propensão para a descrença no êxito, dada a larga convicção de que as más novas atraem mais leitores.
Veja-se a cobertura, v.g., da reforma sanitária no Congresso americano. Mesmo em relatos que se apresentam sob ângulo supostamente positivo, a progressão nos vários projetos de lei sobre seguro de saúde é descrita como ‘cambaleante rumo às votações’.
Semelha oportuno, por isso, que se passe em revista a real situação da atual proposição de reforma sanitária, de iniciativa da Administração Obama.
Tanto na Câmara dos Representantes, quanto no Senado, a legislação proposta já superou a fase da apreciação e votação nas respectivas comissões. Dessarte, existem três projetos de lei na Câmara, e dois, no Senado.
O último comitê a completar tal requisito foi o de Finanças, presidido pelo Senador Max Baucus. Pelo empenho de lograr projeto bipartidário (o que não foi conseguido em nenhum outro comitê), os trabalhos de senadores democratas e republicanos reunidos na Comissão de Finanças despertou maior atenção, do que nos demais, havendo inclusive representantes republicanos, como o Senador Charles Grassley (Iowa), participado de reuniões com o Presidente Obama. Assinale-se que o considerável esforço de Max Baucus rendeu o único voto republicano até agora para a proposta da saúde. Com efeito, a Senadora republicana do Maine, Olympia J. Snowe, se juntou à maioria democrata nesse Comitê, aprovando o projeto – que não inclui a chamada opção pública – por catorze votos a nove.
Passa-se agora a uma etapa da tramitação legislativa. É interessante, de resto, acentuar que o plano de reforma sanitária coordenado no início do primeiro mandato de Bill Clinton pela então Primeira Dama Hillary Clinton sequer chegou a esta segunda fase, havendo naufragado antes nas duas Casas do Congresso. Como referi acima, existem três projetos de lei na Câmara, todos eles com a dita opção pública, isto é, prevêem agência estatal de seguro de saúde, que concorreria com os planos privados de seguro. Por sua vez, no Senado, o projeto do Comitê de Saúde inclui a opção pública, mas aquele do mais moderado Comitê de Finanças a substitui pela criação de cooperativas de caráter voluntário.
Antes de serem submetidos à votação dos respectivos plenários, a Presidente (Speaker) da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, deverá integrar os três projetos em um único. Por tradição, as Câmaras de maioria democrata se caracterizam por serem mais liberais-progressistas. Não surpreende, por isso, que todos os projetos aprovados em Comissão tenham a opção pública. Até o presente, as lideranças republicanas se tem recusado a qualquer mostra de bipartidarismo, partindo para uma postura essencialmente negativista. A maioria dos democratas parece folgada, a despeito das nuvens da reduzida facção dos blue[2] fiscal dogs (cães da guarda fiscal democrata),que estariam propensos a se absterem ou votarem contra.
Por seu lado, no Senado, caberá ao Senador Harry Reid, Líder da Maioria procurar apresentar um projeto conjunto (das versões dos dois Comitês), que reúna condições de colher os sessenta votos indispensáveis para evitar possíveis intentos de filibuster pela minoria republicana. É provável que o projeto de lei que vá a plenário não tenha opção pública.
Aprovados pelas duas Casas os projetos respectivos, se avançaria para a denominada Conferência legislativa, em que os representantes de Senado e Câmara discutiriam sobre a conformação de projeto de lei conjunto, suscetível de ser ratificado pelas duas Câmaras, em votações separadas.
Se a tramitação é longa, ela não difere daquela adotada em todos os projetos de lei de maior relevância, em que são apresentadas propostas por Câmara e Senado.
Se tudo correr conforme as previsões da Casa Branca e das lideranças democratas, antes do fim do ano se estima que o Presidente Barack Obama possa ser o primeiro Chefe de Estado americano, depois de Lyndon Johnson, nos anos sessenta,a fazer aprovar ampla proposta de reforma sanitária.
As consequências políticas do eventual sucesso desta iniciativa não podem ser minimizadas.
[1] Alegria com a desgraça alheia.
[2] Blue (azul) é a cor do Partido Democrata.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A Longa Vida da Censura contra o Estadão

A liminar do desembargador Dácio Vieira, inda que marcada de tantos vícios de forma e de conteúdo, continua bastante viva, completando o seu septuagésimo sétimo dia de existência. Os pormenores dessa travessia são conhecidos dos leitores deste blog. Não obstante a proximidade do desembargador do TJ-DF com o clã dos Sarney, fato que inclusive motivou ação para o Conselho Nacional de Justiça, a posterior suspeição declarada do magistrado pelos desembargadores mais antigos do TJ, a transferência da competência para outro juiz do TJ-DF, os longos prazos intervenientes, as manifestações de juristas e inclusive de ministros do STF (opinando em ‘teoria’), nada disso pode exorcizar a inicial censura, mantida a ferro e fogo, por dois desembargadores, e mais duas turmas de outros magistrados, sempre do TJ-DF.
Ao cabo de cerca de setenta dias, ex-abrupto o dito Tribunal de Justiça, através de mais uma turma, em acórdão decide declarar-se incompetente na matéria, e resolve expedir a ação para juiz de primeira instância do Maranhão. A par do estranhável assombro defronte dessa algo tardia determinação de incompetência, tal avaliação não afeta o busílis da questão, eis que a colimada censura, obtida com presteza por Fernando Sarney do desembargador Vieira, continua como uma camisa de Nesso, a envolver a liminar, por mais suspeita e incompetente que ela venha a ser inquinada por decisões do próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
A equipe jurídica do Estado de São Paulo deve estar sopesando que recurso deva tomar nos próximos dias. O que já caminha para constituir no futuro um caso célebre, a constar dos manuais de direito constitucional, ora se acha como que suspenso no ar, na dependência do recurso que os advogados do conceituado jornal paulistano reputem mais avisado apresentar.
Enquanto se determina se a questão será dirigida ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, hoje se agrega àqueles que consideram discriminatório o ato contra o Estado a voz do Senhor Ministro da Justiça, Tarso Genro.
O Ministro julgara a princípio que colocar a questão como “censura” seria na sua opinião tecnicamente errado. Para defender essa tese, entendia o Ministro Genro que o ato judicial de interdição da informação tinha outro fundamento que o caracteriza, qual seja a “precaução de defender o patrimônio subjetivo de um cidadão, defesa que não é destinada somente ao Sr. Fernando Sarney, mas a qualquer indivíduo”.
Quase desnecessário se me afigura observar que discordo de tal tese, eis que admite a censura ou a mordaça por ampla motivação, o que tenderia a generalizar o recurso à intervenção judicial com efeito de censura, malgrado tivesse o pejo de invocar outro propósito. A própria lei magna faculta o eventual recurso ao direito de resposta e à proteção contra possíveis acusações difamatórias e caluniosas.
Não obstante o que precede, doravante o Ministro da Justiça considera ‘discriminatório’ o ato judicial contra o Estado de São Paulo. Com efeito, em seu artigo diz: “tendo em vista todas as informações já divulgadas sobre aqueles episódios é possível dizer, agora, que o ato já se configura como uma censura discriminatória e unilateral contra o Estadão. (...) Desta forma, a permanência do ato e não sua motivação originária é o que configura, neste caso, censura ao referido jornal. Até por que diversos outros órgãos já veicularam diversas informações a respeito do caso, sem que houvesse qualquer obstrução por parte do Poder Judiciário. A situação inclinou-se para um tratamento desigual e, portanto, não abrigado pelo ordenamento constitucional do País.”
A única coisa que fica difícil de entender é o porquê da continuação indefinida da censura imposta pelo TJ-DF. Por outro lado, esse aspecto da questão pode ser visto como um espelho das características da justiça em nosso país. É de augurar-se que a boa causa prevaleça no final. Mas fica sempre a pergunta do porquê.
Por isso o recurso ao Supremo seria o caminho mais adequado. Poderia tardar ainda um pouco mais, porém, se conjugado com a produção da súmula vinculante, significaria a garantia de que tais absurdos e tropelias não mais se repetiriam.
Será esperar demasiado ?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Duas Caras

Em blog recente – Para Copenhague ver ? – a despeito de uma palavra de precaução, haja vista o seu comportamento pregresso, me aventurei a expressar apreciação elogiosa acerca de possível conversão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para posições de política ambientalista.
Reportava-me à promessa presidencial de reduzir o desmatamento da floresta amazônica em 80%. Além disso, o Ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, se apressou em antecipar sua proposta a Lula de congelar as emissões de gás carbônico, mantido o crescimento econômico na taxa de 4%. Perguntado como se implementariam tais objetivos, Minc aduziu que seria através da redução no desmatamento, da ampliação do uso de biocombustíveis, e do investimento em hidrelétricas.
Infelizmente, é indispensável ter presente que há uma componente do personagem Zelig, de Woody Allen, no popularíssimo Chefe da Nação. No exterior – assim como em diálogos no Brasil com próceres estrangeiros – surge em Lula uma nova personalidade. Sabedor da má impressão que provocam no chamado circuito Elisabeth Arden seus companheiros ruralistas e desmatadores, torna-se o nosso presidente em genuino ambientalista, grande admirador de Chico Mendes e de todos aqueles empenhados na preservação da floresta amazônica, na opção verde e no desenvolvimento sustentável.
Não se vá acoimá-lo de hipocrisia ou dissimulação. De acordo com a personagem, dependendo do cenário em que se encontre, Lula acredita piamente naquilo que está dizendo. Todas essas confissões ambientalistas se subordinam a uma condição resolutiva: enquanto cercado pelo entorno favorável aos princípios ecológicos, as suas afirmações devem ser tomadas ao pé da letra. Na hipótese, porém, de mudança de ambiente, cessa para todos os efeitos a validade prática de tais assertivas.
Senão, vejamos. No dia seguinte à comovente metanóia[1] do Presidente Lula, o Instituto Imazon divulgou o recrudescimento do desmatamento na Amazônia, que voltou a subir pelo segundo mês consecutivo em agosto. Consoante os dados da ONG, houve aumento de 167% na área desmatada, na comparação entre agosto deste ano com o mesmo mês de 2008. Os satélites detectaram que 273 km2 de floresta foram derrubados. Assinale-se que já em julho de 2009 o desmatamento tinha aumentado em 93%.
Para Adalberto Veríssimo o dado mais alarmante é que, por primeira vez, cerca de metade do desmatamento está ocorrendo em áreas sob responsabilidade da União, e não mais em propriedades produtivas privadas. Assim, em agosto 132 km2 foram destruídos em unidades de conservação e terras indígenas.
Com todos os sistemas existentes de fiscalização por satélite da Amazônia, como definir esse descarado ataque às terras da União ? Como definir esses totais nestas áreas, senão como atestado de uma fiscalização inexistente ? E qual a responsabilidade dos ditos órgãos competentes, com o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama à frente ? Nas palavras do pesquisador da ONG Veríssimo, “É como assaltar a delegacia.”
A par da falta de controle do Estado sobre suas próprias áreas, está ocorrendo outra mudança em relação ao objetivo da derrubada da mata.
Anteriormente, a maior parte do desmatamento era interpretado como ‘produtivo’, servindo para abrir espaço para agricultura e pecuária. Agora, ele é precipuamente especulativo e tem o escopo de garantir a posse da terra.
Ofensiva também no Congresso.
Custa crer que o Presidente Lula e seu solícito Ministro Carlos Minc ignorassem esta involução no front do combate ao desmatamento.
Resulta igualmente difícil de engolir que Sua Excelência não tenha tido ciência do último desenvolvimento contra o ambientalismo.
Na contramão dos interesses maiores do país e das grandiloquentes declarações do Presidente, a frente ruralista ganhou mais um embate contra os ambientalistas na formação da subcomissão especial da Câmara de Deputados, criada para discutir alterações no Código Florestal.
Sem embargo das tentativas dos parlamentares verdes de barrar a comissão, abandonados à própria sorte não puderam impedir que os ruralistas se apossassem dos postos de comando da dita subcomissão. Para a presidência foi escolhido o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), que é da bancada ruralista. Para relator, escolheu-se o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que tampouco tem apoio dos ambientalistas.
O PT, em contradição com o seu histórico de defesa do desenvolvimento sustentável e do ambientalismo, trabalhou eficazmente contra as teses defendidas pelos verdes.
O objetivo da subcomissão é o de revogar a legislação ambiental brasileira. O seu controle está em mãos de parlamentares ligados à agricultura e à pecuária. Nesse sentido, o presidente da subcomissão quer ouvir todos os 27 estados, pois ele almeja passar o controle para os estados nesse setor.
Diante desse escandaloso permissivismo, possível pela omissão ou mesmo comissão das autoridades no Legislativo e no Executivo em condições de coibir a mais este despautério, cabe perguntar se não caberia estudar recurso ao Judiciário, pela mui provável inconstitucionalidade das disposições perseguidas por essa estranha subcomissão.
[1] Segundo o Houaiss, mudança essencial de pensamento ou de caráter.

Saindo do Pântano ?

A querela em Honduras já se estende por muitos meses e mais acirrada se mostra desde o passe de mágica do coronel Chávez com a ‘aparição’ de Manuel Zelaya na porta da chancelaria da embaixada do Brasil. Como bem se sabe, valendo-se do esdrúxulo status de ‘hóspede’, Zelaya não tardaria a passar de servo a senhor, em termos de posição naquele pedaço de terreno que por antigas convenções internacionais goza do privilégio da exterritorialidade.
Não vale decerto a pena delongar-se em tais circunstâncias, embora talvez caiba assinalar que em símile não ocasional o que se contempla nas dependências da embaixada brasileira reflete haver a nossa diplomacia assentido em ser usada como mero instrumento tático das maquinações do caudilho Hugo Chávez e de seu discípulo hondurenho.
Quanto às negociações em si, depois do usual intermezzo ineficaz de outro intento da OEA, com a presença do Secretário-Geral José Miguel Insulza, cairam no domínio das frentes locais. Como toda a disputa interiorana, é de árdua solução, quiçá menos pelas questões substantivas, do que pelos respectivos egos contrapostos.
Não se diga, porém, que os campos se tenham limitado aos respectivos grupos de apoio nacionais. Enquanto a facção de Zelaya se vale, a par do previsível padrinho Chávez, de um esparso sentir de ferida legitimidade, que por seu peso relembra os ditos ‘apoiamentos’ dados a requerimentos de colegas por nossos congressistas, a título de descompromissada simpatia, a coligação de Micheletti vem empreendendo espertos contatos com o Senado da superpotência. Mais especificamente, esses ‘contatos’ se dirigem a senadores republicanos e são feitos com a experimentada e não-gratuita ajuda de proficiente lobby. Com custo até agora orçado em quatrocentos mil dólares, o governo interino de Roberto Micheletti se tornou, indiretamente, um incômodo para a Administração Obama, ao impedir, através de seus simpatizantes republicanos no Senado, a aprovação congressual do Assistente do Secretário-de-Estado para os assuntos do Hemisfério Ocidental e, interessante coincidência, do novo Embaixador estadunidense para o Brasil. Além disso, Micheletti et al. estabeleceram através de seus comissionados estreitos laços com agências bastante próximas da Secretária de Estado Hillary Clinton e do Senador John McCain.
Pelas implicações deste investimento em lobistas – exercício de resto perfeitamente legal se realizado nos padrões exigidos pela legislação pertinente – a pobre Honduras de Micheletti não se acha a bem dizer desamparada no embate, em que a posição da potência hegemônica não é fator a ser desconsiderado.
Retornando a Tegucigalpa, a negociação entre representantes do presidente deposto e do mandatário interino, após ultapassarem os obstáculos supostamente menores, esbarram em qual autoridade deverá chancelar o acordo definitivo que disporá, em algum momento, da reassunção de Manuel Zelaya.
A pedra no caminho para a aprovação do texto do acordo estaria na autoridade que o ratificaria: se o Congresso ou a Corte Suprema. Como o último passo para a trégua entre os dois acampamentos, na verdade, pode ser visto em tanto mutação das próprias posições que buscam fazer prevalecer, a opção do Congresso seria encarada como favorável a Manuel Zelaya, e a da Corte Suprema, reputada como mais propícia para Micheletti.
Talvez o prolongamento da crise hondurenha venha contribuindo para reduzi-la à sua expressão menos regional do que nacional, e a interessar um número progressivamente menor de países, excluídos aqueles que, ativa ou passivamente, nela tenham alguma participação.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Empreguismo Oficial

À primeira vista, não é decerto fácil de entender o porquê do inchaço na máquina de funcionários públicos. Para um país que tem necessidade de reformas – e aí estão, ano após ano, a reclamar o empenho de um governo que se proponha a equipar o Estado e a Sociedade para os desafios do futuro. Delas muito se fala em campanhas eleitorais, porém forçoso semelha reconhecer que está mais do que fundamentado o ceticismo do eleitor diante das vazias promessas dos candidatos. E não se faça neste capítulo exceção entre postulantes na esfera federal, estadual e municipal. Se um décimo dos solenes compromissos feitos ao ensejo dos prélios nas urnas fossem cumpridos, o Brasil hoje seria um país com melhor qualidade de vida.
Desde que passei a existir politicamente, recordo-me de um único candidato a presidente que apresentou programa sério e, uma vez eleito, fê-lo cumprir - Juscelino Kubitschek de Oliveira. Não será, portanto, por acaso, que no século XX Getúlio Vargas e JK sejam os grandes vultos da Nação.
Lembro-me da esperança que saudou o operário Luiz Inácio Lula da Silva como aceno de renovação e de reformas democráticas. Tenho ainda presentes as mesas de idealistas e estudiosos que o candidato percorria em seu programa eleitoral. Tais mesas eram formadas por respeitados intelectuais e profissionais em seus campos respectivos, que se tinham associado ao PT, não por oportunismo, mas pelos programas e perspectivas apontadas pela trajetória do Partido dos Trabalhadores.
A par do respeito aos parâmetros encetados pelo Plano Real e à ortodoxia econômica-financeira, já no primeiro mandato de Lula se depararia, com consternação, que no seu governo aqueles grandes nomes foram enjeitados – um deles chegou a ser demitido pelo telefone – em proveito de outras políticas e práticas, conduzidas por grei muito diversa daquela a que o deferente candidato cumprimentara sob os olhos de esperançosos eleitores.
A expansão do ministério, acentuada no segundo mandato, em padrões que pouco tem a ver com os princípios da governabilidade moderna, encontra melancólica correspondência no incrível aumento do funcionalismo público. Na contramão dos preceitos da boa governança, que recomenda as reformas estruturais, os investimentos na infraestrutura sanitária e de transportes, o governo Lula cuidou de inchar os cargos públicos. Com isso, sobrecarregou os gastos correntes, que não têm a produtividade e a flexibilidade de outros dispêndios.
De 2003 para cá, houve um aumento líquido de 57.102 de novas vagas. Dentre as 160,7 mil vagas autorizadas, uma vez descontadas as substituições por aposentadoria, falecimento e outras exclusões, temos o acréscimo líquido nessas 57 mil vagas.
O Executivo já ultrapassou a marca do milhão de servidores ativos: 543,1 mil servidores civis e 428,7 mil militares. Ao todo, a União, com os funcionários do Banco Central, Ministério Público da União e Empresas públicas, conta – se computados os 93,2 mil do Poder Judiciário e os 24,6 mil do Legislativo, - com l,13 milhão de servidores, que passam para 2,1 milhão, se incluídos os aposentados e pensionistas dos três Poderes.
Privilegiar o número de contratados ao invés da qualidade do estipêndio terá sido outro equívoco, que compõe o erro de inchar o funcionalismo estatal. Bem sabemos das abstrusas disparidades existentes nas remunerações atribuídas aos funcionários e contratados do Legislativo – e do Judiciário – em detrimento dos baixíssimos níveis marcados para os profissionais da educação.
Bem sei que um primeiro esforço pelo Ministério da Educação de elevar os salários dos mestres do ensino primário e secundário tem encontrado resistência de certos executivos estaduais, que demonstram, no capítulo, lamentável cegueira.
Se com uma parcela das grossas despesas em que incorre o orçamento com as novas contratações, se desse primazia à reestruturação dos salários dos professores primários, secundários e universitários – hoje um verdadeiro escárnio, se cotejados até com remunerações de pessoal auxiliar do Legislativo – o governo Lula mostraria real preocupação no futuro de nosso País, assegurando o incentivo indispensável para todos os nossos mestres, e, em consequência, a melhoria em todos os níveis da educação no Brasil.
Ao invés dessa custosa bolha do inchaço do empreguismo, que melhor investimento poderíamos ambicionar para o futuro de nossos jovens ?

( Fonte: O Globo )