sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Sinodo da Amazônia


                
        Convocados por Papa Francisco, a partir de domingo, 184 bispos se reunirão para o Sínodo da Amazônia,que se propõe discutir, durante 20 dias, no Vaticano, a presença da Igreja Católica na Hiléia.A questão ambiental estará no centro das discussões - até por causa dos incêndios florestais - mas o olhar dos clérigos se volta também  para temas que podem refletir tendências de polarização na Santa Sé, e até discussões sobre ordenação de casados e ampliação da presença feminina.
             Os dois temas estão no documento preparatório para o Sínodo porque a escassez de sacerdotes impede a expansão da Igreja na região amazônica. Se a Igreja vai adaptar suas diretrizes sobre esses assuntos, só se saberá quando o Papa proferir a exortação apostólica pós-sinodal - que não tem data estipulada para acontecer. Mas o fato é que o sínodo ocorre em um momento em que Papa Francisco é de uma certa forma confrontado pelos dois lados.
              Há um núcleo de insatisfação que se pode identificar na Igreja alemã, em que segmentos germânicos levantam questionamentos sobre os objetivos do Sínodo. Dessarte, na extrema direita da Igreja - para usar termos comuns à polarização - cardeais chegam a verbalizar que Francisco renuncie, e nesse sentido conclamam os fiéis a jejuarem para que as "heresias" supostamente pregadas pelo Pontífice não venham a ser aprovadas (sic). No outro extremo, ainda na Alemanha, progressistas germânicos estão prestes a realizar o Caminho Sinodal para discutir se o celibato obrigatório é a melhor maneira de um sacerdote viver no século XXI e questionar o fato de que as mulheres não poderiam ser ordenadas como diaconisas ou padres - o Papa, aliás, até pediu um estudo    teológico a respeito, que negou a existência histórica.
                  E, a respeito, há pressões diárias. Ontem, v.g., houve novos protestos da associação Voices of Faith, que reúne religiosas de todo o mundo e reivindica do Santo Padre que as mulheres tenham direito a voto no sínodo - há trinta e cinco delas entre os participantes, mas só com direito à observação.  Indagado a propósito, o secretário-geral do evento, cardeal Lorenzo Baldisseri, tornou a dizer nesta quinta que só terão voto os bispos e as pessoas autorizadas  pelo Santo Padre.
                    Ao grupo mais tradicional, que pede sua renúncia - e que por conseguinte se acha na beira da contestação - Francisco não responde. Aos alemães, Francisco escreveu carta dirigida aos fiéis na qual diz "compartilhar a preocupação sobre o futuro da Igreja na Alemanha". Não obstante, também alertou sobre o risco de se colocar em pauta processos que podem prejudicar a unidade da Igrja. Para ele, separadas, a Igreja universal e as Igrejas particulares "se enfraquecem, secam e morrem."
Renúncia. Só a possibilidade de abrir brechas pastorais já movimenta críticos. Os conservadores normalmente evitam se pronunciar abertamente - mais ciosos da unidade da Igreja, temem que seus pronunciamentos coloquem "mais lenha na fogueira". Mas como em tudo há exceções, v.g. o autor  chileno José Antonio Ureta, ultra-conservador, ligado à Sociedade de Defesa da Tradição,Família e Propriedade (TFP).  Para ele, como brincou Francisco há pouco tempo, há algo de "comunista" nessas ideias.  "Não é novo. A Teologia da Libertação busca isso desde os anos setenta."

                    Há quinze dias, o cardeal americano Raymond Burke e o bispo Athanasius Schneider (auxiliar de Castana, no Casaquistão) assinaram uma declaração de oito páginas na qual lançaram  um alerta contra seis "graves erros teológicos e heresias" no documento preparatório do Sínodo. Assim, reforçam  a posição do cardeal alemão  Walter Brandmuller, que considerou o evento próximo de contradizer "o ensino irrevogável da Igreja".
                   As críticas falam de "panteismo implícito", uao de "superstições pagãs e xamanismo" e redução a costumes aborígenes, além das críticas a ordenações de casados e à concessão de ministérios a mulheres. O documento de trabalho do Sínodo, defendido ontem pelo relator, o brasileiro D. Cláudio Hummes, fala da possibilidade de se discutir a questão dos "viri probati", homens reconhecidos pela comunidade e de fé comprovada que se responsabilizariam por alguns sacramentos em locais isolados - e supririam a falta de padres. Na mesma linha, se cobra o reconhecimento das mulheres - que se encarregam de grande parte do serviço religioso na região.

                     Quanto ao Instrumento de trabalho , o cardeal Hummes afirmou que "não é do Sínodo, mas para o Sínodo".  "É a voz do povo local.." Baldisseri destacou que não se trata de um "documento pontifício", mas de uma coleta das expressões do povo da Amazônia. "É o ponto de partida para começar a trabalhar."

                   Para os opositores, porém, essa partida leva à heresia. Para combatê-la, sugerem "jejum" e até renúncia de Francisco. Já o Papa, após viagem a Moçambique ,no dia dez, avisou que não tem "medo de cismas". "Mas oro para que não ocorram. O caminho do cisma não é cristão."

                     "O Papa não quer uma ruptura com o corpo da Igreja", explica Maria Clara Bingemer, professora titular do Departamento de Teologia da PUC-Rio. "Após o Sínodo da Família, Francisco já abriu o discernimento das igrejas locais sobre a Eucaristia para os casados de segunda união. Depois deste sínodo, é capaz de ter abertura de uma brecha para a ordenação de padres casados, como quer a Alemanha. Mas é tudo muito lento, mesmo." Na mesma linha, até assessores próximos do Pontífice, como o cardeal canadense Marc Oullet, se dizem "céticos" quanto a qualquer nova diretriz pós-sínodo.

                   Estar no meio desse embate é exatamente o grande mérito  deste pontificado, afirmam os teólogos. "O caráter mais profético de Francisco é que ele se torna um homem de diálogo quando a sociedade ocidental parece ter desistido de dialogar", afirma Francisco Borba, coordenador do núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

                    Papa Francisco faria a síntese: reconhece a necessidade de um arejamento doutrinal, mas mantém posições como a valorização do misticismo e a pregação de que gênero é apenas o biológico.

( Fonte da transcrição: O Estado de S. Paulo )      

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