domingo, 30 de setembro de 2012

Censura Nunca Mais !


                                      
       O que mais deve surpreender ?   A aplicação, sob  diversos pretextos, da censura judicial, ou a sua condenação extra-judicial, seja através de candentes editoriais, ou de verberações eloquentes – que podem até incluir testemunhos à imprensa de ministros do Supremo Tribunal Federal ?
      Na verdade, nem uma nem outra, pois ambas têm a mesma causa: são manifestações rituais, a primeira com consequências concretas, a segunda, reativa e pro forma.
       Só pode causar perplexidade  sua acintosa proliferação, ou para aqueles que gostosamente compactuam com a abstrusa situação, ou então para os que pensam valerem os protestos isolados e inconsequentes como soluções eficazes, que possam cortar da hidra as cabeças.
        Sem embargo,  embora inconstitucional ex vi de cláusula pétrea da Carta Magna, a censura continua a viver, a repontar por toda a parte, como se inexistissem o artigo 5º, inciso IX, e o artigo 220, parágrafo 2º.
        Na verdade, o engano começa tristemente aí.
        Corre no exterior o dito que o Brasil é um país de muitas leis, que infelizmente não são cumpridas.
       Ao invés de derribar tais assertivas, genéricas e imprecisas, não seria o caso de deter-nos um pouco mais ? Não será decerto difícil topar com exemplos que venham a corroborar tais elaborações.
      No drama da sobrevida da censura, dispomos de sinalização que incomoda, pois derruba  muitos mitos que podem convir aos candentes editoriais dos jornalões.
      Na falta de cumprimento dos inequívocos mandamentos da chamada Constituição Cidadã, o desrespeito à taxativa proibição da censura por via judicial grassa como o inço nos terrenos baldios.
     Primo, não procede que se aponte a censura como um fenômeno interiorano, incrustado nos grotões de que nos falou Tancredo Neves. Na verdade, basta citar a aberta chaga da sentença do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apesar de inconstitucional, a sua injunção continua de pé, não obstante ter até passado pelo STF, que perdeu boa ocasião de rejeitá-la, apoiando-se, por triste maioria, em filigranas jurídicas que, na prática, lhe asseguraram a continuada e inconstitucional existência.
    Secondo, que as censuras judiciais se espalhem por esses Brasis não é algo espontâneo. Data venia,  para tanto, a meu modesto ver, não se poderia asseverar que a inação do Supremo seja  uma das causas desse estranho festival de uma serial inconstitucionalidade.
    Não, meu caro leitor, não estou a brandir paradoxos. Na verdade, por sua reiterada recusa de atalhar de uma vez o problema, por meio da elaboração de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal torna-se a causa principal não só da existência do abuso, senão do próprio crescimento da censura.
    O recente editorial da Folha de S.PauloCensura em Rede -  se é oportuna reprovação de uma prática que ressuscita instrumentos obscurantistas,  próprios dos miasmas da ditadura, e não da atmosfera democrática,  pode também ser lido como um canto fúnebre para a proibição da censura. Elencam-se as transgressões, mas, por falta de reação dos tribunais superiores, se acrescenta a fórmula que, melancolicamente, explica por que o recurso se multiplia, e a censura ao cabo prevalece:  juízes atuam para limitar a liberdade de expressão, numa série de decisões intolerantes que merecem repúdio, mas não pode deixar de ser cumprida.’
      Se as sentenças são inconstitucionais, se elas ignoram a determinação dos artigos 5º e  220, não será pela interrupção da luta - quer pelo cansaço, quer pelo abandono, como se diante de forças superiores - que se deva desistir do bom combate.
     Todas essas determinações se fundam em causas especiosas, que por motivações diversas (incluindo até as errôneas, mas de boa fé ) precisam ser contestadas, e não, lançadas a uma sorte madrasta, com fundos suspiros que não mascaram a objetiva aceitação da derrota.             
     De uma forma ou de outra,  nossa Corte Suprema carece responder ao chamado, porque é inadmissível que se tolere a continuação de  estado de coisas que agride uma das cláusulas pétreas do documento de cinco de outubro de 1988.
     A frase ‘Censura nunca mais !’ não é simples slogan propagandístico. Para quem conviveu com as páginas brancas dos jornais, os textos camonianos e as receitas, para quem aguentou os riscos burros do censor nos livros, nas revistas e nos diários, para quem via nos cinemas os filmes com o carimbo do obscurantismo burocrático, arte e pensamento vistos com a desconfiança policial, é uma experiência tão vexaminosa quanto dolorosa ser forçado à presença do arrocho, da intolerância e, por que não dizer, do menosprezo ao pensamento que a Censura, nos seus diversos e maléficos avatares, nos confronta a cada dia ?
    A frase Censura Nunca Mais ! não é fórmula expletiva, nem resto de  festa. Muita gente foi perseguida e torturada, perdeu o emprego e até a vida por causa dessas três palavras. É mais do que tempo de o Supremo Tribunal Federal inscrevê-la com o cinzel perene da súmula vinculante, para dar um basta à farra presente da censura judicial.
 

 

(Fonte subsidiária: Folha de S. Paulo)

sábado, 29 de setembro de 2012

D. Dilma: e a Economia, hein ?


                                
          A visão da Presidenta Dilma Rousseff em matéria econômica não corresponde decerto a seu preparo na matéria. Ao invés de seu predecessor – e criador – Luiz Inácio Lula da Silva, que, por não ser do ramo, deixava a coisa correr por conta do respectivo Ministro da Fazenda, dona Dilma, como é de seu feitio, gosta de ter a última palavra em tudo.
        Antes de pôr isso às claras, convém esclarecer que, com Antonio Palocci na Fazenda, e Henrique Meirelles no Banco Central, o primeiro mandato de Lula adequou-se à orientação do antecessor FHC. Como o PT ‘esqueceu’ convenientemente as suas posições passadas, a confiança dos mercados corresponderia ao dever de casa bem-feito, e com os bons índices econômicos e financeiros, o Brasil de devedor se transformou em credor do FMI, a par da estabilidade do real tornar a nossa divisa um dos valores crescentes no mundo econômico e financeiro internacional.
       No entanto, no segundo mandato, com o afastamento de Palocci, por causa de um primeiro escândalo (o do caseiro) e as características do sucessor Guido Mantega, se as grandes linhas permaneceram, principiaram a repontar ocorrências que antes não se entreviam. Na sua ânsia de aumentar os recursos do Tesouro, Lula  tomou gosto com as ditas ‘capitalizações’ do BNDES, que discrepavam da anterior ortodoxia fiscal.
      Veio em seguida a ‘marolinha’ que refletia a crise financeira global, desatada em quinze de setembro de 2008 com a falência do Banco Lehman Brothers. De repente, do mar de almirante de antes se passou às borrascas da Grande Recessão nos Estados Unidos e dos diversos estouros de caixa bancária na União Europeia, a partir da falência da Grécia e das sucessivas intervenções do BCE e do diretório europeu Merkel-Sarkozy para evitar o temido calote helênico.
      A economia brasileira dera mostra de  solidez que muito diferia das crises precedentes (e que indicavam  radical modificação para melhor  em nossa situação ), mas obviamente o entorno internacional mudara, com os consequentes reflexos macro-econômicos.       
      É inteligível a timidez do novo governo Dilma Rousseff em não versar – excluída leve menção no discurso de posse – perante o novo Congresso sobre a urgência de reformas para o Brasil, de que a fiscal e a política sobrelevam às demais. Eleita em segundo turno, o seu mandato correspondia a uma delegação do Presidente Lula. Posto que dos cueiros de manifestação inequívoca do eleitorado decorra  poder  considerável para os novéis mandatários – para o mal no caso do confisco de Collor –as areias correm rápido na mágica ampulheta. Se não são do estampo de Roosevelt, os cem dias marcam não a afirmação mas a inação, e volta a reinar a paralisia.
     Ao invés de valer-se do atacado, Dilma, por natureza ou necessidade, preferiu a minudência do retalho. É incontestável a sua capacidade gerencial, mas ela tem assinalado a própria ação em marcada minudência.
    Dessarte, retirou do Banco Central com o afastamento de Henrique Meirelles também a impressão de autonomia. Por força disso, o B.C. se descobriu sob a asa da Fazenda,  o que troca as bolas e confunde ou condiciona as respectivas prioridades.
    Se dermos preferência a minudências, corre-se o risco de implementá-las muito além de o que interessar possa às conveniências da economia brasileira.
    O governo parece ignorar o peso dos tributos. O cartaz do impostômetro é o retrato de uma permanente derrama – aquela, lembram-se ?, a ser usada pelos inconfidentes contra a coroa lusa sob as luzes da revolução americana.
    Os desequilíbrios na arrecadação conjugados com a esdrúxula feudalização do sistema político, com ministérios sob cancela fechada e outros da quota da Presidente, seriam um teatro do absurdo de Ionescu se não implicassem, na verdade, em enorme desperdício do sacrifício de pessoas jurídicas e físicas ex vi do ralo da corrupção.
    Se estamos diante de um desafio do porte da sobrecarga fiscal, e se a Administração age como se o varejo pudesse dar conta do atacado, estaremos mantendo um modelo que é apenas um avatar de  economia que continua na toada do agro-negócio com suas exportações de matéria prima.
    As intervenções governamentais para alavancar a indústria automobilística além de favorecerem as feitorias estrangeiras – com as remessas de lucro da mais-valia aqui colhida para minorar as dificuldades das matrizes no primeiro mundo – são tópicas e sequer cobram providências para que o efeito poluidor dos veículos seja pautado por regras ambientais europeias.
    Enquanto oneram as planilhas de nossas indústrias contas de eletricidade inchadas pela pantagruélica tributação, e a crise se estende à indústria manufatureira brasileira, a avidez dos poderes executivos – federal, estadual e municipal – não será estancada por analgésicos de emprego eventual – como nas desobrigações temporárias – mas em uma readequação de realidades. Com efeito, a nossa veia para a imitação – que já foi objeto de sátira por nossos vizinhos – deveria ser aplicada à vera, no que concerne às taxas de consumo, que, se comparadas com o primeiro mundo, são mais um exemplo do burro patrimonialismo de Pindorama.
     Daí, o Banco Central ora prevê crescimento de 1,6% na economia, e inflação de 5,2 % para este ano. A debilidade se mostra, igualmente, nas reduções do superavit primário, e na complacência com o subreptício retorno da inflação – que as donas de casa experimentam cada semana nos supermercados. O festival das taxas de fim de ano, com o seu  ágil gatilho de incrementos automáticos, alimenta o dragão da inflação.
     Com a farra grevista – agora exacerbada pelo pouco apetite do Planalto em coibir a demagogia sindical – o pensar pequeno das minudentes espertezas de Mantega (V. o endividamente do Tesouro que nos chega também pela porta dos fundos) se soma a uma geral impressão de consumado ativismo detalhista que desaparece em um quadro geral de um país com dois retratos coexistentes: o da propaganda oficial, que vemos nos filmecos laudatórios das benesses do assistencialismo, empreguismo e das onipresentes quotas; e o da realidade não-palaciana, com expressões como custo-Brasil, que nos trazem outra realidade, que o cidadão brasileiro vê nos hospitais, no transporte público, e na segurança entregue aos mistérios de Deus.

 

( Fonte subsidiária:  O Globo )  

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

De Mensaleiros, Prévias e Avanço de Obama


                           
A Ação Penal 470


            Um a um vão caindo pela progressão do julgamento no Supremo, os intentos  de Lula & Cia. de apresentar o escândalo do Mensalão como  gigantesca Caixa dois, ou, em ainda maior desatino, em tentativa de índole golpista de intimidar o governo petista.
           Assim, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) foi condenado pelo STF por corrupção passiva (recebeu R$ 4,5 milhões para votar a favor do governo). Foi considerado culpado por seis dos dez ministros do Supremo (os outros quatro votarão na segunda-feira).
          Por ser o delator do esquema do Mensalão, há possibilidade de que Jefferson tenha redução de pena. No caso, aplicar-se-ía, mutatis mutandis, a cláusula da ‘delação premiada’.
         Dentre os demais condenados, estão o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) que recebeu R$ 8,8 milhões e valeu-se de empresa fantasma para disfarçar a origem do numerário, Pedro Corrêa (PP-PE), com R$ 3 milhões, José Borba (ex-deputado federal PMDB-PR), com R$ 200 mil, Romeu Queiroz (ex-dep. federal PTB-MG), com  R$ 102 mil, além  do Bispo Rodrigues (ex-deputado pelo PL-RJ), Jacinto Lamas (ex-tesoureiro do PL), João Cláudio Genu (ex-assessor do PP) e Enivaldo Quadrado (sócio do Banval).  
        Muita água há de passar debaixo dessa ponte, mas com a aceitação das penas de corrupção passiva de parte dos principais envolvidos no esquema, semelham reduzir-se as possibilidades de não condenação dos dirigentes do mensalão. Como foi determinada no caso a corrupção  passiva,  fica difícil imaginar esquema em que não haja atores para a corrupção ativa.
 

 
As Prévias do Datafolha


        Conforme antecipado, a divulgação da pesquisa do Instituto Datafolha vem introduzir importantes correções nos números anunciados pelo Ibope.
         Dessarte, em São Paulo há dois desenvolvimentos de relevo, que discrepam dos dados anteriores. O líder nas pesquisas, o deputado Celso Russomano (PRB) caiu de 35% para 30 %, enquanto José Serra (PSDB) mantém a segunda colocação com 22% dos votos, seguido por Fernando Haddad (PT) com 18%.
       Pela sistemática da prévia, Serra e Haddad estariam em empate técnico. Assinale-se que segundo a imediata pesquisa disponível, o ex-Ministro da Educação continuaria com 18% dos sufrágios, e o ex-candidato a Presidente, teria 17%. Se Haddad mantém o total apontado pelo Ibope, Serra registrara menos cinco pontos (com 17%).
      Já no Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB) tem 55% e Marcelo Freixo (PSOL) reúne  19%. Com esses totais, Paes se reelegeria no primeiro turno.
     Dado o crescimento da candidatura de Freixo – que se deve à conscientização da cidadania quanto ao valor programático e ético do deputado estadual pelo PSOL – seria de augurar-se que, com o progressivo encolhimento das demais candidaturas (Rodrigo Maia (DEM) com 4%, Otávio Leite (PSDB) com 3% e Aspásia Camargo (PV) com 2%) exista ainda válida possibilidade de a disputa ir para o segundo turno, o que seria de grande interesse para o Rio de Janeiro.
    Se tal ocorrer,  com a paridade do tempo na propaganda eleitoral obrigatória, poderia até pensar-se em um ‘efeito Gabeira’ para o candidato oposicionista Marcelo Freixo. Na verdade, a coalizão montada pela dupla Sérgio Cabral – Eduardo Paes é um castelo de cartas, sem maior consistência do que as conhecidas benesses do situacionismo.
    Poder-se-ia nesse novo e alentador quadro, imaginar uma avançada com a  mensagem de seriedade e de renovação ética trazida por Freixo. Sem expedientes de última hora como o recurso ao notório (e de duvidosa legalidade) ponto facultativo que ensejara a vitória por escassa maioria no photo-chart (provocada pela enxurrada artificial de abstenções de funcionários estaduais) do atual prefeito Eduardo Paes.
    É indispensável o reagrupamento das forças e o não-desperdício em candidaturas que, ao contrário da de Freixo, não motivaram o eleitorado. Mais uma vez não se deve enjeitar as perspectivas de uma campanha do tostão contra o milhão. A história das eleições municipais está cheia de reações surpreendentes e, porque não dizer, alentadoras para a cidadania.
 

Eleições Americanas

 
     Ao contrário de o que se previa não faz muito, a campanha presidencial americana, ao adentrar na chamada reta final, com os três debates de outubro, e os comícios de terça-feira, seis de novembro,  apresenta um cenário deveras alentador para a candidatura do presidente Barack H. Obama.
    Por força de seus erros garrafais (V. a sua visão colhida nas palavras de Boca Raton), pela sua não-identificação com o eleitor comum e as propostas destrambelhadas do GOP, uma nuvem negra paira sobre a tentativa presidencial de Mitt Romney. 
    Assim, as pesquisas mostram que Obama tem atualmente dez pontos de vantagem em Ohio, nove na Flórida e doze na Pennsilvania. Tais estados no mapa do cômputo dos votos eleitorais se encontram entre aqueles com peso determinante. Até há pouco tempo atrás, as diferenças eram bem menores (quando existiam), e Mitt Romney parecia reunir maiores possibilidades de conquistar tais estados swing.
    Pelo andor da carruagem, não se trata mais de captar votos de indecisos, mas também de tentar recuperar os sufrágios daqueles eleitores – que anteriormente pendiam para o ex-governador de Massachusetts – e que, por força das circunstâncias (muitas delas geradas pelo próprio Mitt) agora se sentem cada vez mais à vontade no seu apoio ao presidente Obama.
     Esse quadro se acentua com a abertura das votações antecipadas para a eleição de novembro. Assim, no estado de Iowa abriram-se as urnas para coletar os votos que a maior parte do eleitorado depositará a seis de novembro. Nesse contexto, impressiona a vantagem do Presidente Obama em Iowa, característica que se vê reforçada pela maior robustez relativa da economia estadual se cotejada com outros estados (os ditos battleground states) em que a prevalência de um ou outro candidato não está determinada.
    Nesse contexto, Romney só poderia esperar uma reviravolta se intervierem resultados catastróficos nos índices da economia, o que, por ora, não semelha ser o caso. Se Obama, por hubris ou coisa similar, não pisar na jaca, nestes cerca de quarenta dias que faltam para as eleições,  tudo leva a indicar que o senador Mitch McConnell (líder da minoria republicana no Senado) não poderá ser atendido na sua prece de que Obama venha a ingressar no grupelho dos presidentes de um único mandato.
    Na verdade, o perigo está aí. Desde tempos antigos, Zeus provoca a perda ou desgraça daqueles que, por excessiva confiança, se julguem seguros de uma vitória a pairar no futuro imediato.
    Os leitores do blog decerto concordarão comigo em que os votos dessa modesta coluna se dirigem para o sucesso da empresa de Barack Obama.

 

 
( Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo, International Herald Tribune )

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Eleição Americana: a Vez da Economia


                               Eleição Americana: a vez  da Economia
 

      Não faz muito este blog se ocupou da alegada imparcialidade do New York Times. Em Notícias do Front (31), de 25 do corrente, nos ocupáramos do ataque desse grande jornal americano a Barack Obama em termos de política externa – Duras Lições para Obama na Primavera Árabe.
      Seguindo o mesmo modelo – artilharia pesada no intróito, seguida por qualificações e observações favoráveis ao Presidente, mas enterradas no corpo da matéria – o Times ora passa para artigo crítico em termos de política econômica, não por acaso o que é visto objetivamente por gregos e troianos como o principal ponto débil da candidatura à reeleição do 44º  Presidente.
      Dados os recentes desenvolvimentos na campanha, e os consideráveis danos que se auto-inflingiu Mitt Romney pelas gafes e, mais do que isso, por  concepção distorcida e preconceituosa de o que deve ser o programa de um candidato a Presidente – declarações essas que ensejaram uma rara unidade nas críticas ao ex-governador de Massachusetts tanto de conservadores quanto de liberais – poder-se-ía supor que o maior jornal estadunidense estaria empenhado em reequilibrar a luta que se conclui nos comícios de terça feira, seis de novembro vindouro.
      Com efeito, mais pelo caráter das respectivas propostas do que pela sua exposição em reuniões (que se pensavam confidenciais) para milionários contribuintes da candidatura Romney, espalhou-se nas hostes do Grand Old Party um manto de pessimismo quanto às reais possibilidades de seu candidato. Estará ele porventura destinado a uma vez mais desenganar a expectativa da militância, tão bem espelhada pelo dito do Senador Mitch McConnell, líder da minoria no Senado, de que tudo se fará para que Barack H. Obama seja um presidente de um só mandato.
      É um estigma da política americana que o chefe do Executivo venha a ser ‘castigado’ pelo eleitorado com a negativa de mais quatro anos na Casa Branca. Nem sempre tal vicissitude terá sido infligida a mediocridades como o Presidente Buchanan, a quem sucedera Abraham Lincoln.
      Sem embargo, tal postura do Senador McConnell se desvelara desde o início do mandato de Obama e, se é natural que a oposição ambicione recuperar a presidência, esta palavra de ordem de um dos líderes republicanos espelha a falta de qualquer sentido bipartidista, ou o que vem dar no mesmo, de preocupação com o estado da União, e a necessidade de unir-se nos grandes temas do geral interesse da cidadania.
     Na verdade, há elementos em demasia no abono desta tese, que apenas repete um deplorável estado de espírito a caracterizar as relações adversariais entre o GOP e o Partido Democrata.
     Para que não se acoime de parcial a visão do autor dessas linhas, semelha oportuno citar o juízo de duas respeitadas personalidades. Na sua obra mais recente ‘É ainda pior de o que parece: como o sistema constitucional americano colidiu com as novas políticas do ExtremismoThomas E. Mann e Norman J. Ornstein trazem o seu categorizado contributo para o atual debate.
    Mann e Ornstein são, na opinião do articulista Ezra Klein, da New York Review of Books, os mais respeitados – e mais citados – estudiosos (scholars) do Congresso Americano. Suas credenciais bipartidistas são reconhecidas: Mann está na Brooking Institution, de centro-esquerda, e Ornstein  trabalha no conservador Instituto da Empresa Americana.
      Semelha, por isso, oportuno, transcrever uma apreciação desses dois especialistas sobre a presente atmosfera política inter-partidária:
      ‘Estudantes de politicas comparativas demonstraram que o sistema americano de limitações e equilíbrios (‘checks and balances’) e a separação de poderes têm mais impedimentos para a ação do que qualquer outra grande democracia. Existem agora incentivos adicionais para a obstrução no processo de elaboração política.
     ‘É testemunho disso o imenso  sucesso eleitoral republicano em 2010 depois de votarem unidos contra virtualmente todas as iniciativas e prioridades de Obama, além de tornar contenciosa e penosa cada votação e implementação, a que se seguiram esforços de peso para deslegitimizar o resultado. E por causa do caráter engajado (partisan) de boa parte da mídia e da tendência reflexiva de muitos na grande (mainstream) imprensa para usar falsas equivalências para explicar situações, fica muito mais fácil para a minoria, no caso os republicanos, empregar filibusters, holds (tomadas de questões supostamente para estudá-las) e outras técnicas de obstrução. O viés para o statu quo do sistema constitucional se torna exacerbado pela disfunção.’
      A falsa polêmica em 2011 do teto da dívida expõe  de forma brutal a irresponsável instrumentalização dessa ocorrência burocrática no passado de parte do GOP, para acarretar a paralisia legislativa, sem excluir consequências mais sérias para a União americana. Como a Casa de Representantes do Speaker John Boehner aparenta continuar republicana após seis de outubro  de 2012 – em função da dinheirama criada pela notória sentença da Corte Suprema Citizens United (que desfez em grande parte o meritório esforço bipartidário de limitar a influência do capital no processo eleitoral) – e como continua imutável a disposição dos líderes do GOP de valer-se de tal expediente, semelha importante assinalar – como enfatizam Mann e Ornstein – que entre 1960 e Agosto de 2011, o Congresso americano levantou o teto da dívida por sententa e oito vezes, quarenta e nove sob presidentes republicanos, e vinte e nove sob presidentes democratas.
       Nada vinca com maior força a hipocrisia e a ausência de qualquer seriedade na questão que o manifesto caráter burocrático com que as votações sobre a elevação do teto da dívida eram encaradas até pouco tempo. Já sob Bill Clinton o Speaker Newt Gingrich tentara essa chantagem, o que lhe saíu pela culatra, com a reeleição do presidente democrata. Dessarte, a disposição do  Tea Party – com a sua oposição direitista e energúmena – tem contribuído para o desprestígio da Câmara Baixa, pela radicalização de Eric Cantor (líder da maioria) e do próprio Paul Ryan (chefe da Comissão do Orçamento e companheiro de chapa de Mitt Romney). Se o que era medida de rotina passou a pomo de discordia, não espanta que colunistas respeitados como Elizabeth Drew manifestem incredulidade, dada a desimportância de um procedimento burocrático que, por inconfessáveis motivos, passou a ser cinicamente instrumentalizado por quem não parece importar-se  que, junto com a água suja da bacia, vá junto também a criança nas crises artificiais a atingirem o Tesouro americano.
          Ao ler a descrição por Mann e Ornstein da tendência da grande imprensa de relativizar situações determinadas, ao ‘usar falsas equivalências para explicar situações’, a alegada imparcialidade v.g. do New York Times não pode senão favorecer o lado republicano. Ao comparar alhos com bugalhos, e colocando as propostas dos radicais republicanos (com Ryan à frente) no mesmo pé com os resultados obtidos a duras penas pela Administração Obama, implica em induzir o leitor a uma visão distorcida, na qual visões amadorísticas e demagógicas (como a de Romney de cortar os impostos dos ricos e diminuir o tamanho do governo) se contrapõem a taxar de professoral que o déficit herdado pelo presidente esteja a caminho de ser cortado pela metade, só que um ano após o prometido.
         Mutatis mutandis, seria bom recordar a empulhação da economia da oferta (supply side economics) do então presidente Ronald Reagan, com o êxito que assinalou o segundo mandato de Bill Clinton, com a série de orçamentos fiscais superavitários.    
         Grita aos céus  que a dita imparcialidade da avaliação jornalística acerca de duas posturas radicalmente diversas só pode objetivamente aproveitar  uma das partes – a republicana – ao descobrir-se colocada, pela gentileza prudencial da grande imprensa, no mesmo nível de  um projeto sério de governo.
       Fundada no grande capital e na direcionada munificência de Wall Street, não é demasiado árduo entender o porquê de um tratamento tão artificial e tão manifestamente direcionado a favorecer um dos lados, apenas pela circunstância de atribuir-lhe propósitos  tão válidos quanto o concernente a essa aguada versão da esquerda, que é o liberalismo (no sentido americano) do Partido Democrata.
      Sinceramente, resulta difícil de engolir que se possa pôr no mesmo nível de um lado um partido que, no nível estadual, se empenha em legislação de dúbia constitucionalidade voltada a criar obstáculos para as populações menos favorecidas  possam exercer o seu direito de voto, e no nível federal, se propõe derrogar a Reforma Sanitária Custeável (ACA) e, assim, retirar de cerca de cinquenta milhões de americanos a proteção médica que lhes foi estendida por essa grande reforma da Administração Obama.
       Ainda assim, entre a burrice militante e a entranhada má-fé da direita populista na Terra de Tio Sam, o jornalão por excelência pelo menos enseja a possibilidade de o leitor atento colher aqui e ali elementos que, por voltairiano propósito, se lança à sua consideração para que logre desconstruir o edifício reporterial. Embora se pudesse desejar mais, a dita equivalência pode até ter alguma utilidade...

 

 
( Fontes: International Herald Tribune, The New York Review of Books).

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

De Mensaleiros, Prévias e Ruralistas


                  
Sabatina no Senado

 
      A sabatina a Teori Zavascki deverá continuar depois das eleições, o que, em Pindorama,  é um desenvolvimento assaz positivo. Interrogado por membros da Comissão de Justiça e Cidadania, o Ministro-indicado para suceder a Cezar Peluso não fechou a possibilidade de que participe da Ação Penal 470.
      Instado pela oposição, o candidato-designado avisou que a decisão sobre participar do julgamento do mensalão não é do ministro, mas do colegiado do STF. A insistência de senadores sobre esse ponto incomodara a Zavascki que afirmou: ‘espero ter dado os devidos esclarecimentos sobre essa questão, que me deixa pessoalmente muito desconfortável’. Segundo assinalou a matéria de O Globo, ele tinha os olhos marejados quando fez tal referência.
      Pela falta de uma categórica assertiva de que não participaria do juízo – embora haja asseverado que não pedirá vista do processo – formou-se consenso favorável ao adiamento da sabatina.
      Dado o caráter em general sumário da manifestação da Comissão – que, em geral, se cinge a apenas uma sessão – a postergação pode ser entendida como um ponto para a oposição. Tal foi decerto facilitado pela notícia oriunda do Planalto de que não há urgência para que Zavascki assuma sua cadeira no Supremo.
     Explicitou-se, a respeito,  que a pressa da presidenta se devera à conveniência de indicar logo o ministro e desse modo esvaziar pressões políticas, vindas precipuamente do Partido dos Trabalhadores. Por esse motivo, o governo ontem não se incomodou com o adiamento do fim da sabatina para depois das eleições municipais, vale dizer, após o dia sete de outubro vindouro.

 

Prévias do Ibope


     A divulgação da pesquisa do Ibope no que tange ao Rio de Janeiro não traz novidade de monta. A coalizão que apóia Eduardo Paes – e cuja amplitude lembra a inchada base de apoio costurada por Lula da Silva para o governo de Dilma Rousseff – continua a refletir-se em nível de aprovação de 52% para o candidato à reeleição.
     A extensão da ‘grande aliança partidária’ que sufraga a candidatura  do atual prefeito  lhe confere um tempo desmedido na propaganda política obrigatória. O espaço televisivo de Paes na prática sufoca aos demais concorrentes e, notadamente, a Marcelo Freixo (PSOL com 17%), e aos nanicos Rodrigo Maia (DEM, com 4%) e Otávio Leite (PSDB, com 3%).
     Se se afigura justo que o tempo na televisão, seja em princípio determinado pelo peso político dos partidos a comporem a chapa, manda o bom senso que haja um limite para essa prerrogativa no primeiro turno (no segundo, o tempo é igual para os dois eventuais candidatos). Será tema para as eleições do futuro, para  que a parcela a ser atribuída ao candidato com maior apoio partidário não ultrapasse o teto de uma disputa em que a oposição não se veja cerceada a uma claustrofóbica, procrusteana e iniqua janela de divulgação. Assim, prever-se quarenta por cento v.g. para o candidato com maior apoio partidário seria medida justa e equânime, de forma a não empurrar os demais concorrentes para o virtual gueto dos nanicos.
      A surpresa em termos de prévia parece vir de São Paulo, onde o Ibope anuncia a ultrapassagem de Fernando Haddad (PT), com dezoito por cento, sobre José Serra (PSDB), com dezessete por cento.
      Aguarda-se a necessária confirmação do Datafolha. Essa mudança no panorama da disputa pela prefeitura de São Paulo poderá ter ocorrido – muitos são os males da candidatura Serra – mas manda a prudência e experiências pretéritas esperar pelas indicações do Datafolha.
     Em uma semana em que seu grande padrinho se viu exposto às acusações de Marcos Valério – sublinhando uma percepção popular quanto à hierarquia chinesa no campo da responsabilidade pelo escândalo do Mensalão – há de suscitar certa estranheza de que logo agora o afilhado do máximo líder da constelação petista haja realizado o salto de passar ao segundo lugar nas pesquisas, o que, se confirmado, lhe asseguraria disputar o segundo turno com Celso Russomano (PRB).

 

Congresso aprova MP revista e desfigurada

 
      O Código Florestal, versão ruralista, continua muito vivo na versão da M.P. devolvida à presidenta Dilma Rousseff, por Câmara e Senado. A fraqueza ambientalista, seja na Câmara, e, ainda mais estranhamente, no Senado, continua a permitir que uma visão moderna e conforme o sentir das ruas seja rotineiramente derrotada. Com efeito, os epígonos do ruralismo, açulados pelas ilusões dos lucros   imediatistas, se lançam em uma debandada de lemingues, para associar-se a Malásias e outros que tais que lograram desfazer-se de seus recursos naturais. 
      Este enorme patrimônio, que herdamos da bravura de nossos antepassados,  descobrimos em marcha acelerada  para a irremediável perdição. Já temos no Pará, com a sua deflorestação, o sinal amarelo de o que nos aguarda, em termos de savanização em congêneres.
     Não dá para entender a inépcia legislativa do governo Dilma, que coleciona malogros e frontais negativas de um Congresso, em que se assinala no papel uma maioria de que os embates ambientais em comissões e plenário cuidam de desmoralizar.
     Será que a tal base de apoio – cosida pela magna aliança do dílmico governo – não tem contrapartida em questões de interesse da Administração ? Será que as APPs (a largura protetora da mata ciliar) podem ser impunemente adelgaçadas a ridículas e ineficazes barreiras ?
    Não há nada mais maléfico do que, de um lado, a tóxica e gananciosa burrice das bancadas ruralistas  e, de outro, a descosida tropa da administração dílmica. Ninguém mais pode espantar-se com a sua comprovada ineficiência que não sabe valer-se da caneta e das vantagens da liderança política.
    Querem resolver com firulas no papel, os problemas de contrariar Mãe-natureza.
    Ao ignorar as matas ciliares – ou torná-las inúteis, por transformá-las em arremedos – a ignara frente ruralista prepara as tragédias ecológicas de um amanhã bastante próximo. Perguntem o que pensam as populações a jusante das Alagoas, do norte do Estado do Rio, e de Santa Catarina (com o seu inconstitucional código florestal estadual) pelo legado das inundações e das avalanches que levaram de roldão casas ricas e pobres, e culturas grandes e pequenas ?
    Que dirão, então, os magnos e ilustres próceres da coalizão ruralista, com Aldo Rebello (PCdoB), Blairo Maggi (PR), Kátia Abreu (PSD) e Luiz Henrique (PMDB)?     

 

 
( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Notícias do Front (31)


                                     
De volta, os velhos truques


       A coluna de hoje de Míriam  Leitão nos fala da reincidência, na prática, a cargo do Ministro Guido Mantega, de buscar em orçamentos paralelos o financiamento, a custa do endividamento da União, de projetos sem origem fiscal ortodoxa.
      Depois das famigeradas ‘capitalizações’ do BNDES, instrumento que tanto agradara ao Presidente Lula da Silva – na medida da falsa mágica de ‘criar’ recursos de fontes não-orçamentárias -, a reinsistência nesse embuste fiscal – que ora aumenta a dívida do Tesouro, em ‘bondades’ para a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, desvenda três aspectos da alegada inventiva de Mantega: (a) não tem nada de novo; (b) é irresponsável e, portanto, perniciosa; (c) mostra que Dilma Rousseff, no seu estilo ‘equilibrista’ (V. Cristovam Buarque) e fragmentário, não está nem um pouco preocupada na preservação de uma ordem fiscal, duramente edificada sob as bênçãos do Plano Real.
      Como oportunamente recorda a colunista econômica de O Globo, ‘por quinze anos, entre o fim da ditadura militar e o ano 2000, o país executou uma enorme tarefa para acabar com os orçamentos paralelos, a conta movimento, os ralos e as fantasias contábeis até chegar à aprovação da Lei de Responsabilidae Fiscal.’
      Tanto o seu criador, quanto a pupila não semelham inquietos em aumentar – dada a origem e o caráter falacioso, o verbo mais adequado seria inchar - os recursos à disposição da Viúva. Nesse sentido, não se lhe acuse de falta de coerência. A ‘autonomia’ do Banco Central, mantida a duras penas por Henrique Meirelles, sob a nova governante transformou-se em miragem do deserto, enquanto a autoridade financeira se descobriu sempre mais na órbita fazendária.
     Os artifícios do Ministro Mantega, se satisfazem os caprichos do poder dílmico, têm fôlego curto, não enganam ninguém, a par de sobrecarregar os cofres públicos. É agourento anúncio de males futuros fazer entrar pela porta dos fundos o quarto de despejo de truques baratos e malabarismos nas contas, contra tudo  o que representou  aturada luta para restabelecer a ordem na casa e dominar a cultura inflacionária.   

 

A imparcialidade do New York Times


      O jornalismo estadunidense e, em particular, o seu principal jornal, posto que tenha um certo favor pelo liberalismo dos democratas, cuida amiúde de fazê-lo passar pela peneira da suposta imparcialidade.
      É uma suposição, mas como o momento político não se afigura especialmente favorável ao gaffeur Mitt Romney, caberia então um artigo crítico no que tange a Barack Obama.
     Insere-se nesse eventual projeto a matéria de primeira página ‘Duras Lições para Obama na Primavera Árabe’. Se não tenho decerto procuração para defender o 44º Presidente dos Estados Unidos, causa espécie a argumentação, seja no que tange a prioridades  que se deveriam defender, seja na própria enunciação das razões que embasariam a postura do New York Times.
     A reportagem se inicia pela colérica reação de Hosni Mubarak ao telefonema do presidente: “ Você não entende esta parte do mundo. Você é jovem.”
    O presidente egípcio reagia ao que Obama acabara de dizer-lhe, considerando insuficiente o discurso retransmitido para milhares de manifestantes na Praça Tahrir. Para Obama, Mubarak não tinha ido longe o bastante. No seu entendimento, Mubarak deveria renunciar.
    O presidente americano anunciaria dentro de poucos minutos, em conferência de imprensa convocada às pressas, que o fim do governo de trinta anos de Mubarak ‘precisa começar agora’.
    Na avaliação do jornal, o presidente Obama pôs de cabeça para baixo (upended) três décadas de relações com o seu mais firme aliado no mundo árabe, pondo o peso dos Estados Unidos diretamente do lado das manifestações árabes de rua (Arab street).
    O restante da matéria, que reflete a profusão da pesquisa e da consulta às diversas fontes envolvidas – quer na Administração Obama, quer no mundo islâmico – pode ser comparada a essas vastas tapeçarias que caracterizam as produções de maior importância da imprensa americana.
    Nesse contexto, elas relembram, mutatis mutandis, o dito relativo aos clássicos portugueses, que seriam igreja onde todos os pecados (de linguagem) são perdoados. Dessarte, na sua preocupação de abrangência, os diversos atores, prismas e opiniões são revisitados, e a posição de Obama não surge com o simplismo do nariz de cera. Chega-se mesmo a um certo reconhecimento de seus traços positivos, não só ao dissociar Washington e o jovem presidente dos ditadores árabes, senão de sua visão que a primavera revolucionária tinha pernas  mais robustas, com força para levá-la muito além da Tunísia.
    Sem embargo, para quem se detém no cabeçalho e nos parágrafos iniciais, a impressão colhida não desagradará a Mitt Romney e seus partidários...

 

( Fontes:  O  Globo, International Herald Tribune )               

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Cheiro de Enxofre ?


                                       

      Embora a designação do Ministro Teori Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), parecesse demasiado rápida, o alegre coro dos colunistas, com profusos elogios (competente, ‘linha dura’) veio, a princípio, suavizar-me  dúvidas e  inquietudes
     Eis senão quando leio o artigo de Ricardo Noblat de O Globo de hoje, e me dou conta de que a reação de suspicácia quanto à pressa do governo de Dilma Rousseff não se afigurava tão despropositada assim, quanto a entusiasta recepção em política e direito me induzira a rever.
    Antes de ocupar-me da oportuna matéria do jornalista Noblat, gostaria de relembrar ao leitor o que penso sobre o processo de indicação presidencial (e de avaliação pela comissão competente do Senado) dos candidatos a ministros de nossa Corte constitucional.
    Se cotejarmos o modelo brasileiro com a atenção e o cuidado dispensados pelo Presidente dos Estados Unidos - a quem compete o encargo constitucional de submeter ao Senado o nome do juiz (ou juiza), para compor o plantel de nove membros da Corte Suprema - assim como as inúmeras audiências públicas reservadas à apreciação pela Comissão de Justiça do Legislativo estadunidense – antes de o nome do indicado ao cargo vitalício ser aprovado ou não pelo Senado e o Congresso americano,  a reação de qualquer pessoa com algumas luzes na matéria não poderá ser senão a de consternação ou até embaraço.
   A instâncias de Rui Barbosa, com a queda do Império, a primeira Constituição republicana foi muito influenciada pela americana. No capítulo jurídico, o papel de nosso Supremo foi moldado pelo exemplo da Carta Magna americana que,  com as suas relativas poucas emendas, continua a fundar-se no texto aprovado pelos constituintes do século dezoito.
   Lá, ao norte do Rio Grande, são inúmeros os candidatos designados pelos respectivos presidentes que foram rejeitados pelo Senado. No Brasil, será acaso a qualidade dos juízes indicados por nossos presidentes refletida e realçada pela solitária recusa do  nome de Barata Ribeiro, reprovado pela válida razão de que era médico e não jurista ?
   Passam as décadas e as constituições, e se há grandes nomes nos ministros de nosso Supremo, forçoso será reconhecer que a sua presença constitui a exceção, em um processo de seleção que se caracteriza pela superficialidade e por consequente falta de atenção à seriedade que deveria presidir a escolha.
   Ao contrário do modelo americano, em que o presidente convida os diversos candidatos a audiências na Casa Branca e sem colocar condições e indagações específicas (que não se coadunam com a relevância do cargo) busca auscultar as grandes linhas de  pensamento do entrevistado, já no plano do poder executivo nada ocorre de similar no Brasil. Aqui, o procedimento se cinge – quando não se tem no bolso da algibeira o nome preferido – a consultas presidenciais com personalidades, incluídos os advogados, para que o Chefe da Nação se detenha no nome a ser transmitido ao Senado. De resto, em recente sessão do Supremo, quando da despedida de Cezar Peluso – cuja vaga ora se encaminha para Teori Zavascki – um causídico de nomeada referiu ter partido dele a indicação ao Presidente Lula da Silva do nome do juiz Peluso para o Supremo.
      Foi decerto uma lembrança feliz, que o Ministro Peluso sublinharia, pelo conhecimento e  proficiência na curul,  ainda uma derradeira vez na última sessão de que participaria, ao ensejo da Ação Penal 470. E, no entanto, esse processo relembra o das promoções, tanto no Itamaraty, quanto nas Forças Armadas, em que muita vez prevalece não o melhor nome, consoante referendado pelo consenso das instituições respectivas, mas aquele com o favor de indicações políticas, que não sóem ater-se ao mérito específico do eventual candidato. Ainda nesse campo, há demasiados testemunhos que corroboram muita vez desastrosas preferências do Palácio.
     Infelizmente, não param por aí as falhas no sistema. Há exemplos em excesso que mostram a ausência do necessário respeito às disposições do constituinte de 1988 pela maneira com que a comissão do Senado trata da indicação presidencial.
    O Congresso das quartas-feiras sofre notadamente das restrições provocadas pela sua desídia, eis que todas as principais atividades precisam ser metidas no leito de Procrustes do dia central da semana, a que se associam como jornadas de entrada e saída parte das terças e quintas feiras. Será difícil encontrar legislativo mais mandrião do que o que nos coube nesse latifúndio de Pindorama.
    Engalanado pelo acrônimo dos BRICS e com a sua passagem, na hierarquia dos PIBs, pelo velho Reino Unido, o Brasil carece de um Congresso que trabalhe e não se lixe da opinião pública. A começar, a ele cumpriria buscar atender aos mandamentos da Constituição, e não deixar-nos essa exibição – a que caberia o horresco referens de Virgílio – de letras mortas, triste efeito de plenários que se sucedem através de tantas legislaturas sem prover ao dever comezinho de cumprir o que dispôs a Carta Magna de 5 de outubro de 1988.        
    Será nesse ralo caldo de anêmicas realizações, mais para um Terceiro Mundo de que se alardeia a superação, que o Senado se debruçará sobre a indicação presidencial do sucessor do ministro Cezar Peluso. Renan Calheiros teve pressa em sobraçar o tema, no seu intúito de atender à Presidenta e ver desimpedido o caminho para o que pretende seja a ocupação da cadeira presidencial de José Sarney.
    Na sua coluna, Ricardo Noblat mais adumbra do que assinala, qual seria o escopo da operação urdida pelo Planalto – a mando, presumivelmente, do capo di tutti i capi – a que gostosamente acedeu aquela que foi criada presidenta pela vontade soberana do seu dileto Chefe.
    Diante das declarações de  Teori Zavascki, que assegura ficar fora do juízo do mensalão, despertam estranhável assombro as insinuações de Noblat, que chega a aventar um pedido de vista do processo de parte do novel ministro.
    Com a saída de Peluso, seria um grande erro que o Paço tencionasse valer-se da brecha para sustar o julgamento. É difícil acreditar que as insinuações do colunista possam tornar-se realidade. A Ação Penal 470 representa um marco inegável para a democracia brasileira, sobretudo pela atuação de um punhado de juízes, com Joaquim Barbosa à frente. Querer inviabilizá-la – ou transformá-la em mais um malogro no avanço da Justiça e do fim da impunidade – seria brincar com fogo.
    A Primeira Magistrada da Nação deve zelar pelas instituições e pelo seu correto funcionamento. Não será transformando o Palácio do Planalto em reboque de sombrios propósitos – como os rumores acerca de indultos na contra-mão do sentir da opinião pública – que se há de assegurar um desfecho digno de um Brasil sem donatários.
     Assim como no episódio das orelhas de burro do rei Minos, a verdade será sempre planta teimosa e irrepressa. Não tentem sufocar a maviosa voz dos caniços ribeirinhos. No passado e no presente, a voz do povo não se enterra, a menos que se queira agregar às inconveniências de um projeto insano, urdido sabe-se lá onde, a carga cruel do ridículo.
 

 
( Fonte subsidiária: O Globo )

domingo, 23 de setembro de 2012

Colcha de Retalhos CXXII


                               
Grevismo
 

      A Presidenta Dilma Rousseff parece não dar muita importância aos efeitos perniciosos do grevismo sem limite que  infesta  seu governo.
      Depois da onda de greves que tomou aparentemente carona em singular movimento, com vistas a salário e condições dignas para o magistério universitário – que, excluídos casos tópicos, mereceu o apoio da cidadania,  pelo defasamento em termos de remuneração e ordenamento de carreira – reaparecem, para desconforto do usuário-povo a hidra dos paros, com os costumeiros cartazes – estamos em greve! e a sigla da CUT.
      Ou muito me engano, mas a Central Unica dos Trabalhadores e D. Dilma ambas se inserem na esfera de poder do Presidente Lula da Silva. Feito o desconto da presente provável desatenção do Líder Máximo, pelo superior motivo de pesadas acusações de direta responsabilidade no escândalo do Mensalão, provoca ainda assim perplexidade essa descoordenação no petismo.
     Não é o momento de atenazar o cidadão com outra greve nos bancos. Ainda mais, se se descamba a cada ano para novas paralisações, de que, com inegável humor negro, se pede o apoio do público.
    Todo esse ativismo reacende a lembrança de passados exemplos de farras sindicais. Causa, de qualquer forma, espanto crescente e difusa impressão de desgoverno, que os sindicatos partam para radicalização com  negativas repercussões para o poder petista.
    Se a Dilma Rousseff parece faltar sensibilidade política – estranham as suas repetidas derrotas em um Congresso que se diz dispor de tão larga base de apoio – só se pode atribuir o recrudescimento do surto grevista ao malogro do primeiro presidente operário brasileiro na sua malparada tentativa de controle do julgamento pelo Supremo do mensalão. Dizer para a imprensa que ‘tem o mais o que fazer’ é uma frase oca, pois a campanha petista faz água nos principais centros, inclusive com o horizonte sombrio de eventual não participação no segundo turno em centros antes dominados pelo lulo-petismo.
 

Moralização dos processos de cassação          

 
     A cidadania não deve permitir que o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), mande para as calendas gregas a votação pelos deputados da emenda que torna ostensiva a posição de cada parlamentar sobre a cassação ou não de seus colegas.
     Sua Excelência pensará que o corporativismo poderá ser-lhe um bom cabo eleitoral para a sua eventual reeleição.
    Passado o recesso branco das eleições municipais, urge um movimento popular para confrontar o petista Maia com o despautério de querer ignorar a decisão do Senado, e empurrar garganta abaixo da cidadania a cômoda e autoritária negativa dessa relevante reivindicação ética dos eleitores. De uns tempos para cá, a Câmara dos Deputados tem cinicamente negado a cassação de coleguinhas em casos de agressiva e gritante falta de decoro.
     Com a sua má-vontade, Marco Maia, na prática, mantém essa prática imoral para todo o Congresso, eis que a manifestação da Câmara Alta carece de ser referendada pela da Câmara Baixa.
     Assim, nas cassações, o voto aberto precisa ser instituído. Suas Excelências não carecem de esconder-se atrás do biombo do sigilo. Quem não deve, não teme. E se não estiverem de acordo com a cassação do deputado, terão todo o direito de expressá-lo. Só que às claras.

 
Campanha Presidencial Americana  

 
     Há uma atmosfera de pessimismo na campanha de Mitt Romney. Tal fenômeno, que atinge a direção e a militância do GOP, o candidato republicano não tem outro alvo senão a si próprio para inculpar.
    Com o vazamento de uma reunião reservada – que Romney pensara circunscrita a um grupelho de milionários simpatizantes – a falta de sensibilidade de suas opiniões tanto em política interna (os 47% de vítimas que votarão sempre no Presidente), quanto externa (os palestinos não estão interessados na paz) não causa em verdade assombro, por ser coerente com a habitual postura do ex-governador de Massachusetts, que é um comprovado gaffeur.
    Desta feita, na expressão americana, ele realmente pôs o pé na boca, pelo conteúdo deletério e, porque não dizer tolo, de seus destrambelhados comentários.
    Por isso, o Grand Old Party tem razão em perguntar-se se ainda há possibilidade de uma virada. Se tiverem presente a velha expressão de Buffon[1]o estilo é o próprio homem -, caberá  inegável pessimismo. Sem embargo, a calinada foi vazada em  prazo que admite uma recuperação. Faltam quarenta e três dias para os comícios de novembro, e cerca de duas semanas para o primeiro debate. Esse costume americano, relançado pela tevê em 1960 no embate John F. Kennedy x Richard M. Nixon, apesar da habitual considerável expectativa, não é havido, em geral, como determinante para o triunfo em novembro. Há, no entanto, discordâncias, como no do desafiante Bill Clinton contra George Bush sênior. Teria sido ruinosa para o então presidente a olhada no relógio, o que mostrava impaciência com o processo e um consequente pouco respeito pelo juízo do eleitorado americano.
     Sem dúvida, é cedo para apontar o vencedor. De qualquer modo, a campanha de Obama atravessa momento assaz favorável, com vantagem de três pontos no cômputo geral, e em posições bastante promissoras nos chamados estados swing – os que engrossam o total para alcançar os decisivos 270 votos eleitorais.
    Resta cruzar os dedos, esperar que os índices da economia não caiam ainda mais, e que o 44º Presidente não tenha nenhum tropeço na reta final.

 

(Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo, International Herald Tribune)

 



[1] Georges-Louis Leclerc de Buffon, naturalista e escritor francês, (1707-1788).

sábado, 22 de setembro de 2012

Tirando o Pé do Estribo


                                
         Pode ser considerado como  atroador, na passada quinzena, o silêncio do blog. Não só – como seria de esperar – continuaram os escândalos no plano internacional que visitam amiúde essas trabalhosas páginas herzianas, como a guerra civil na Síria. O ditador Bashar al-Assad parece pertencer a um mundo pretérito, em que a responsabilidade por atrocidades poderia ser ignorada.  Os bombardeios de áreas civis e de bairros de cidades como Aleppo e outras mais prosseguem, com  intensidade que não tem apenas o cinismo e a índole sanguinária que são os traços comuns de tais personagens.
       Sem dúvida, a história pode ser um parque de horrores, em que a apregoada falta de sentido, chega a ficar em segundo plano, diante de crimes que a diplomacia multinacional vem nos anos mais próximos batalhando para coibir e mesmo punir. O livro de David SchefferAll the Missing Souls [1]– é, em certo sentido, uma apreciação do caminho percorrido no esforço supranacional da formação de tribunais internacionais para os crimes de guerra.
      Se o Tribunal Penal Internacional (TPI) aí está, mais do que a sua existência jurídica, ainda pende de necessária reformulação a condicionalidade de sua intervenção, hoje submetida ao Diktat dos membros permanentes do Conselho de Segurança.     
      Aqui não aprofundarei esse domínio de caça que foi adrede inserido nas prerrogativas do órgão diretor da Nações Unidas, para agilizar o acesso da então União Soviética, com Jozef Stalin à frente, na novel Organização, que vinha suceder a desmoralizada  Liga das Nações. Os cinco membros permanentes (Estados Unidos, URSS, China, Reino Unido e França) têm a unilateral faculdade de anular qualquer resolução do Conselho de Segurança. Sem o placet de tais membros (de que são sucessores a Federação Russa e a República Popular da China), de nada valerá o texto de disposição apoiado pela  maioria de seus membros.
       O atual veto – de que tanto se valem os membros permanentes – ontologicamente tem a mesma carga deletéria, anômica e antidemocrática  que o antigo direito de que singularmente se arrogava qualquer membro da Dieta Polonesa. Nada melhor para inviabilizar o Reino da Polônia e tornar-lhe inelutável a  desaparição por sucessivas partilhas, ex vi das grandes potências limítrofes da época, do que esse anacrônico recurso. Tanto quanto o lamentável e anterior  exemplo, está fadado o atual veto de que se valem os presentes membros permanentes a ser consumido pela sua própria iniquidade.
      Se surpreende decerto a sua longa sobrevida, não resta dúvida que os vícios redibitórios da citada norma a condenam para a lata de lixo da História. Sem embargo, a luta pela liberdade e a igualdade não é empresa fácil, como os seculares anais aí estão  para demonstrar. Se resta a certeza do desfecho, a batalha ainda está envolta nas nuvens. Não importa, porque o cinzel da progressão da paz e da justiça costuma intervir sob o compasso não só da persistência e do denodo, mas também dos caprichos da deusa Fortuna, com a súbita irrupção do imprevisto, de que é rica a crônica da Humanidade.
        De forma indubitável, o procedimento da Federação Russa e de seu acólito chinês, a par de tornar desigual a empresa do povo sírio contra o déspota Bashar, também cria condições pelo seu desrespeito ao princípio paritário na guerra civil a progressivamente debilitar-lhe esse aporte a-ético.
        A desenvoltura do regime alauíta de al-Assad semelha ignorar o seu inexorável enquadramento no direito penal internacional. O direito de asilo – essa instituição latino-americana, cujas origens remontam ao refúgio nos templos dos deuses da antiga Hellás  - é uma vestimenta a ser envergada pela vítima de perseguições, e não por algozes, como o general Bashir, do Sudão, e pelo presente ditador sírio.
       Outros acontecimentos interessantes – no seu sentido chinês – assombraram o mundo, como uma nova onda de protestos islâmicos motivada por choques culturais que refletem posturas antagônicas, no que tange ao embate entre o próprio credo e a liberdade de expressão. Infelizmente, nessas contendas há muitas vítimas inocentes, enquanto perduram pesadas dúvidas sobre v.g. a motivação e os reais propósitos de um vídeo que parece levar a extremos o voltairiano direito de manifestação.
      Ainda no campo dos anacronismos, a crise sino-japonesa, com violentas manifestações da população chinesa – sob as aparentes benignas vistas de Beijing – contra velhos diferendos do imperialismo japonês das primeiras décadas do século vinte, levantam mais indagações do que respostas acerca do objetivo das depredações de empresas nipônicas no Império do Meio, a par de um inquietante brandir  de braços navais da movimentação reivindicatória. Os vizinhos da China vem sentindo posturas reminiscentes das canhoneiras das grandes potências de outrora para que não se descortinem no episódio preocupações, a par de oportuna recomendação de moderação (restraint) de parte do visitante Secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta.    
      E o que dizer da campanha presidencial americana ? Mais um video veio fisgar o candidato republicano Mitt Romney. A gaffe é colossal, além da evidenciada insensibilidade e, por que não dizer, limitação mental do ex-governador de Massachusetts. Esse tipo de indiscrição involuntária (V. dicionário Houaiss) é uma penosa característica dos Romney. Seu pai, George W. Romney, um homem íntegro, teve de renunciar à própria pré-candidatura a presidente, quando nos anos sessenta, foi pilhado na admissão pouco lisonjeira de que tinha sofrido  virtual  lavagem cerebral (brainwashed) pelos generais norte-americanos no Vietnam. O tropeço do pai – como um sério pretendente à presidência estadunidense pode confessar-se enganado pelos militares ? – ora é de certa forma repetido pelo filho, que trata com menosprezo 47% da população dos EUA – que votariam sempre com o presidente. A linguagem do candidato do GOP – assim como as suas esdrúxulas posturas sobre o povo palestino, tiveram um efeito ironicamente bipartidista, eis que as palavras de censura foram compartilhadas por colunistas conservadores e liberais.
     Pela própria fragilidade intelectual, Romney tem agido como um eficaz agente da candidatura democrata de Barack Obama. Posto que a eleição ainda se prefigura como apertada, os efeitos das declarações de Mitt Romney lançam sentimento de desânimo nas hostes republicanas, assim como tornam ainda mais precárias as chances nos embates em estados havidos como chave pela sua imprevisibilidade para o cômputo final dos votos indiretos.
      Se os partidários de Romney insistem sobre a importância da economia para a determinação do vencedor (na sua esperança de que o americano comum culpe Obama por  gestão pouco eficiente da grande recessão), o candidado do GOP, com as suas gafes e impropriedades, lança, entre outras dúvidas, no eleitor a insegurança de como alguém tão pouco preparado para a diplomacia e de reiterado menosprezo para cerca de metade da população pode aspirar a ser um presidente para todos os americanos ?
      De resto, não foi à toa que o presidente Obama, quase en passant, assinalou que é e continuará a ser um presidente para todos os americanos.    

 

( Fontes: Le Monde, International Herald Tribune, CNN )  



[1] Todas as Almas que Faltam