quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Quando iremos nos levar a sério ?

        Ouvindo as promessas dos governantes,  seus programas de trabalho, os compromissos assumidos com o povo, qual é a reação mais comum do brasileiro ? Acreditar piamente, como se tais palavras fossem resultado de um projeto meditado, algo em que realmente se leva fé e é o produto não só de atenta cogitação, mas de firme e sincera resolução ? Ou então de plano descrer da intenção, não importa se formulada por autoridade ou candidato, a tanto lançando abrangente rede de incoercível ceticismo, como se tudo que tenha o rótulo político careça de ser descartado ?
        Excluídas as inserções da dita propaganda obrigatória, que a insensatez dos ora representados no Congresso resolveu estender muito além do período pré-eleitoral, como esses incríveis vinte e tantos partidos desejam impingir ao telespectador, arrogando-se a propriedade de espaço que não lhes pertence, excluídas tais inserções repito que o povo tende a ignorar como males menores, o brasileiro terá sempre um traço da velhinha de Taubaté[1].
       E de tal crendice ninguém estará imune, porque, por mais cínicos e desenganados que sejamos pelo abuso serial, de parte dos governantes, do seu dever de informar o povo soberano da realidade no que tange aos respectivos projetos e compromissos, subsistirá sempre a vontade de que desta vez as coisas sejam diferentes, e que a palavra esteja sendo usada não como meio de ganhar tempo ou efêmera popularidade, mas corresponda a um substrato de integridade e de respeito.
      Será que essa debilidade a devamos atribuir a  desejo arraigado, patriótico mesmo  que, malgrado a deprimente abundância de contrárias experiências, lá, naquele recanto esquecido, nos bairros inundados e nas casas soterradas, ali desponta alguém que literalmente cumprirá com a palavra empenhada ?
      O Brasil de hoje semelha quase insuportável provação para todos os que se apegam à velha, imemorial presunção de que a autoridade, alta ou baixa, federal, estadual e municipal, tem tácito pacto de respeito pelos seus representados.
      Ler jornais, assistir ao noticiário televisivo,  pode até fazer pensar que nos submetem àqueles ordálios, os suplícios de andar sobre brasas, como se a vitimização fosse absurdamente necessária, para provar uma inocência com que as forças da natureza nada têm a ver ?
         E, no entanto, mais se reza,  mais assombração aparece. Nas inundações, nos deslizamentos e nas avalanches trazidas pelas chuvas de verão, todo esse sacrifício, todas essas mortes de gente pobre – e às vezes, até de gente rica – constituem na verdade as fatalidades inexoráveis que as compungidas autoridades deploram, enquanto aberta estiver a janela da oportunidade e da notícia ainda quente ? Quantos anúncios de providências e de inabaláveis compromissos, registrados pela mídia, ressurgem no ano seguinte, como incômodos fantasmas de olvidadas promessas inconsequentes ? Será mesmo inevitável que se repitam tais exemplos, como macabros, cruéis ritos estivais ? Como nação, nos falta acaso a capacidade de autêntica reação ?  Se não são escarmento de falhas reconhecidas, de que servem essas enésimas provas de pública incapacidade de levar a termo projetos de prevenção das intempéries e dos desastres naturais ?
          Na medida em que tais atos há muito saíram da competência dos deuses e caíram sob o jugo de autoridades que dão valor à palavra e aos laços que ela pode tecer em prol da coletividade, caberia perguntar por quanto tempo se estenderá o diuturno exercício de eventuais visitas às áreas sinistradas, sem que as povoações atingidas venham a ser introduzidas a um futuro menos sombrio, com obras de prevenção ?
         Em  país no qual um governante, no espaço de quatro anos, logrou levantar a nova capital a mais de milhar de quilômetros dos então grandes centros, será que com o ansiado desenvolvimento nos veio a lassitude e a ineficácia ?
        Como não podia negar-lhe a existência da grande realização, o regime militar e os obedientes política da Arena[2] difundiram a patranha de que Brasília não fora criada por JK, mas sim pelos humildes candangos, a que, na ausência do comandante, entoavam loas ridículas.
       Para a realização de eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, ambos arrebatados com a proficiência que adquirimos no campo das promessas, a passada e a atual Administração vem agindo como se nos houvéssemos transmutado em um conglomerado de incompetentes. Ao compararmos os preparativos de anteriores sedes de tais certames, a sua proficiência e antecipação, o que devemos pensar  no que tange às nossas perspectivas ? Queremos realmente repetir o vexame do Pan-Americano, quando as obras de afogadilho e as trapalhadas se amontoaram, e agora mudar a cena, e transformar vergonha continental em mundial ?
      Gostaria de crer que não. Ao deparar, contudo, o estado do aeroporto do Galeão, muito bem simbolizado na chamada “lei do abandono aéreo” a que se condenou, pela ausência de obras e de reformas, o Tom Jobim, talvez nos esteja sendo servida, como amargo hors d’oeuvre, a desmoralizante provação de futuro assustadoramente próximo.
      Será que a capacidade empreendedora de Juscelino Kubitschek é coisa do passado? Ou dele apenas restam sombras, gente que só sabe prometer ? Se JK tivesse esquecido a promessa feita ao obscuro eleitor, a meta-síntese não teria surgido, nem ele seria o grande presidente que foi.
       Para azar ou sorte nossa, a contagem regressiva já começou.



( Fonte subsidiária: O Globo )    

       



[1] Personagem criado por Luís Fernando Veríssimo.
[2] Aliança Renovadora Nacional, o partido do oficialismo de 1965 a 1980, quando seria sucedido pelo Partido Democrático Social (PDS).

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