quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para que servem as instituições da República ?

           Submetendo pessoas físicas e jurídicas a carga desmedida de tributos, aplicados indiscriminadamente sobre toda espécie de atividade, a voracidade do Estado tem amarga contrapartida para o cidadão. Com efeito, para tão abrangente e onipresente sede de recursos, a sociedade não recebe do poder público o retorno que seria lícito esperar de um aparelho estatal tão eficaz na cobrança e na arrecadação.
           Este desequilíbrio entre o aporte recebido e a respectiva prestação, na verdade, é uma característica que vai muito além da relação entre tributação (direta ou indireta,ostensiva ou secreta) e cidadão.
           Com efeito, não é somente no bolso de cada um que se sente o peso do imposto, e a pífia, acintosa retribuição na saúde, na educação, no saneamento básico, na segurança e em todas as infraestruturas.
           A inerente injustiça, a flagrante iniquidade, essa praga que corrói a sociedade nacional não precisa de espelhos para reproduzir-se, com virulência semelhante do inço e das ervas daninhas que invadem os cultivos malcuidados. Esse mesmo desequilíbrio, ele se expõe com a desfaçatez que em tantos casos se associa com o menosprezo pelo bem comum e mais do que isso, pelo cidadão comum.
           Perpassa a sociedade sentimento de revolta, acirrado a cada dia pela disparidade evidenciada no tratamento dos órgãos do Estado, de seus representantes, fâmulos e clientes.
           A autoridade pública, tanto legislativa, quanto executiva e judiciária, em todos os seus níveis, com preciosas mas raras exceções, se encastela nos paços do privilégio e de sua veste predileta, que é o corporativismo.
           A obesidade, esta inchação mórbida do corpo, ela não é simples metáfora do poder no Brasil nesta alba do século XXI. Um dos traços dos desvios do comportamento do oficialismo estará na sua exacerbação, no seu crescente divórcio da realidade circunstante.
           A situação é tal, e o respeito pela opinião pública chegou a ponto tão baixo, que o Legislativo se afunda em escândalos e transgressões, enquanto se assinala pela desídia e branca renúncia aos respectivos deveres (o vácuo do poder legiferante suscita a crescente judicialização), e pelo desrespeito ao povo brasileiro, desrespeito este que poderia ser epitomizado em dois momentos reveladores: de uma parte, o congressista que proclama lixar-se da opinião pública (não se iluda quem repute tratar-se de episódio solitário de arrogância corporativa. Se muitos não vocalizam esta afronta, ela é filha da indiferença ou da incúria popular); e de outra, a afronta de um aumento, tão atrevido quanto alienado, que ironicamente, equiparou de cambulhada e pelo alto, os grandes dignitários de república a parecer-se sempre mais com alguma monarquia oriental. E como a desejar sublinhar a provocação, ao contrário da consueta morosidade, para a singular proeza bastou-lhe um dia !
           Do Judiciário, já me ocupei em blog recente. Apesar de intentos de reforma – como o do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trouxe avanços, mas, ao desvirtuar o controle externo da magistratura (de que a Itália é exemplo), ainda não sacudiu a fundo a vagarosidade dos procedimentos judiciários, entre outros vícios como o continuado desrespeito à cláusula pétrea do artigo 5º , inciso I, da Constituição Cidadã.
           E como o Poder Executivo poderia diferir, dentro desse tecido que os anos recentes têm exposto com progressivo divórcio do ethos do homem comum, este homem a quem o presidente Lula timbrou em distinguir do notável Presidente do Senado José Sarney. Quem no Brasil desconhece que Sarney não é um homem comum ? Apesar dos atos secretos e dos escândalos do Senado, apoiado pela mão vigorosa do ex-dirigente sindical e torneiro mecânico, Sua Excelência voltou a circular livremente pelos corredores do Senado Federal e a perdurar na curul da presidência.
           A dizer verdade, o donatário do Sarneyquistão, na denominação feliz da revista Veja, semelha a figura adequada para presidir a tal assembleia, onde pontificam Renan Calheiros e seu aguerrido grupo, a par dos suplentes, enquanto aguardam o regresso de Jáder Barbalho, por gentileza do Supremo Tribunal Federal e, em especial, do novel Ministro Luiz Fux, o qual mandou às urtigas a única legislação de monta da última legislatura, fruto da iniciativa e da pressão dos eleitores, vale dizer a Lei Complementar nr. 135, a lei da Ficha Limpa.
           Nesse deplorável relato, entra, quase à guisa de nota de pé de página, a figura de um expoente do baixo clero da Câmara, o latinista Pedro Novais que, por pedido de Sarney, ocupa o Ministério do Turismo. Para quê ? será para nada, em paráfrase a poema do nordestino Ascenso Ferreira relativo ao gaúcho ? Talvez, por milagre, não.
          Mas o motivo não será a proficiência funcional deste integrante não de todo dissonante do caráter do gabinete da Presidenta Dilma Rousseff. Consoante reporta a Folha de S.Paulo, em quase seis meses Pedro Novais só assinou uma portaria, dois convênios - obviamente com o governo do Maranhão, na pessoa de Roseana Sarney (PMDB), que voltou a ocupar a governança estadual, prescindindo desta feita de decisão do TSE. Sem falar no galardão às avessas de nunca ter sido recebido em audiência privada pela Presidenta.
          Quiçá seja melhor quedar-me neste singelo exemplo do valor que se atribui às designações ministeriais. Suas Excelências são auxiliares diretos da Presidenta da República. Posto que demissíveis ad nutum, gozaram no passado de mais merecida atenção, que não se confunde com a soberba dos néscios e ocasionais arrivistas.
          E como respondia o áulico personagem, como um refrão : ‘tout va bien, madame la marquise !’ (tudo vai à maravilha, senhora marquesa!). Se não me engano, o cortesão assim se referia no crepúsculo do ancien régime (antigo regime), às vésperas de que Luís XVI convocasse os Estados Gerais e começassem as tropelias que a história designaria como Revolução Francesa.

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