quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Revolução Síria

           A presidência de Bashar al-Assad enfrenta a maior crise do regime alauíta instituído em 1970 por seu pai, o general Hafez al-Assad. Nem o episódio de fevereiro de 1982, na cidade de Hama, se compara em termos de eventual ameaça ao domínio dos al-Assad.
           Originado por tentativa de assassínio de Hafez – contra quem se lançara granada durante recepção em sua honra – a alegada contestação sunita da cidade de Hama fora esmagada por irmão do ditador, Rifaat al-Assad, com a eliminação física de entre vinte e quarenta mil civis.
           Ao contrário do que hoje ocorre, o exército sírio não foi perturbado por maiores protestos na comunidade internacional, e muito menos no interior do país, enquanto procedia à bárbara e sistemática extirpação do suposto desafio islamita ao governo de Hafez al-Assad.
           Diversos são os tempos e os ventos arrostados pelo filho Bashar que assumiu, em 17 de julho de 2000, por morte de Hafez, o comando dinástico da Síria. O filho primogênito do presidente Hafez, Basil al-Assad, estava destinado a ser o sucessor do pai. No entanto, o seu desaparecimento em desastre automobilístico fez com que o segundo filho, Bashar, que se formara em oftalmologia, fosse doravante alistado no exército, dentro do rito preparatório para a eventual tradição do poder.
           Iniciado em Dara, cidade do sul, vizinha da Jordânia, o levante contra a ditadura do presidente al-Assad, não tardaria em alastrar-se para todo o país. Sua reação adotou a consueta brutalidade de todas as tiranias. Ainda que alternada com falsas promessas de liberalização, sob os aplausos de encomenda da assembleia oficialista, os repetidos massacres, generalizadas prisões e a crescente participação do exército cuidaram de passar para a população revoltada a mensagem da credibilidade dessa cortina de fumaças e enganosos acenos de transformação.
           A experiência histórica tem indicado que os regimes autoritários – salvo isoladas exceções que sóem confirmar a regra – não evoluem para a democracia. Confrontados pela revolução, ou são derrubados, ou prevalecem, a exemplo dos combates gladitoriais que não conheciam outra saída que a morte de um dos contendores.
           A estratégia da terra arrasada, com o cerco de cidades pelo exército – como se o precedente de Hama pudesse ser aplicado a todo o país – tem sido condenada pela comunidade internacional. Diversas sanções singularizadas contra o ditador e outros elementos da hierarquia síria já foram aplicadas pelo Ocidente.
          Embora o regime alauíta tenha recorrido ao chamado cenário iraniano – com o banimento da mídia internacional – ainda assim é possível determinar macabra contagem de óbitos que já ultrapassa a marca dos mil e trezentos. A violência da ditadura tem sido a tal ponto que provocou no norte sírio a defecção de grupos de soldados do exército.
          Nesse contexto, fontes oficiais sírias noticiaram 120 vítimas fatais no exército e nas forças policiais na cidade de Jisr al-Shoughour. Fica difícil de entender como ‘gangues armadas’ tenham podido provocar tão pesadas baixas nas bem-armadas fileiras governamentais.
          O mais provável terá sido motim no exército, abalado pelas contínuas manifestações populares, que clamam pela saída de Bashar. Também episódios como a indizível mutilação do menino Hamza Ali al-Khateeb, de treze anos (V. Colcha de Retalhos LXXXI), e a facinorosa conduta das milícias ‘shabiha’ pró-regime terão contribuído para a revolta de contingentes do exército – o que representa sintoma assaz preocupante para o poder instituído. Com efeito, tal fenômeno - que se verifica em situações revolucionárias de larga difusão em um país determinado - pode ser o precursor da desagregação do dispositivo de sustentação do regime sob ataque.
          O Conselho de Segurança das Nações Unidas está discutindo resolução que condena a violência do governo de Damasco, dirigida contra manifestações desarmadas em vários pontos do território sírio, e que pedem o afastamento do ditador. Na contramão do sentimento da comunidade internacional, a diplomacia de China e Rússia – que dispõem de veto - e cujos governos se mostram em geral simpáticos à causa de regimes autoritários – vem atuando para inviabilizar qualquer resolução com disposições mais incisivas no que tange à condenação do presente regime de al-Assad.
          A situação geopolítica da Síria tende a limitar as opções das potências ocidentais. Nessas condições, aí são impensáveis as intervenções diretas. Dadas as características do Oriente Médio, está obviamente excluído o ‘modelo’ dos bombardeios da Otan na Líbia. Nesse contexto, a situação geográfica da Líbia, a postura de Kadaffi contra numerosos segmentos da população líbica, terá sido determinante para a reação ocidental, liderada por França e Reino Unido. O subsequente apoio à Liga Rebelde através da Otan está condicionado ao comportamento do líder da Jamairia, em flagrante desrespeito às normas mais comezinhas do direito humanitário.
          O regime de Damasco – e a sobrevivência política de Bashar al-Assad – atravessa mares borrascosos, mas ainda não se assinala pelas cores de desespero e aparente ausência de remédios salvadores. Muito diversa é a situação de Muammar Kadaffi, refugiado em bunker semidestruído por bombas sempre mais insidiosas, a ponto de inúmeros prognósticos não lhe concederem mais do que um fim de semana antes da total, material e nada simbólica ruina.


    ( Fontes: International Herald Tribune e O Globo )

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