terça-feira, 22 de março de 2011

Novas da Revolução Árabe

A despeito dos esforços dos autocratas e de seus aliados, ostensivos ou não, um clínico poderia talvez diagnosticar que, apesar dos percalços e da inexperiência, a revolução árabe democrática – aquela mesma que nasceu da auto-imolação do modesto verdureiro Mohammad Bouazizi – apresenta, em muitos sítios, os sinais vitais preservados. A progressão será marcada por sobressaltos e recaídas, mas ela continua vigorosa e até, no cômputo geral, assaz saudável. Além do mais, para surpresa de muitos, sua cabeça e rotos panos têm aparecido em lugares em que a liberdade por ignóbeis decênios era havida por desenganada.
No Iêmen de Ali Abdullah Saleh, a oposição cresce, malgrado as balas,as promessas e as ameaças do ditador. É luta comprida, em que a obstinação do presidente – no poder há trinta e dois anos – se choca com a vontade da população de desembaraçar-se de seu governo corrupto e ineficaz. A sublevação iemenita – um dos países mais pobres e desprovidos de recursos da nação árabe – tem prosseguido,apesar dos muitos intentos de Abdullah Saleh de dominá-la, seja pela força, seja por acenos e engodos.
A massa não se deixou iludir, e a confrontação vem persistindo. Agora, a posição do tirano ficou ainda mais precária, com a defecção de cinco generais, que exigem a imediata saída do presidente. Nas últimas semanas, a situação de Ali Abdullah Saleh se enfraquece sempre mais, com o abandono de chefes tribais e de diplomatas.
O levante do oficial mais categorizado do Iemen, General Ali Mohsin Saleh – que comanda as tropas na região noroeste – foi vista por observadores como momento decisivo no enfrentamento. Especula-se que com tal mudança no tabuleiro do poder, só restaria a Ali Abdullah Saleh a opção de negociar uma partida honrosa. Embora seja prematuro prenunciar-lhe a morte política, dada sua inaudita capacidade de resistência, diante da agregação de fatores a ele contrários. Sua possibilidade de sobrevivência no poder parece definhar a olhos vistos.
Para espanto de muitos, a Síria da ditadura hereditária dos Assad – o atual presidente é Bashar al-Assad depara a ousada afronta das multidões. Indo para as ruas, os sírios escandem o slogan ‘Não mais Medo !’. Convenhamos no regime militar sírio, toda e qualquer manifestação oposicionista não é apenas desfeita com gas lacrimogêneos e trompaços, mas com a brutal violência da fuzilaria. Os al-Assad já mostraram no passado de que são capazes, não só intra muros, mas também extra muros.
Em Daraa, a indignação popular saqueou e queimou prédios públicos. Não obstante a violenta repressão, a sublevação nessa cidade do sul da Síria perdurou. Quebradas as janelas da sede do partido governista Baath, queimado escritório da companhia Syriatel, de telecomunicações (de que o primo do presidente é um dos proprietários), e investidos outros símbolos do poder dominante. Outros órgãos da repressão, como o palácio da Justiça, corte penal e delegacia de polícia foram inteiramente queimados.
Esses focos de revolta popular deverão haver-se com a reação desapiedada e ilimitada dessa seita minoritária dos alauítas, em país de maioria sunita. O filho Bashar al-Assad tem no passado o exemplo de seu pai Hafez al-Assad, que em 1982 esmagou rebelião fundamentalista islâmica, trucidando muitos milhares de pessoas.
Assinale-se que a cidade de Daraa tem cerca de trezentos mil habitantes, e está próxima da fronteira com a Jordânia. A maioria de sua população – como em outras partes da Síria – é sunita. Muitos de seus residentes são agricultores, que vem sofrendo prolongada seca.
No Bahrein, o rei sunita Hamad ben Isa al-Khalifa, de maioria xiita, nas últimas semanas abandonou os acenos de negociação, e tem recorrido à ajuda dos fuzis, para lidar com os manifestantes dessa ilha do Golfo Pérsico – que é base da Frota americana.
O rei Abdullah da Arábia Saudita mandou tropas blindadas para expressar forma de apoio no seu entender com maior possibilidade de persuasão das turbas xiitas que teimam em protestar contra o virtual regime de apartheid instituído pela dinastia dos al-Khalifa.
Rápida visita aos bairros xiitas e os da minoria sunita contribuirá para apagar qualquer dúvida quanto às características e preferências do governo real. Ao lado da dilapidação e do abandono daqueles, as residências e os quarteirões dos sunitas constituem realmente uma visão prazerosa.
Essa divisão em termos de credo se espelha em muitos outros setores do pequeno, mas próspero (para alguns) mundo do Bahrein. Xiitas não são bem-vindos em cargos do estado, seja policiais, seja militares, seja de alto funcionalismo civil. Depois de negaças de negociação, os al-Khalifa – após realizados os indispensáveis contatos, é de supor-se – retiraram o veludo dos punhos, e voltaram a exibir a velha, horrenda carantonha da tirania.
O tiranete dos al-Khalifa julga maduro o tempo para passar do combate à negação da rebeldia dos ingratos súditos. Dessarte, a húbris repressiva o conduz à destruição do monumento da Pérola. Se bem que típico da capital Manama, contraíu no seu entender mal incurável ao associar-se com a revolta dos despossuídos xiitas.

( Fonte: International Herald Tribune )

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