segunda-feira, 21 de março de 2011

A Candidatura ao Conselho de Segurança

A partir do governo Lula a candidatura do Brasil a membro permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas não é apenas simples reivindicação do Brasil. Na verdade, a meta de o Brasil ascender a essa posição passou a ser preocupação primacial de nossa política exterior, influenciando não só a postura perante a Organização das Nações Unidas, com maior disponibilidade para custosas operações militares pacificadoras – como constitui a nossa já longa participação no Haiti, onde por nossa maior presença relativa detemos o comando da tropa – a par de multiplicação de nossas missões diplomáticas, que se estenderam a grande parte da África Subsaariana, aos micro-estados do Caribe, à Ásia e Oceânia.
Esse alargamento das representações diplomáticas, levando o pavilhão nacional a uma pluralidade de pequenos estados, implica em maior comprometimento em termos de dotações orçamentárias e em sacrifício para os diplomatas lotados em tais postos. O sacrifício se explica pelas dificuldades em muitas dessas nações, notadamente em aspectos sanitários e de comunicações. Dada a acrescida demanda sobre os nossos quadros diplomáticos – malgrado as inchações recentes com levas admitidas com menores conhecimentos linguísticos , uma grande parte desses novos postos dispõe tão só de um chefe (embaixador comissionado) e um funcionário do quadro (que muita vez é das categorias administrativas). Malgrado representar o Brasil junto a um país pequeno, o fato de não dispor de auxiliar diplomático tende a aumentar substancialmente a carga de serviço do chefe da missão, que simplesmente não tem a quem delegar tarefas próprias do ofício diplomático.
A presença da bandeira brasileira em lugares exóticos e de diminuta importância política se deve ao propósito de engrossar a nossa votação na Assembléia Geral das Nações Unidas. Como se sabe, no caso de ser ativado o processo da reforma da Carta, com o alargamento do Conselho, os novos membros permanentes deverão passar por duas barreiras. Na Assembléia Geral, de acordo com a distribuição geográfica, serão indicados aqueles que obtiverem o maior número relativo de votos. Vencida esta primeira parte, se passa à segunda, em que os novos membros devem ser chancelados pelos atuais quinze membros do Conselho de Segurança, com um pormenor. No Conselho, há cinco membros permanentes – Estados Unidos, China, Federação Russa, Reino Unido e França. Mesmo se o país-candidato obtiver maioria no Conselho, se receber o voto negativo (veto) de qualquer membro permanente, a sua candidatura será imediata e definitivamente descartada.
Se não se pode desmerecer de todo do acreditamento de missões permanentes junto aos países-membros das Nações Unidas, mesmo aqueles com reduzido peso político, muita vez os votos desses micro-estados são atribuição de suas delegações em New York, junto às Nações Unidas. Nesse caso, decidindo os representantes permanentes sobre os respectivos votos, mais importa manter contato e boas relações com esses embaixadores de pequeno peso político, para lograr arrebanhar-lhes o sufrágio para a nossa candidatura, do que fazer gestões junto às pequenas chancelarias localizadas nos respectivos países (para que expeçam instruções de voto em nosso favor).
A caminhada do Brasil para chegar ao Eldorado do assento permanente não se iniciou – como também muitas outras políticas – na gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, quando da criação das Nações Unidas, o Brasil constava como candidato forte a um assento permanente no Conselho. Detinha para tanto da simpatia do Presidente Franklin Roosevelt. No entanto, a morte súbita do Presidente, se despojou Washington de um grande líder, nos atingiu porque, da noite para o dia, nos vimos privados desse notável padrinho. No lugar do Brasil, foi escolhida a França de De Gaulle, malgrado na época Paris estivesse politicamente debilitada pela sua derrota em 1940 – e longa ocupação pelas forças alemãs.
Se nossa candidatura passou a ser gestionada no governo de FHC, a ênfase maior foi adquirida pela Administração Lula. Não obstante o empenho, a formação de grupos de países com maiores possibilidade – v.g., Alemanha, Japão -, os entendimentos com a Índia e União Sul-Africana, a causa da reforma não tem registrado progressos consideráveis. Tal se deve, dentre outros motivos, à resistência de países que sabem não terem condições para aspirar ao assento, mas tampouco desejam que o seu vizinho mais importante ascenda a tais alturas, as próprias dúvidas e reticências dos presentes detentores, que temem o alargamento do Conselho e a consequente maior dificuldade de chegar a decisões por consenso.
Ao perseguir essa meta – em comportamento que para alguns teria elementos obsessivos – o Brasil não tem escatimado esforços com vistas a obter um grande apoio, seja na Assembléia Geral, seja no Conselho de Segurança. Na Assembleia, o Brasil – quando toma oportunas providências e não descura da indispensável cabala de votos – costuma ter sólidas votações, em que se reflete a nossa popularidade, assim como as dimensões da Nação brasileira.
No Conselho, a estória é diferente. Dos membros permanentes, teríamos promessas de apoio de França, Reino Unido e Federação Russa. Quanto à República Popular da China, malgrado a diuturna busca, coletamos até agora vagas e inconclusas simpatias.
Havia na Administração Dilma considerável expectativa de que da visita de Barack Obama resultasse um comprometimento estadunidense nos termos do concedido à India. Ledo engano. O Itamaraty continua, creio eu, a não ignorar que o Departamento de Estado, dada a nossa presença nas Américas e o peso continental crescente – a que se agrega a desenvoltura da diplomacia brasileira em termos mundiais, com posições não necessariamente sintonizadas com as americanas -, o Departamento de Estado, repito, prefere por ora deixar em aberto o nosso pleito.
Afinal, saltam aos olhos os interesses geopolíticos dos Estados Unidos em uma aliança mais estreita com Nova Delhi, dada a sua contraposição à China e as relações ambíguas de Washington com os difíceis aliados do Paquistão (de que a Índia é a grande adversária regional). Por isso, o ‘apreço’ demonstrado pelo visitante Presidente Barack Obama constitui o que se poderia esperar da política americana no que concerne às aspirações brasileiras. Muito apreciariam cruzar o nosso caminho para o Conselho os vizinhos do sul do Rio Grande, a começar pelo México e a Argentina de Cristina Kirchner. Esta última atravessa uma fase de baixa – depois das notórias ‘relações carnais’ do Governo Menem -, mas como superpotência que ainda é, os Estados Unidos não descurarão de ter disponíveis os princípios do ‘divide et impera’ que norteavam as relações de Roma imperial com seus poucos vizinhos ainda independentes.
Em consequência, definir o citado ‘apreço’ estadunidense à candidatura brasileira à vaga permanente no Conselho de Segurança como ‘sinalização positiva dos Estados Unidos’ a nossa pretensão me parece interpretação demasiado generosa da disponibilidade de Washington a julgar ‘com simpatia’ no momento oportuno a nossa candidatura. Festejar este chocho apoio semelha cair um pouco vítima do ‘spin[1] dado pelo nosso distinto e poderoso hóspede à demanda da administração Dilma Rousseff, que nesse ponto específico continua de mãos abanando.

( Fonte: O Globo )

[1] Spin é uma formulação hábil que ressalta os aspectos favoráveis de situação, mas que se caracteriza pela sua dissociação da realidade, notadamente através da sua cosmetização .

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