sábado, 19 de fevereiro de 2011

Notícias do Front da Democracia

Dentre de um prisma histórico, o atual fenômeno a que assistimos no mundo islâmico recorda a série de revoluções de 1848 na Europa, ateadas pela queda de Luís Filipe, rei dos franceses, em 24 de fevereiro daquele ano. Apesar de que o Conde de Paris, Filipe de Orléans, contasse com a simpatia da Assembléia Nacional, a forte oposição da opinião pública forçou a proclamação da IIa. República Francesa, a 26 de fevereiro.
Na Europa continental dominava a ordem conservadora estabelecida no Congresso de Viena (1814/15), que decidira sobre a sorte de boa parte do Continente após a queda de Napoleão. O sucesso das barricadas parisienses de 1848 não tardou a contagiar o antigo regime, em especial na Alemanha, então dividida em muitos reinos e principados (só seria unificada em 1870), na Áustria, com a queda do Primeiro Ministro Metternich, e na Itália, também na época apenas uma expressão geográfica,fragmentada pelo Reino do Piemonte, a Lombardia (sob domínio austríaco), e mais ao sul, entre outros, os Estados Pontifícios, e o Reino de Nápoles.
A revolução de 1848, no entanto, a par de afastar personagens do absolutismo, como o Príncipe de Metternich, na verdade prepararia o terreno para modificações que viriam muito mais tarde, seja na Alemanha, com a hegemonia prussiana (1866) e a guerra de 1870, com a unificação alemã, seja na Itália, com a reunificação feita pelo Piemonte dos Savóia, alcançada pelas guerras contra a Áustria, Reino das Duas Sicílias e os Estados Pontífícios. A queda de Roma, em 1870, seria o ponto final do processo, quando Napoleão III retirou as tropas que protegiam o que restava do domínio papal, forçado pela guerra franco-prussiana.
No momento, não se pode determinar o alcance do sacrifício do herói tunisiano Mohamed Bouazizi, provocando a queda de Ben Ali, e, em seguida, o êxito da sublevação do povo egípcio, com os dezoito dias da Praça Tahriri.
Além do excêntrico e pequeno Bahrein, emirado sob a dinastia sunita al-Khalifa – o atual emir é Isa bin Salman Al-Khalifa (1999)[1] - e com população de maioria xiita, a revolução democrática islâmica se faz sentir na Líbia do coronel Muammar Khadaffi (1969), no Iêmen de Ali Abdullah Saleh (1978) e na Jordânia do rei Abdullah II (1999).
Como assinalei em blog anterior, existem diversos outros países na nação árabe maduros para a revolução democrática islâmica. A longa permanência do carismático Muammar Kadaffi na Líbia está sendo posta à prova. Para debelar a sublevação, o lider da Jamairia não tem hesitado em recorrer à mais desapiedada repressão, com os protestos registrando mais de vinte e quatro mortes, e se estendendo às principais cidades líbicas. Quinta-feira, dezessete foi o ‘dia da Fúria’ e em Benghasi morreram mais quinze pessoas. O total não confirmado de 50 óbitos marca a disposição do ditador de adotar a linha ‘iraniana’ no combate ao levante. No Iêmen, as manifestações se sucedem, de forma quase concomitante com a revolução egípcia – e o líder iemenita tem oscilado entre a repressão e as promessas conciliatórias (como a de não candidatar-se em 2012). Até o momento, o impasse persiste.
Na Jordânia, é evidente a insatisfação da maioria palestina com a situação. Não foi bem recebida a tentativa do rei Abdullah em proceder a cosmética reforma do gabinete. Reivindica-se que a chefia do governo decorra de eleições livres. Outrossim, releva ter presente que o sucessor do rei Hussein não tem a popularidade do pai, nem o firme apoio do segmento beduíno do povo jordano, que constituiu o esteio da monarquia até o presente.
No Bahrein, com o crescimento das manifestações, as forças policiais passaram a utilizar munição letal. Cerca de sessenta pessoas ficaram feridas, com pelo menos cinco mortos. A praça de Manama, ocupada pela maioria xiita que desejava transformá-la em uma praça Tahrir, foi investida pelos tanques do exército, havendo sido esvaziada. Esse diminuto país insular tem importância para os Estados Unidos, eis que ora fornece a base para a marinha estadunidense no Golfo Pérsico.
No Irã, os líderes oposicionistas Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi – ‘culpados’ defronte do ditador Khamenei e de seu auxiliar Ahmadinejad de terem incitado as manifestações à propósito da revolução democrática no Egito – não só estão em prisão domiciliar, como parlamentares e aliados da ditadura pedem a sua execução. Pelo ‘apagão’ na cobertura de imprensa, o cenário é confuso, embora seja inegável que as manifestações – muitas delas, como é costume islâmico, realizadas em enterros - se sucedam. A insurgência verde de Mousavi e Karroubi serve desde já para desnudar a hipocrisia de Mahmoud Ahmadinejad ao congratular-se com o triunfo do movimento libertário que derrubou Hosni Mubarak. Quanto a maiores resultados, infelizmente a travessia das forças democráticas no Irã, diante da situação coligada (clero, extratos de baixa renda e a fortiori o controle dos guardiães da revolução, i.e., o exército) promete ser árdua e comprida.
Entrementes, os demais autocratas árabes assistem, decerto ansiosos, o desenrolar dos acontecimentos. Na maioria dos casos, têm amplas razões em temerem os efeitos em suas terras do humilde verdureiro que a própria vontade e os fados transformaram em símbolo da democracia.

(Fonte: Folha de S. Paulo )

[1] O ano entre parênteses indica a assunção do poder.

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