segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Entrevista de Serra

É característica da política brasileira o peso que podem ter na sua evolução as entrevistas à imprensa. Talvez nenhuma se possa comparar à de José Américo de Almeida ao Diário Carioca, que acabou sendo publicada pelo Correio da Manhã e que, em março de 1945, desencadeou o processo do fim da censura no Estado Novo de Getúlio Vargas. Nos tempos recentes, as declarações do Senador Jarbas Vasconcelos à revista Veja sobre o PMDB, em que afirmou que boa parte do partido quer mesmo é corrupção, tiveram grande repercussão, sobretudo por mostrar qual seria a natureza do PMDB (cuja direção optou por não responder às acusações do Senador por Pernambuco).
A entrevista de José Serra a O Globo tem uma contundência que não se encontrava nas afirmações de seus companheiros de partido, com o Senador Aécio Neves à frente. Apesar dos seus quarenta e quatro milhões de sufrágios, obtidos sem bolsa-família nem as demais onerosas benesses do grande eleitor da passada eleição, Serra não tem mandato. Parte do PSDB, próxima de Aécio – que, seja dito en passant, muito terá contribuído para a não-eleição de Serra – deseja destiná-lo ao ostracismo. Preferem manter figuras sem maior expressão política, como o senador Sérgio Guerra, na presidência do PSDB, do que valer-se de personalidades com a penetração de José Serra.
Serra traz uma visão oposicionista que é importante para a democracia brasileira. Fala do ‘estelionato eleitoral’ do governo Lula: “Há quatro meses falavam em investir num monte de coisas, milhões de casas, milhões de creches, de quadras esportivas, de estradas, de ferrovias. A realidade é que está tudo parado.”
A volta da inflação já é sentida por todos os brasileiros. É decorrência direta da estratégia eleitoral do Presidente Lula para garantir a sua candidata Dilma Rousseff como sucessora. A evidência deste fato semelha demasiado grande para que careça de ser explicitada. A esse propósito, Serra assinala: “A herança maldita deixada por Lula é gigantesca em razão do descontrole dos gastos, dos maiores juros do mundo, da desindustrialização. A montagem do governo foi um festival de barganhas.”
Reporta-se, outrossim, ao “escândalo de Furnas e não-apuração dos escândalos da Casa Civil. Não é à toa que a presidente fala pouco e nunca de improviso.”
José Serra bate igualmente na tecla da falta de rigor fiscal: “O valor do mínimo está sendo usado para o governo evidenciar ao mercado um rigor fiscal que ele absolutamente não tem. O falso rigor esconde a falta de rigor. Por que não começam pelos cortes de cargos comissionados ou dos subsídios, como os que são entregues ao BNDES ? São uns 3% do PIB, R$ 110 bilhões. O governo está inflando despesas de maneira enganosa ou vai falir o país em um ano. Dou um exemplo: as despesas de custeio foram de R$ 282 bilhões em 2010. O orçamento deste ano diz que o governo vai gastar R$404 bilhões: um aumento de 43%. Os restos a pagar do governo Lula se elevam só neste ano a R$ 129 bilhões” (i.e., despesas já comprometidas e que tem de ser pagas).
Apesar das capitalizações do BNDES contribuírem para a inchação da dívida pública, a administração continua a valer-se de tal recurso, inda que de forma subreptícia, como já assinalado na imprensa.
As declarações do candidato da oposição tendem a criar condições para alargar o debate e a torná-lo mais vivo. A falta de oposição, ou aquela variedade dos gatos angorás, que mais se afigura troca de mensagens cifradas – de que se exclui a participação da grande opinião pública – pode favorecer a esta ou aquela figura dita ‘oposicionista’ mas, na verdade, não aproveita ao interesse maior da política.
O assistencialismo e o incremento geométrico nos gastos de custeio representou a ‘fórmula’ infalível da administração anterior de manter o poder. No entanto, o caráter não-elástico de tais despesas pesa igualmente sobre a vertente do futuro na administração, que são os investimentos. Ao restringir-lhe dramaticamente os recursos, se mantido o ‘modelo’ a alternativa é tentar os recursos não-fiscais - como as capitalizações – para suprir as necessidades urgentes da economia.
É uma via inflacionária, cujos resultados só tendem a agravar-lhe o efeito negativo, que os malabarismos contábeis não logram escamotear.
Daí a importância de que personalidades como José Serra se disponham a expor visões alternativas, evitando que a política seja pautada unicamente pelo discurso programático do poder na era Dilma Rousseff.

( Fonte: O Globo )

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