sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Escolhas Insensatas

Em muitos aspectos podem ser questionadas as opções adotadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja no campo político, seja no econômico-social.
O abandono dos critérios éticos pelo Partido dos Trabalhadores, não é decerto decisão autônoma da instância partidária. Ao invés, foi tomada tangida pela chamada governabilidade, por determinação do próprio Presidente da República. A dita governabilidade – e a candidatura de Dilma Rousseff – justifica, ao ver de Lula, as quebras mais acintosas dos princípios do PT. Por causa dela, se incrementa consideravelmente o lastro a ser carregado pelos principais candidatos petistas nas eleições de 2010.
Se nos ativermos a considerações práticas de interesse eleitoral, tudo milita a favor da coerência na observância dos princípios éticos. O seu desrespeito é péssimo presságio para o malogro de muitas candidaturas de voto majoritário, e para o encolhimento da legenda nos pleitos de sufrágio proporcional.
O que, no entender de Lula, milita em prol de escolhas ao arrepio das posições que distinguiram no passado o PT, é o interesse imediato, vale dizer, a manutenção da aliança com a coalizão megapartidária do PMDB. Não é uma opção indolor, eis que ao associar-se aos caciques peemedebistas e notadamente a chefes do rebanho de Renan Calheiros, José Sarney, Michel Temer et caterva, o governo petista paga preço descabido e abusivo, que traz consigo a maldição do desfiguramento da imagem da legenda aos olhos do eleitorado.
Ao imiscuir-se em questões atinentes ao Legislativo, o Presidente Lula não só contribui para agravar a crise que há muito infesta esse poder, mas também desmoraliza e achincalha as lideranças petistas atuantes em Senado e Câmara Federal. Se não há dúvida que a personalidade de Lula, com o seu crescente personalismo autoritário, constitua o fator preponderante nessa equação, tampouco podem eludir a respectiva responsabilidade aqueles representantes partidários, que por fraqueza e/ou subserviência consentem em trair os próprios compromissos éticos.
Pela míope adoração do ídolo da imediata governabilidade, Lula segue o que se poderia chamar de uma antipolítica, tudo sacrificando às ávidas cobranças de um megapartido não-ideológico, e sem outro norte do que as enganosas vantagens do clientelismo. Não é por acaso que desse amplo seio não vicejam candidaturas ao Planalto, porque, em função das próprias limitações, o PMDB de hoje tende a ser liga de caciques estaduais, sem ulterior voo às alturas do Planalto.
Que consultor político poderia conceber aliança que tenha como contrapeso o favorecimento da maior expressão do arcaico coronelismo regionalista, v.g., o Senador José Sarney ? Nada tenderá a mais deleitar os respectivos adversários que essa pesada efígie, cuja simples presença há de desvirtuar longas e meritórias carreiras, sob a sua imensa e maligna sombra ?
Não param aí, no entanto, as decisões equivocadas do Presidente. Inspirado certamente por motivos pessoais, Lula, depois da malograda e efêmera experiência do programa Fome Zero, tem investido maciçamente na Bolsa Família.
Não há negar a necessidade de um programa de apoio às vastas comunidades que, por esses Brasis afora, mas com particular ênfase no Nordeste, carecem de apoio. No entanto, se a relevância da participação estatal não pode ser contraditada, o programa Bolsa Família, pelo seu desmedido alargamento, tem representado um desvio de recursos que melhor poderiam ser empregados em outras rubricas orçamentárias.
O Bolsa Família padece hoje de inquietante gigantismo. Na véspera das eleições de 2010, o que foi alcunhado como maior programa eleitoral do Nordeste já ultrapassou o marco de um bilhão de reais. Atendidos os seus escopos assistencialistas, o Bolsa Família na verdade cuida do presente, livrando os beneficiários das insídias da miséria. É um nobre objetivo, posto que incompleto. Por não cuidar do futuro, o Bolsa Família condena os contemplados à mesmice da estagnação.
O assistencialismo é uma política de beco sem saída. O Brasil precisa de dar trabalho e não esmolas a essas multidões do Maranhão e do Nordeste. Somente pela criação de empregos reais, sem a corrupção de organizações desencaminhadas, será factível retirar estes brasileiros da miséria em que vivem. E para criar tais empregos, não há soluções mágicas. Passam por investimentos, de preferência determinados pela União.
Talvez seja um pouco tarde para convencer o Governo Lula de tal necessidade. Mas também nesse aspecto específico, critérios temporais não podem ocultar falsos condicionalismos.

Um comentário:

Mauro disse...

O artigo traz muitas questões ao debate. Como sovente, escrevo para discordar da maior parte das colocações do blogueiro, embora talvez não da avaliação de contexto, mas em minha opinião de erro essencial sobre os atores.
Alegra-me ver que o autor abraçou a tese do mal fundamental representado pelo executivo para o legislativo, citando-o como um dos principais fatores por trás da perigosa crise ética e de representatividade do parlamento. Erra, contudo, ao atribuir ao presidente Lula o abandono de supostas posturas éticas de seu partido. Que eu saiba, o PT (ou sua direção nacional) e Lula jamais as tiveram. Ambos jogavam o fácil e cínico jogo de Torquemada – não é de se admirar as dificuldades (e mesmo a necessidade) do PT para justificar seus atos no governo, agarrando-se em última instância na santidade de Lula, de forma que chega a ser obscena.
O papel de Lula na relativização da ética no País é debatível (embora no PT seja inquestionável, como promotor ou modelo), mas no final das contas não creio que vá além de um efeito colateral de um plano íntimo de poder. Sequer falo de ego, algo intrínseco a qualquer pessoa em uma posição semelhante e com trajetória como a dele, mas nada seminal em termos históricos, a menos que pelo exemplo pessoal. Lula foi tudo menos um estadista – será lembrado por quem foi, não pelo que fez (para desgraça do Brasil muito mais pelo que deixou de fazer).
Voltando ao PT, não há grandes edifícios éticos em perigo (como o autor sugere), pois justificar o injustificável (ou revogar o irrevogável), nunca deixou de ser a marca do partido – mesmo quando era oposição. Suas táticas para fragilizar seus oponentes e governos em especial beiravam o lesa-pátria, com doses fortíssimas de demagogia. Falava-se ao povo oferecendo populismo e o discurso irresponsável da tabula rasa. Eu me pergunto como os simpatizantes não alienados do PT, pessoas de bem, podiam ter serenidade íntima com tal peso sobre suas biografias (para usar um valor em voga). Pensava mais um pouco e vinha-me o medo, exatamente pela facilidade com a qual essa dialética consegue apagar a inconveniente e contraditória realidade e justificar qualquer coisa, mesmo para pessoas sensatas e cultas (já disseram que o PT é a Igreja Universal da política). Pensarão que somos todos palhaços, indiferentes ou membros desse clube moral? Na verdade não terão medo dessa exposição enquanto tiverem Lula.
Em suma, toda essa suposta crise petista inexiste, os silêncios de seus expoentes são o atestado disto. É irônico ver um partido, na verdade uma pessoa, inventada pela ditadura para controlar o legítimo movimento sindical tornar-se a definição de meios que justificam os fins. É sempre preferível estar do lado da verdade a ser coerente. Mas o PT (sem falar do Lula) não sabe o que é estar errado. Por isso estão tão atordoados. Perguntam-se: “o PT não mudou, está agarrado ao poder, por que a celeuma?”